Quantum Bird – 21 de junho 2024
A coreografia encenada pelos dois líderes, Putin e Jung Un, não pode ser entendida a partir do léxico da modernidade tardia disponível nas satrápias do ocidente decadente pós-maio/68. O cerimonial grandioso para recepção de Putin, organizado por Jung Un, serviu a um único propósito: sinalizar inequivocamente ao povo coreano que Putin está no mesmo nível de seu líder. Não poderia ser diferente entre lideres de dois países soberanos que resistem desde sempre ao assédio da potencias imperialistas.
Na opinião deste modesto curador, de todos os ângulos – lícitos — disponíveis para analisar o desenvolvimento da parceria estratégica entre a Federação Russa e a Republica Popular Democrática da Coreia, o mais importante é o econômico. O potencial é imenso e as oportunidades para ganhos mútuos são tão abundantes que fazem pensar sobre porque demorou tanto.
[ Nota lateral: Neste ponto cabe um aviso aos típicos pseudoacadêmicos, pseudointelectuais e medíocres profissionais “vira-latizados” variados que abundam em solo nativo (brasileiro): países subdesenvolvidos não constroem submarinos de ataque nuclear, misseis balísticos intercontinentais, mísseis hipersônicos, nem projetam e lançam seus próprios satélites. Alguém prestou atenção ao panorama de Pyongyang, exibido em diversos passeios pela cidade durante a visita? Comparem com… digamos, Paris. ]
A liberação desse imenso potencial comercial, científico e geopolítico tem recebido pouco escrutínio analítico, pois é anátema absoluto no Ocidente Coletivo. De fato, o que observamos na maioria dos veículos da mídia corporativa, e alternativa, é a sólita redução de tudo à não-notícia da “Rússia fazendo acordos para conseguir munição coreana para a sua SMO”. Ridículo. Todo mundo sabe – aliás, já foi até admitido pelos próprios oficiais do hegemon – que a Rússia produz munição em um passo muito superior aquele que poderia consumir mesmo se devesse ampliar o escopo da SMO.
Como escrevi anteriormente, em seu curso de colapso, o Império Ocidental perdeu o controle dos conflitos que fomentou e congelou nos últimos séculos. Assim, a península da Coreia se reunificará sem guerras — sob a mediação da Rússia e da China — em um futuro previsível. Não faria sentido algum, nem econômico, nem militar e muito menos geopolítico, não fazê-lo. Porque primos com uma cultura milenar compartilhada brigariam e se matariam em nome de um império decadente?
Um texto que vai ao encontro do que eu próprio escrevi em comentário à última peça de M. K. Bhadrakumar publicada no site.
Com efeito, as ações paralelas, e coincidentes no tempo, levadas a cabo pela Rússia e pela China junto de interlocutores diferentes, são na verdade complementares, elas têm em vista um objetivo comum e de modo nenhum podem ser consideradas antagónicas. Quanto a isto estamos de acordo.
Acho que tanto a China como a Rússia não querem saber da unificação das duas Coreias. Isso não é problema delas. No entanto, se ambas as Coreias estiverem amarradas, digamos assim, aos mesmos interesses económicos catalisados pelo BRICS, a reunificação será algo natural numa data futura desde que o “Hegemon” saia da equação.
As duas populações da península são na verdade um único povo, com uma longa História comum, que e só estão artificialmente separadas por vontade dos líderes das potências vencedoras da II Guerra Mundial, que decidiram dividir o mundo entre si com base nas suas esferas de influência. Recorde-se a propósito, que toda a Coreia lutou ao lado dos Aliados contra o Japão nessa guerra.
Na verdade só o facto de a parte do Sul ser ainda hoje um Estado ocupado militarmente e governado por fantoches é que impede essa reunião. Não se deve avaliar os povos de cultura oriental usando as degradadas populaças do Ocidente como bitola, como faz o Cláudio.
Já quanto à questão da parte militar, o QB esquece que a Rússia se está a preparar para uma longa guerra com a OTAN, que não se ficará pela Ucrânia, e então, muito embora a sua própria produção seja presentemente superior à do Ocidente Global, isso não significa que possa rejeitar novas fontes de produção. Recorde-se que a Rússia já importa tecnologia e equipamento militar do Irã, da própria RPDC, e possivelmente também da China embora isso não seja assumido.
