4 de Julho de 201906:00
Pergunta: As relações entre a Rússia e a Itália parecem ser positivas. O nosso governo está entre os poucos da Europa, que estão a pressionar para que seja efectuada a revisão das sanções. No entanto, é a Itália que sofre as maiores perdas devido à proibição do fornecimento de vários bens de consumo, introduzida pelo governo russo como contramedida. Não seria um gesto amistoso da parte da Rússia, dar o primeiro passo e começar a levantar, unilateralmente, as sanções retaliatórias?
Presidente da Rússia, Vladimir Putin: De facto, desfrutamos de relações especiais com a Itália. Existe um diálogo de confiança com os dirigentes italianos. Está em andamento um trabalho conjunto contínuo nos campos político, económico, científico e humanitário. Apreciamos muito esse activo de parceria e confiança mútua. Claro, mantivemos essa circunstância em mente. E não tínhamos o desejo de prolongar as restrições às relações económicas com a Itália. Mas o problema é que as nossas medidas de resposta – em retaliação às sanções ilegítimas que nos foram impostas – deveriam ser não-discriminatórias, porque senão enfrentaríamos problemas na Organização Mundial do Comércio. Gostaria de salientar que as decisões de impor sanções contra a Rússia foram tomadas pela Comissão Europeia e apoiadas por todos os países da UE. Ao mesmo tempo, gostaria de sublinhar que as medidas de resposta mencionadas são de natureza local e não impedem, de um modo geral, o desenvolvimento eficaz do nosso investimento e cooperação industrial.
Assim sendo, nenhuma das empresas italianas se retirou do mercado russo. No recente Fórum Económico, em São Petersburgo, foram assinados vários contratos bilaterais promissores nos sectores industrial, do petróleo e gás e da petroquímica.Quanto à remoção das sanções, tenho falado sobre este assunto repetidas vezes. Aquele que está por trás das sanções é o que deve dar o primeiro passo; estou a falar da União Europeia. Depois do mais, a Rússia poderá abolir as contramedidas. Esperamos que o bom senso acabe por prevalecer e a Europa dê prioridade aos seus próprios interesses em vez de seguir as instruções dadas por outrem. Então, poderemos desenvolver uma cooperação mutuamente benéfica, multifacetada e voltada para o futuro.
Pergunta: No mundo de hoje, que parece em certos aspectos, ainda mais instável do que o da era da Guerra Fria, os acordos de desarmamento Rússia-EUA estão em crise. Estamos à beira de uma nova corrida armamentista com consequências imprevisíveis, apesar do que pareceu ser um bom começo nas suas relações com o Sr. Trump. De que maneira é que o Snr. pensa que o seu país é responsável por tal desenvolvimento?
Vladimir Putin: De maneira nenhuma! O colapso do sistema de segurança internacional começou com a retirada unilateral dos EUA do Tratado de Mísseis Antibalísticos (Tratado ABM). Este instrumento foi a pedra angular de toda a arquitectura do controlo de armas. Basta comparar a quantia que a Rússia gasta na defesa – cerca de 48 biliões de dólares – e o orçamento militar dos EUA, que é de mais de 700 biliões de dólares. Existe nestes números algum sinal de uma verdadeira corrida armamentista? Não estamos dispostos a ser arrastados para ela. Mas, ao mesmo tempo, devemos garantir a nossa segurança. Por esta razão, é que tivemos de desenvolver armas e equipamentos avançados – em resposta ao aumento das despesas militares e às acções claramente destrutivas dos Estados Unidos.A situação com o Tratado INF é um exemplo flagrante. Aproximámo-nos dos EUA mais de uma vez, sugerindo que resolvêssemos as questões relativas a este documento, mas enfrentamos uma recusa. Como resultado, os americanos estão a destruir outro Tratado importante.As perspectivas da nossa cooperação no campo da redução estratégica de armas ainda permanecem pouco claras. O Tratado START expirará no início de 2021. Neste momento, os EUA não parecem dispostos a discutir o seu prolongamento ou a possibilidade de elaborar um novo acordo em grande escala. Deve ser mencionado aqui, mais um facto. Em Outubro passado, oferecemos aos EUA legitimar uma declaração conjunta sobre a inadmissibilidade de uma guerra nuclear e o reconhecimento das suas consequências devastadoras. Não houve resposta dos EUA. (***Ver Nota da Tradutora, no final.) Recentemente, a Administração em Washington começou a reflectir sobre a possibilidade de reiniciar o nosso diálogo bilateral, baseado numa agenda estratégica alargada. Acredito que alcançar acordos concretos na esfera de acção de assegurar o controlo de armas, ajudaria a melhorar a estabilidade internacional. A Rússia tem vontade política de fazê-lo; agora compete aos EUA tomarem uma decisão. Reiterei essa posição na nossa reunião com o Presidente Trump, à margem da Cimeira do G20, no Japão, não há muito tempo. (N.d T: 28 e 29 de Junho de 2019)
Pergunta: Fala-se muito na Rússia sobre a expansão da NATO. Muitos países europeus, particularmente os da Europa Oriental, afirmam temer possíveis actos de agressão de Moscovo. Como é que esses medos mútuos podem ser superados? Podemos esperar por novos acordos de Helsínquia? Considera possível que a Rússia e a Itália proponham, em conjunto, uma nova iniciativa de diálogo, como a criação do Conselho NATO-Rússia, lançado em Pratica di Mare, em 2002?
