Eduardo Vasco – 04 de maio de 2024
A Coreia do Norte não é a prova da teoria do “socialismo num só país”, mas sim da necessidade de uma revolução permanente, acredita Eduardo Vasco.
Apesar das contradições no desenvolvimento da revolução e do Estado Operário Coreano, os norte-coreanos demonstraram inúmeras vezes, ao longo da segunda metade do século XX, a validade da teoria da revolução permanente.
Enquanto a burocracia soviética aprofundava a política fracassada do “socialismo num só país” com a doutrina da “coexistência pacífica” com o imperialismo e o contínuo boicote à revolução mundial, os norte-coreanos pregavam uma luta aberta para abolir o sistema imperialista, começando pela dominação do seu próprio país pela burguesia vassala.
Participaram na Conferência Tricontinental que, em 1966, em Havana, fundou a Organização de Solidariedade com os Povos da Ásia, África e América Latina (OSPAAAL) com o objetivo de expandir a revolução a todo o globo. Os países atrasados, cujos movimentos revolucionários tinham maior independência da burocracia soviética (ao contrário da Europa) foram encorajados a pegar em armas para travar a luta pela libertação nacional, pela revolução democrática e pelo socialismo.
Num artigo para a Revista Tricontinental, Kim Il Sung expressa tal política que se opõe completamente aos ditames de Moscou, afirmando:
É um erro tentar evitar a luta contra o imperialismo afirmando que, embora a independência e a revolução sejam boas, a paz é mais preciosa. Não é um fato real que a linha de um compromisso sem princípios com o imperialismo apenas encoraja as suas manobras agressivas e aumenta o perigo de guerra? Uma paz que leva à submissão escrava não é paz. A verdadeira paz não pode ser alcançada se não lutarmos contra aqueles que a perturbam e se não destruirmos o domínio dos opressores, opondo-nos a esta paz escravista. Da mesma forma que nos opomos à linha de compromisso com o imperialismo, não podemos admitir o medo de lutar contra o imperialismo com ações práticas, limitando-nos apenas a proclamar em voz alta que somos contra o imperialismo. Isto nada mais é do que o oposto da linha de compromisso. Ambas não têm qualquer semelhança com a verdadeira luta anti-imperialista e servem apenas como uma ajuda à política de agressão e guerra do imperialismo. (Fortaleçamos a luta antiimperialista e antiianque, 12 de agosto de 1967.)
O líder norte-coreano também escreve, no mesmo artigo:
A luta anti-imperialista e anticolonialista dos povos da Ásia, África e América Latina é uma luta sagrada pela libertação de centenas de milhões de seres humanos oprimidos e explorados e, ao mesmo tempo, uma grande luta que visa isolar esta tábua de salvação do imperialismo mundial. Esta luta constitui, juntamente com a luta revolucionária da classe trabalhadora pelo socialismo, as duas grandes forças revolucionárias do nosso tempo, que se uniram para formar uma corrente única que sepulta o imperialismo. (Idem)
Ao longo das décadas de 1950, 1960 e 1970, os norte-coreanos procuraram colocar este pensamento em prática, proporcionando treino militar e enviando tropas e armas para revolucionários em vários países atrasados, incluindo Angola, Moçambique e Brasil. Este apoio foi muito maior do que o da burocracia soviética, que não se preocupava com a revolução, mas sim em controlar os governos resultantes destas revoluções para que estes, em vez de aprofundarem o processo revolucionário, servissem como satélites para servir os interesses políticos e econômicos da URSS.
Contrariamente à teoria stalinista dos campos, os norte-coreanos compreenderam que a luta de classes a nível global não se sintetiza na luta do “campo socialista” contra o “campo capitalista”, mas sim na luta dos povos oprimidos contra o imperialismo.