Recorrendo a alguns excertos de uma das últimas análises (sempre excelentes) de Simplicius (tradução automática):
“O Ocidente aumenta as tensões ao proteger-se sob um representante com capacidade nuclear, o que permitiria travar uma guerra nuclear contra a Rússia com uma espécie de negação plausível ou defesa legal incorporada. Portanto, agora, a Rússia retribuiu na mesma moeda, sugerindo que pode dar à Coreia do Norte tecnologias de mísseis ainda mais letais, que podem ser potencialmente utilizadas em conjunto com ogivas nucleares para colocar os EUA sob a espada nuclear.
Mas a implicação mais significativa – para mim – destes desenvolvimentos é, na verdade, aquela que se aplica muito mais direta e imediatamente às hostilidades no terreno ucranianas em curso. Este estreitamento das relações não só representa o provável aumento de munições convencionais norte-coreanas para o exército russo, como também sugere a possibilidade de fornecimentos muito mais abrangentes no futuro; ou seja, não apenas cartuchos e armas pequenas, mas possivelmente sistemas de armas inteiros como MLRS, armaduras leves e pesadas, etc.
Uma sugestão que circula é o potencial de fornecer ao Exército Russo o devastador sistema MLRS KN-25 de 600 mm da Coreia do Norte, que é basicamente a versão NK de um ATACMS.”
E a conclusão:
“E, por último, isso se encaixa em outra coisa. Os comentadores ocidentais continuam a centrar todas as suas esperanças de vitória futura no facto de o Ocidente estar alegadamente a “aumentar a produção”, o que eles associam desesperadamente à narrativa de que daqui a um ano ou mais as potências industriais combinadas da Europa e dos EUA irão igualar-se. ou ultrapassar a Rússia e será o fim do jogo para Putin.
O problema é que, como mostra o trecho coreano abaixo, a Rússia não está apenas aumentando a produção em linha com o Ocidente, e possivelmente ainda mais rápido, mas os aliados da Rússia têm enormes capacidades de fabricação de munições essenciais que superam tudo o que o Ocidente será capaz de fazer no futuro. próxima década ou mais.
Não só a atual produção da Coreia do Norte em tempos de paz é capaz de produzir massivos 2 milhões de projéteis de 152 mm por ano, como a fonte especializada sul-coreana acredita que eles podem aumentar isso em 2x ou 3x, para impressionantes 4-6m. Para colocar isto em perspetiva, todo o Ocidente combinado não conseguiu entregar sequer 1 milhão de obuses à Ucrânia, e isso depois de tentar desesperadamente obtê-los em todo o mundo. Os EUA acabam de anunciar “orgulhosamente” o seu aumento para 36 mil conchas por mês de produção, uns míseros ~430.000 por ano, com o cronograma previsto para aumentar para 80.000 por mês – ou 960 mil por ano – até o ano de 2028.
Entretanto, não só se diz que a Rússia atingirá 4-5 milhões por ano em breve, como também a Coreia do Norte atinge 2 milhões e pode rapidamente aumentar para 6 milhões. Em suma, a iniciativa defensiva estratégica da Rússia com a Coreia do Norte promete manter o exército russo sedento de artilharia mais do que saciado indefinidamente.
E para aqueles que podem hesitar diante dos números, a Coreia do Sul informou oficialmente na semana passada que agora calcula que a Coreia do Norte já enviou 10.000 contentores de comboio com 5 milhões de bombas para a Rússia:
Seul detetou pelo menos 10 mil contêineres sendo enviados da Coreia do Norte para a Rússia, potencialmente contendo até 4,8 milhões de projéteis de artilharia, disse o ministro da Defesa sul-coreano, Shin Won-sik, à Bloomberg News em entrevista publicada na sexta-feira.
Pode-se ver a morte da narrativa aqui. Diz-se que os EUA e os aliados estão a “avançar” para algum ponto no futuro, onde a Ucrânia poderá receber mais de 2 milhões de projéteis por ano, e isto pretende ser um ponto de viragem para mudar o jogo. No entanto, nessa altura, a Rússia poderia muito provavelmente obter até 10 milhões de projéteis por ano.”
Estamos esclarecidos? As guerras ganham-se na Economia. E quanto mais longas elas são mais isto é verdade.
Compa, podem até se reunir numa única Coreia, mas pra deslavar a lavagem cerebral de ambos os lados vai demorar quantas gerações? Sabemos por experiência própria que gado não se convence por ideais humanitários ou fraternos. A long and winding road…