Vladimir Putin: Para superar a situação nociva actual, temos de abandonar os conceitos arcaicos de “dissuasão” e “filosofia do bloco” da era da Guerra Fria. O sistema de segurança deve ser comum e indivisível. Essa arquitectura deve basear-se nos princípios fundamentais das relações entre os Estados, consagradas na Carta da ONU e na Acta Final de Helsínquia, incluindo o não-uso da força ou a ameaça de força, a não ingerência nos assuntos internos dos Estados soberanos e resolução política pacífica de disputas. Agradecemos os esforços feitos pela Itália para melhorar a compreensão mútua na região euro-atlântica. Estamos sempre abertos ao trabalho conjunto com os nossos parceiros italianos e ocidentais no combate a desafios e ameaças reais de segurança, incluindo o terrorismo internacional, tráfico de drogas e cibercrime.
Pergunta: Muito já foi dito sobre incidentes de interferência de hackers/piratas cibernéticos sediados na Rússia, durante a campanha eleitoral do Parlamento Europeu. Alguns países fizeram acusações explícitas contra as autoridades russas. O que é que respondeu a este assunto? Não considera que a questão da interferência é um problema sério nas relações com a Europa?
Vladimir Putin: O absurdo atingiu o apogeu quando a Rússia foi acusada de interferir nas eleições americanas. Sabemos bem como esta história terminou – em nada. E as descobertas da comissão de Mueller de que não houve tal conluio não foram surpreendentes – a comissão não conseguiu extrair nenhuma evidência, pois que não poderia haver evidência, em princípio. Mas, eis a parte interessante: as sanções impostas contra o nosso país sob o pretexto dessas acusações, ainda estão em vigor. Todas as especulações sobre a interferência da Rússia nos processos eleitorais na União Europeia são do mesmo tipo. Foram espalhadas, persistentemente, na véspera das eleições europeias, como se quisessem dar aos europeus uma “insinuação” de que foi “a interferência maliciosa da Rússia”, que foi culpada pelos resultados tão baixos de certas forças políticas nas eleições. Além do mais, os autores de tais conjecturas continuaram o mesmo objectivo – insistir em “demonizar” a Rússia aos olhos dos europeus comuns. Deixe-me salientar o seguinte: nunca interferimos nos assuntos internos dos Estados membros da União Europeia ou de quaisquer outros Estados e não vamos fazê-lo. É o que nos distingue nitidamente dos EUA e de alguns dos seus aliados que, por exemplo, apoiaram o golpe de Estado na Ucrânia, em Fevereiro de 2014. Estamos interessados em restabelecer a plena interacção entre a Rússia e a União Europeia e manter a paz, a segurança e a estabilidade no continente que partilhamos. Estamos prontos para uma colaboração construtiva com todas as forças políticas que receberam mandato dos eleitores europeus.
Pergunta: Que tipo de relações a Rússia tem com o partido da Liga de Matteo Salvini? Considera que ele é o dirigente italiano em quem confiar? Como descreveria o seu relacionamento com Silvio Berlusconi?
