MK Bhadrakumar – 14 de março de 2023
Biden e Scholz reunidos na Casa Branca, sem assessores presentes, falaram sobre a sabotagem de Nord Stream, Washington, 3 de março de 2023
Na próxima segunda-feira, chega um aniversário inquieto. Passarão 20 anos desde a invasão do Iraque pelos Estados Unidos. A Grã-Bretanha era um pilar da ‘coalizão de intenções’ liderada pelos Estados Unidos. O colunista do Guardian, John Harris, escreveu no domingo, que foi “o maior desastre político e humanitário em que o Reino Unido esteve envolvido desde a Segunda Guerra Mundial … quando o suposto centro político repentinamente balançou em um lugar imprudente e catastrófico”.
A Guerra do Iraque causou violência sem fim e enormes níveis de morte. Ironicamente, foi Seymour Hersh quem expôs aquela terrível crônica de tortura em Abu Ghraib pelas tropas americanas que chocou o mundo.
Harris fez um ponto discutível que a Guerra do Iraque teve “efeitos profundos” no Reino Unido. Ele listou, entre eles, “uma sensação de que a política e o poder se afastaram do público e deixaram uma lacuna enorme e muito desconfortável”. Talvez ele esteja certo, mas pelos motivos errados. Com o passar do tempo, a Guerra do Iraque fez com que a política partidária da Grã-Bretanha parecesse uma farsa.
A Grã-Bretanha hoje tem um UniParty [partido único – nota do tradutor] – o partido do governo, que parece consistir das mesmas pessoas que o partido da oposição. A Grã-Bretanha chegou onde os EUA já estão faz algum tempo – uma cabala de elites políticas sequestrando o país, operando sua própria agenda, independentemente de qual partido político esteja formalmente no poder – e o povo em geral perdeu o controle sobre seu governo. É por isso que crimes como Abu Ghraib e Nord Stream ficam impunes.
Em 3 de março, o chanceler alemão Olaf Scholz teve um encontro pessoal ultrassecreto com Biden no Salão Oval no que parece ter sido uma tentativa, entre outras coisas, de chegar a um consenso sobre como lidar com o relatório explosivo de Hersh sobre a sabotagem do Nord Stream. (leia meu blog Ucrânia: Uma guerra para acabar com todas as guerras na Europa.)
Veja a sequência dos eventos: quatro dias depois de Scholz encontrar Biden, o New York Times divulgou um sensacional vazamento de mídia sobre o Nord Stream, atribuindo a sabotagem a um “grupo pró-ucraniano” composto por cinco homens e uma mulher que usavam um iate alugado na Polônia.
A embarcação foi posteriormente encontrada por investigadores alemães – também um vazamento da mídia em Berlim – e acabou sendo o Andromeda, um veleiro Bavaria C50. O grupo teria embarcado em sua missão de Rostock em 6 de setembro de 2022. O equipamento para a operação secreta teria sido transportado para o porto em um caminhão.
O Die Zeit da Alemanha apoiou a narrativa do Times em tempo real. Mas a própria narrativa está repleta de discrepâncias. As perguntas são abundantes: como um iate fretado de 15 metros pode ter carregado cerca de 1.500 a 2.000 quilos de explosivos necessários para a sabotagem? Como Andrômeda, que não tem guindaste, poderia içar quantidades tão grandes de explosivos com segurança na água?
Uma análise russa aponta que “o local da explosão, o mar Báltico, tem cerca de 80 metros de profundidade, o que requer equipamentos especiais de mergulho, incluindo tanques de ar com mistura de hélio-oxigênio e oxigênio puro. Ao todo, seriam necessários 30 litros de uma mistura especial de gases para um único mergulho, o que significa que devia haver dezenas de garrafas a bordo. Além disso, deveria haver uma câmara de descompressão para os mergulhadores, algo para o qual o iate não serve. Além disso, seriam necessários vários mergulhos e alguns dias para colocar os explosivos nos oleodutos. É difícil imaginar que essas atividades teriam passado completamente despercebidas.”
