Fora de contexto: a Mídia dos EUA não consegue entender a ação e diplomacia do Golfo Pérsico

Moon of Alabama – 1º de junho de 2023

Existe uma falta de capacidade ou falta de vontade na mídia e na política ‘ocidentais’ de ver o mundo através dos olhos dos outros. Isso leva à conclusões erradas sobre certas situações e, consequentemente, à políticas equivocadas.

O New York Times de ontem sobre um anúncio recente dos Emirados Árabes Unidos [EAU]:

Enquanto o Irã apreende petroleiros no Golfo, os Emirados Árabes Unidos se retiram da força marítima liderada pelos EUANew York Times – 31 de maio de 2023

Os Emirados Árabes Unidos anunciaram na quarta-feira [31-05-23] que deixaram de participar de uma força de segurança marítima liderada pelos Estados Unidos, o mais recente indício de tensões entre Washington e os principais aliados do Golfo Pérsico, que reclamam que os Estados Unidos não fizeram o suficiente para protegê-los das ameaças iranianas.

A declaração pública incomum veio depois que o Irã apreendeu dois navios-tanque comerciais em hidrovias perto dos Emirados em rápida sucessão nos últimos dois meses. O Ministério das Relações Exteriores dos Emirados disse que o país “retirou sua participação” das Forças Marítimas Combinadas há dois meses “como resultado de nossa avaliação contínua da cooperação de segurança eficaz com todos os parceiros”.

Analistas políticos dizem que a declaração dos Emirados pode ser uma mensagem aos Estados Unidos de que o país está descontente com o nível de proteção americana para seus aliados no Golfo Pérsico contra ameaças do Irã e deve cuidar de seus próprios interesses. Funcionários dos Emirados e da Arábia Saudita expressaram repetidamente frustração com a política dos EUA em relação ao Irã.

As partes acima em itálico marcam as suposições e conclusões erradas que vêm com a incapacidade de ver o mundo através dos olhos dos outros. A ignorância da situação no Golfo expressa através delas é embaraçosa.

A razão dada pelos funcionários dos Emirados Árabes Unidos, em negrito acima, é fácil de entender quando se vê o mundo através de seus olhos.

Qual foi a última medida significativa que as autoridades dos Emirados e da Arábia Saudita tomaram para “expressar frustração com a política dos EUA em relação ao Irã”?

Aqui vai uma dica:

Mediados pela China, Irã e Arábia Saudita restauram laçosMoon of Alabama – 20 de março de 2023

Os sauditas e os Emirados Árabes Unidos, o último dos quais nunca se entusiasmou muito com a luta contra o Irã, fizeram as pazes com ele. Eles querem e precisam de desenvolvimento econômico.

Eles descobriram que as políticas dos EUA estavam levando a lugar nenhum ou à uma guerra total no Golfo, o que provavelmente os prejudicaria mais do que o Irã. Eles, portanto, não querem mais apoiar as medidas dos EUA destinadas a expressar hostilidade ao Irã.

Aqui está direto das páginas do Tehran Times:

Emirados Árabes Unidos determinados a fortalecer as relações com o Irã: ministro afirma – Tehran Times – 31 de maio de 2023

Khalifa Shaheen Al Marar, que é ministro de Estado dos Emirados Árabes Unidos (EAU), fez as declarações durante uma reunião com o ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein Amir Abdollahian, na terça-feira [30-05-23].

O ministro dos Emirados Árabes Unidos enfatizou a determinação de Abu Dhabi em fortalecer as relações com a República Islâmica, disse o Ministério das Relações Exteriores iraniano em um comunicado.
[…]
“Não há limites para a expansão total das relações”, disse o principal diplomata iraniano, de acordo com um comunicado do Ministério das Relações Exteriores iraniano na época.

As duas partes enfatizaram a importância de ampliar a cooperação, inclusive no setor privado.

O ministro das Relações Exteriores dos Emirados Árabes Unidos, Sheikh Abdullah bin Zayed Al Nahyan, por sua vez, destacou os interesses comuns dos dois países no desenvolvimento de relações mútuas em vários campos, enfatizando várias oportunidades de cooperação conjunta.

Sobre as novas condições na região, ele disse que nas últimas semanas a região está testemunhando o fortalecimento da cooperação, incluindo as boas relações entre Teerã e Riad e as novas condições na Síria.

Os dois lados se convidaram mutuamente para visitas a Teerã e Abu Dhabi.

Como os Emirados Árabes Unidos (e os sauditas) têm a intenção de construir melhores relações com o Irã, seria contraproducente para eles participar de qualquer medida de segurança liderada pelos EUA com a intenção de enfrentar o Irã.

A interpretação do New York Times, de que os Emirados Árabes Unidos querem mais pressão dos EUA sobre o Irã, está errada porque não reconhece a seriedade das medidas que os Emirados Árabes Unidos e os sauditas tomaram com o Irã. Ela falha em ver o mundo através de seus olhos.

Sabemos que o Times está errado porque os Emirados Árabes Unidos disseram isso depois que um relatório igualmente errado apareceu no Wall Street Journal.