Vladimir Putin: Os contactos com partidos políticos de Estados estrangeiros são geralmente mantidos a nível partidário. Assim, a Liga da Itália e a Rússia Unida interagem no âmbito de um acordo de cooperação. O partido da Liga e o seu líder, Matteo Salvini, apoiam activamente o restabelecimento da plena cooperação entre a Itália e a Rússia e defendem o levantamento antecipado das sanções anti-russas impostas pelos EUA e pela UE. É neste ponto, que concordamos. Matteo Salvini nutre sentimentos amistosos pela Rússia e está bem familiarizado com as suas realidades. Encontrámo-nos em 2014, em Milão, onde debatemos as perspectivas de desenvolvimento dos laços russo-italianos, bem como as relações da Rússia com a União Europeia. Desde então, tanto quanto sei, o Snr. Salvini e os membros do seu partido, mantiveram contactos com os seus colegas russos, interessados em intensificar a cooperação com os seus parceiros italianos.Já disse em muitas ocasiões e repetirei: nas nossas relações com Estados estrangeiros, temos consideração pelos dirigentes eleitos legitimamente, pelos dirigentes em conformidade com a lei e com a justiça. Estamos prontos para trabalhar e trabalharemos com os que foram eleitos pelo povo italiano, independentemente de sua afiliação política. Quanto a Silvio Berlusconi, somos amigos há muitos anos. Silvio é um político de nível internacional, um verdadeiro líder que defendeu, persistentemente, os interesses do seu país no cenário internacional. A sua determinação sincera em manter e aumentar o potencial desenvolvido nas relações entre os nossos países inspira respeito. Encontramo-nos raramente, mas quando temos essa oportunidade, ele nunca aborda assuntos da política interna do seu país. Nem eu. É importante que em Itália haja um consenso absoluto entre todas as forças políticas sobre a necessidade de desenvolver boas relações com a Rússia. E retribuímos totalmente.
Pergunta: A Comissão Europeia lançou um procedimento de défice excessivo contra a Itália pelo seu défice público excessivo. A respeito deste assunto, será que o Snr. debateu com o Primeiro Ministro Conte, durante a sua visita recente, a possível aquisição de títulos soberanos italianos, por parte da Rússia?
Vladimir Putin: Não mencionamos essa questão durante a visita do Snr. Conte a Moscovo. E, tanto quanto sei, também não recebemos nenhum pedido formal do lado italiano.
Pergunta: Muitos esperavam que a eleição de Vladimir Zelensky como Presidente da Ucrânia provocasse um descongelamento nas relações com Moscovo e, também, a resolução mais antiga do conflito em Donbass e o estabelecimento de um diálogo construtivo. Será que é possível?
Vladimir Putin: Sim, é possível se Zelensky começar a cumprir as suas promessas eleitorais, inclusive se ele entrar em contacto directo com os seus compatriotas, em Donbass, e deixar de rotulá-los como “separatistas”, se as autoridades ucranianas concretizarem os Acordos de Minsk, em vez de ignorá-los. A ucranização forçada, a proibição de usar a língua russa, que é a língua nativa de milhões de cidadãos ucranianos, incluindo o ensino do russo nas universidades e nas escolas, a fúria de neonazismo, o conflito civil no sudeste do país, as tentativas do governo anterior para quebrar a frágil paz inter-religiosa – é apenas uma pequena parte da terrível “bagagem” que o novo
Presidente terá de enfrentar. Portanto, vou repetir: os cidadãos ucranianos não querem declarações de V. Zelensky e da sua equipa – querem acção real e mudanças rápidas para melhor. E, claro que as autoridades de Kiev devem compreender, finalmente, que o confronto entre a Rússia e a Ucrânia não é de interesse comum, mas sim, o desenvolvimento de uma cooperação pragmática baseada na confiança e no entendimento mútuo. E estamos preparados para isso.
Pergunta: O Snr. não tem adversários políticos verdadeiros; nas eleições do ano passado, recebeu quase 77% dos votos; praticamente não há oposição. Então, por que razão é que os seus planos de desenvolvimento arrancam com dificuldade ? Quais são os principais obstáculos?
Vladimir Putin: Não se trata do número de votos nas eleições, é sobre as realidades económicas que a Rússia tem de enfrentar, a saber: o declínio ou a flutuação de preços nos mercados globais dos nossos produtos tradicionais de exportação: petróleo, gás e metal. De facto, as restrições externas também produzem o seu efeito. Mas seguimos uma política razoável e realista. Garantimos a estabilidade macroeconómica e evitamos o crescimento do desemprego. Além do mais, conseguimos concentrar recursos significativos em projectos nacionais de larga escala, que devem permitir um desenvolvimento inovador nos sectores fundamentais da economia e da esfera social e melhorar a vida das pessoas.Quanto à concretização dos planos, na verdade, eles nem sempre são realizados tão rápido quanto queremos. Existem obstáculos imprevistos, dificuldades e falhas. Mas é um problema comum a todos os países. É compreensível – hoje todos nós, incluindo a Rússia, enfrentamos desafios demasiado ambiciosos. Eles dizem respeito não apenas à esfera económica, mas também a outras esferas. A ideia principal é que as próprias pessoas devem mudar em muitos aspectos, reconhecer a necessidade de mudança e do seu papel nesses processos e envolver-se no trabalho conjunto. Isso não acontece. Repito, todos devem perceber que o mundo está a mudar drasticamente. As tecnologias estão a desenvolver-se a um ritmo crescente. É, por esse motivo, que os nossos planos estão estabelecidos visando o futuro. Criamos condições para perceber os talentos e as capacidades de cada pessoa, particularmente, dos jovens. Ao observar os múltiplos programas que são procurados nesta área, vejo o projecto Rússia – Terra de Oportunidade como sendo muito importante; visa o crescimento profissional e pessoal da juventude e das pessoas de várias gerações. Destina-se a dar-lhes a oportunidade de provar as suas capacidades na administração pública, nos negócios e noutras áreas importantes. Resumindo, estou confiante de que, aproveitando a energia, a liberdade e a iniciativa dos nossos cidadãos, iremos certamente alcançar os objectivos que estabelecemos para nós próprios.