A luta contra o imperialismo dentro da Coreia, até hoje, também é travada seguindo estes mesmos princípios. Corretamente, as exigências da Coreia do Norte para a reunificação com o Sul baseiam-se nas necessidades da revolução nacional-democrática, uma vez que, apesar de ter estabelecido a ditadura do proletariado no Norte, o Sul continua a ser controlado pelo imperialismo e por uma ditadura contra a classe dos trabalhadores. Portanto, a luta pela libertação nacional continua em curso, a qual, em essência, tem um carácter nacional-democrático no Sul.
Aprendendo com a sua própria experiência da revolução nacional-democrática e da guerra anti-imperialista, os norte-coreanos chegaram à conclusão eternizada nas palavras de Che Guevara: “Não se pode confiar no imperialismo, mas isso é nada!” Por outro lado, décadas de luta contra tendências errôneas no seu próprio país, desde a fundação da UDI em oposição ao partido comunista stalinista, passando pela revolução de libertação nacional que contradizia a política de conciliação com o imperialismo da burocracia soviética e que atingiu durante a Guerra da Coreia em que não receberam o apoio necessário da URSS, os norte-coreanos aprenderam que era necessário manter a independência política em relação à camarilha stalinista.
Chegaram mesmo a criticar abertamente a burocracia soviética, denunciando-a por boicotar a revolução mundial, como nesta declaração de Kim Jong Il:
A causa socialista de um povo é nacional e, ao mesmo tempo, internacional. O partido comunista ou os trabalhadores de cada nação possuem o direito de defender a sua independência e, ao mesmo tempo, a obrigação de respeitar a dos partidos de outros Estados, e de se unir e colaborar com base na camaradagem para a causa da vitória socialista. (Lições históricas da construção do socialismo e da linha geral do nosso Partido, 03 de janeiro de 1992.)
Ainda neste discurso, Kim Jong Il faz uma crítica contundente à fraude dos partidos comunistas do Leste Europeu pela burocracia soviética:
Há muito que existe um centro no movimento comunista internacional e o partido de cada país funciona como seu braço. O natural teria sido que os partidos dos países socialistas cooperassem com base na plena igualdade e independência, mas alguns, por não se terem libertado dos costumes contraídos no meio das suas antigas relações, durante o tempo do regime comunista Internacional, causaram grandes danos ao avanço do movimento comunista internacional. Um deles, autodenominando-se o “centro”, cometeu descaradamente atos de transmissão de ordens a outros e de pressão e intervenção nos assuntos internos daqueles que não seguiram a sua linha errada. (Idem)
Certamente, o fato de ter sido realizado independentemente do stalinismo e de ter mantido esta independência é uma das causas da permanência do Estado Operário Norte-Coreano, mesmo depois da queda da URSS e dos regimes da Europa do Leste e da restauração capitalista na Ásia. Talvez o maior mérito de Kim Il Sung, falecido em 1994, tenha sido levar a revolução adiante no exato momento em que ela era boicotada pela burocracia stalinista em todo o mundo.
Ao contrário do que os Stalinistas podem pensar, a Coreia do Norte não é uma prova da teoria do “socialismo num só país”, mas sim da necessidade de uma revolução permanente. O socialismo, como forma superior de organização da sociedade e como sistema político e econômico, só poderá ser plenamente alcançado quando o sistema imperialista for superado. Num mundo controlado pelo imperialismo, onde todas as relações sociais são dominadas ou pelo menos influenciadas por este regime, não é possível alcançar a independência completa, como o próprio exemplo norte-coreano demonstra. O isolamento pós-URSS com o cruel bloqueio econômico imperialista produziu mais de uma década de fome para milhões de coreanos e ainda hoje, quando esta situação está mais bem controlada, o país ainda sofre de inúmeras dificuldades causadas por sanções econômicas e constantes ameaças militares.
Além disso, o domínio semicolonial do imperialismo sobre a Coreia do Sul impediu a revolução nacional-democrática do povo coreano. Só terminará com a libertação da Coreia do Sul e a reunificação de toda a península, independentemente do imperialismo.
Fonte: https://strategic-culture.su/news/2024/05/04/north-korean-foreign-policy-call-for-union-against-imperialism/
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