A redação do Times evidentemente não fez nenhuma checagem de fatos. Mas em 10 de março, o presidente do comitê de supervisão de inteligência do Bundestag, Konstantin von Notz, do Partido Verde, disse ao Die Zeit que o que aconteceu foi provavelmente um “ato de terrorismo apoiado pelo Estado” e provavelmente conduzido por um “estado ou quase- ator estatal”.
Scholz está patinando no gelo fino. Ele lidera uma coalizão de atlantistas. Mas a Alemanha ainda não é um país unipartidário. Além disso, ao contrário dos EUA ou do Reino Unido, no sistema político alemão, o promotor público que está investigando a sabotagem do Nord Stream é uma entidade autônoma que não pode ser comandada por políticos no poder.
A reação do ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, ao relatório do Times mostra isso – que os alemães ainda não sabem se foi um comando ucraniano que agiu com o conhecimento do governo ucraniano, um grupo pró-ucraniano que agiu sem o conhecimento deles ou se pode ter sido uma operação de bandeira falsa. Berlim aparentemente não exclui o envolvimento oficial ucraniano.
O bode expiatório é útil para Washington nessas situações como uma estratégia de saída. A reportagem no Politico no domingo distanciou o governo Biden do regime ucraniano de Zelensky, e a sabotagem do Nord Stream é mencionada lá como uma das três razões para as “diferenças crescentes nos bastidores” entre Washington e Kiev.
Por enquanto, porém, parece haver um entendimento tácito entre Biden e Scholz de que eles não vão se irritar por causa desse assunto. Quanto a Zelensky, ele provavelmente não tem opção a não ser desempenhar o papel de bode expiatório quando necessário.
Ao mencionar o Nord Stream como uma questão de discórdia entre Washington e Kiev, o a reportagem no Político parece sugerir a Zelensky que este é um jogo de alto risco que afeta a unidade transatlântica e que um bode expiatório pode se tornar necessário.
Enquanto isso, em vez de apontar o dedo para Washington, o secretário do Conselho de Segurança da Rússia, Nikolay Patrushev, não se comprometeu no domingo, dizendo: “Enfatizo que quaisquer acusações que não sejam apoiadas pelos resultados de uma investigação imparcial não são confiáveis. Portanto, Moscou insiste em uma investigação objetiva com a participação da Rússia e de outros países interessados. Sem isso, expressar versões subjetivas unilaterais do ataque terrorista não explica nada”.
Patrushev praticamente desafiou o tandem Biden-Scholz. Certamente, uma investigação imparcial terá consequências políticas. Por um lado, a opinião pública alemã é relativamente inconstante na questão da entrega de armas. Em segundo lugar, Scholz não pode se permitir a percepção de que está em conluio com Biden.
Claro, se for estabelecido que uma unidade de comando ucraniana ou uma unidade americana foi responsável pela sabotagem, as consequências políticas serão enormes. O público alemão pode exigir a interrupção do fornecimento de armas à Ucrânia. Por outro lado, se os EUA forem responsáveis, o atual renascimento nos laços germano-americanos simplesmente desaparecerá.
Scholz ainda não entendeu que o transatlantismo não é a característica definidora do Partido Democrata. Seu destino pode acabar sendo o mesmo de Tony Blair. Harris escreveu que os efeitos dos enganos de Blair se propagaram até o Brexit.
Para citá-lo, “o Iraque maculou terrivelmente o histórico doméstico de Blair e [Gordon] Brown e marcou o fim da visão do New Labour da Grã-Bretanha como um partido jovem e confiante. Reduziu a cinzas as fantasias do “intervencionismo liberal” e aprofundou o descontentamento e o mal-estar que levaram à nossa saída da Europa”.
O jornal Handelsblatt em uma reportagem na última quinta-feira apontou que a investigação sobre Nord Stream pode jogar politicamente nas mãos da extrema-esquerda e da extrema-direita na política alemã. Scholz pode sobreviver ao engano sobre a sabotagem do Nord Stream? Se a Ucrânia estiver envolvida, não há como voltar atrás para a Alemanha.
Fonte: https://www.indianpunchline.com/sabotage-of-nord-stream-wont-go-unpunished/
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