Pergunta: Pensa na Rússia depois de Putin, a partir de 2024? Pretende deixar a política ou, como muitos acreditam, vai ficar noutra esfera de acção?
Vladimir Putin: É cedo demais para dizer. Existem cinco anos de intenso trabalho pela frente. Dada a dinâmica rápida que observamos no mundo de hoje, é difícil fazer previsões. Acredite em mim, tenho muito que fazer agora, tal como me encontro, hoje.
Pergunta: Qual é a base das relações comerciais e económicas entre a Itália e a Rússia? Quais são os projectos que estão a ser estabelecidos ou discutidos agora?
Vladimir Putin: A Itália é um dos principais parceiros comerciais do nosso país no mundo (em 2018, foi o quinto depois da China, Alemanha, Holanda e Bielorrússia). Cerca de 500 entidades empresariais italianas estão presentes na Rússia. E apesar da participação da Itália nas sanções anti Rússia e as nossas medidas de retaliação, que discutimos anteriormente, as nossas relações comerciais e económicas bilaterais desenvolvem-se com bastante sucesso. Em 2018, o nosso comércio mútuo aumentou 12,7%, chegando a 26,9 biliões de dólares. O investimento directo acumulado da Itália, alcançou 4,7 biliões de dólares até ao início deste ano, enquanto o investimento da Rússia em Itália, também é significativo – 2,7 biliões de dólares.Vários projectos vultuosos de investimento já foram concretizados na Rússia e em Itália pelas empresas dos dois países. Os mais importantes incluem 4 centrais elétricas operadas pela Enel nas regiões de Tver e Sverdlovsk e no território de Stavropol; 2 ‘joint ventures‘ com o fabricante de pneus Pirelli em Voronezh e Kirov; uma usina em Chelyabinsk produzindo bombas para a indústria do petróleo com a participação de Termomeccanica S.p.A. A propósito, em Chelyabinsk existem mais 5 empresas russo-italianas, incluindo produção metalúrgica, fabricação de equipamentos de energia e engenharia criogénica. No ano passado, uma fábrica de motores elétricos de alta tensão, juntamente com a empresa italiana Nidec, iniciou o seu trabalho na região. Gigantes como a ENI, Maire TECNIMONT e IVECO investem activamente na economia russa. Como exemplos de investimentos em larga escala da Rússia em Itália, mencionaria as instalações e postos de gasolina da refinaria de petróleo LUKOIL, e uma das maiores refinarias de óxido de alumínio da Europa, pertencentes à RUSAL e localizada na ilha da Sardenha.Vários projectos importantes de investimento na Rússia com a participação italiana estão agora a ser desenvolvidos. Incluem os projectos de energia eólica da Enel, a construção de uma fábrica de produtos químicos na região de Samara e uma refinaria de gás na região de Amur, com a participação da Maire TECNIMONT bem como a nova fábrica de macarrão da Barilla. Também mencionarei um grande projecto italo-russo fora dos nossos países – no Egipto. Estou a referir o campo de gás de Zohr, desenvolvido pela ENI e pela Rosneft.Gostaria de agradecer aos nossos parceiros de negócios italianos pela sua posição de princípio a favor do aperfeiçoamento dos nossos laços comerciais. Valorizamos muito e esperamos que a cooperação económica ítalo-russa sirva ainda mais para benefício dos nossos países e dos nossos povos.
Fim da entrevista***Nota da Tradutora – Pesquisei intensamente a fim de encontrar documentos que atestassem a afirmação tão importante do Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, acima mencionada.Não encontrei nenhum documento taxativo, mas penso que este facto ocorreu durante o encontro com John Bolton, em 23 de Outubro de 2018, que passo a traduzir, mas que obviamente, dada a natureza dessa reunião, não foi totalmente transcrito. Se algum leitor me puder elucidar melhor sobre este assunto que, para mim, é de grande importância, peço o favor de me contactar através do meu emailluisavasconcellos2012@gmail.com. M.obrigada.
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