Emirados Árabes Unidos rejeitam descaracterização das conversas EUA-EAU sobre segurança marítimaGulf Today – 31 de maio de 2023

Os Emirados Árabes Unidos rejeitaram a descaracterização, em recentes reportagens da imprensa, das conversas EUA-EAU sobre segurança marítima.

Em uma declaração hoje, o Ministério das Relações Exteriores (MoFA – Ministry of Foreign Affairs) disse que os Emirados Árabes Unidos estão comprometidos com o diálogo pacífico e o envolvimento diplomático como meio de promover os objetivos compartilhados de segurança e estabilidade regional.

‘Como resultado de nossa avaliação contínua da cooperação de segurança eficaz com todos os parceiros, dois meses atrás, os Emirados Árabes Unidos retiraram sua participação nas Forças Marítimas Combinadas’, acrescentou o comunicado.

O MoFA enfatizou que os Emirados Árabes Unidos continuam comprometidos em garantir com responsabilidade a segurança da navegação em seus mares, de acordo com o Direito Internacional.

A “cooperação de segurança efetiva com todos os parceiros” agora obviamente inclui o Irã. As relações renovadas com o Irã são a razão pela qual os Emirados Árabes Unidos deixaram de participar de medidas anti-iranianas. Acontece, como menciona a declaração dos Emirados Árabes Unidos, dois meses depois que os sauditas e os Emirados Árabes Unidos fizeram as pazes com o Irã.

Mas e os dois petroleiros que o Irã apreendeu?

Bem, é claro que o New York Times está insistindo sobre esses dois, mas se esquece de mencionar um terceiro, apreendido anteriormente, que iniciou todo o confronto e é a razão para apreender os dois posteriores.

EUA confiscam carga de petróleo do Irã em navio-tanque em meio a tensões em TeerãArab News/Reuters – 28 de abril de 2023

Os EUA confiscaram petróleo iraniano em um navio-tanque no mar nos últimos dias em uma operação de aplicação de sanções, disseram três fontes, e dias depois o Irã apreendeu outro navio-tanque carregado de petróleo em retaliação, segundo uma empresa de segurança marítima.

[…]

A empresa de segurança marítima Ambrey disse que o confisco dos EUA ocorreu pelo menos cinco dias antes da ação do Irã na quinta-feira [27-04-23]. “A Ambrey avaliou a apreensão pela Marinha iraniana como uma resposta à ação dos EUA”, disse em um comunicado a seus clientes.

“Ambos os petroleiros eram do tamanho de Suezmax. O Irã já respondeu tit-for-tat [olho por olho – nota da tradutora] após apreensões de carga de petróleo iraniana.”

As fontes familiarizadas com o assunto, que não quiseram ser identificadas devido à sensibilidade do tema, disseram que Washington assumiu o controle da carga de petróleo a bordo do navio-tanque Suez Rajan, das Ilhas Marshall, após obter uma ordem judicial anterior. A última posição relatada do navio-tanque foi perto do sul da África em 22 de abril, mostraram dados de rastreamento de navios.

O navio-tanque de carga de petróleo do Irã que os EUA roubaram em alto mar está atualmente ancorado no Texas. O Irã respondeu apreendendo dois navios-tanque relacionados aos EUA e sua carga no Golfo.

É óbvio que esta foi uma ação olho por olho, já que o Irã já fez isso antes:

No ano passado, os EUA tentaram confiscar uma carga de petróleo iraniano perto da Grécia, o que levou Teerã a apreender dois petroleiros gregos no Golfo. A Suprema Corte da Grécia ordenou que a carga fosse devolvida ao Irã. Os dois petroleiros gregos foram liberados posteriormente.

Então aqui está a história real, aquela na qual os Emirados Árabes Unidos basearam sua decisão:

  1. O Irã e os Emirados Árabes Unidos fizeram as pazes e querem desenvolver isso. Eles querem relações econômicas ganha-ganha entre si.
  2. Os EUA roubam uma carga de petroleiro iraniano.
  3. O Irã reage apreendendo dois navios-tanque relacionados aos EUA.
  4. Os EUA revivem uma força de segurança marítima liderada pelos EUA para pressionar contra a apreensão do navio-tanque do Irã.
  5. Os Emirados Árabes Unidos se recusam a participar da medida anti-iraniana renovada e o dizem publicamente.

Esse é o contexto completo em que os Emirados Árabes Unidos agiram.

O New York Times, entretanto, ignora completamente os dois primeiros assuntos. Nem as relações EAU-Irã nem o navio-tanque que os EUA apreenderam são mencionados em seu artigo. Ele apenas informa a terceira e quarta medida para, então, interpretar mal o número 5, o passo que os Emirados Árabes Unidos deram em consequência de 1 e 2.

A escritora do Times até encontra ‘especialistas’ que são tão arrogantes e ignorantes quanto ela para apoiar suas falsas afirmações.

Pense sobre as más consequências que tais interpretações errôneas podem causar quando os formuladores de políticas dos EUA, que apenas digerem a dieta de notícias do New York Times, agem com base nisso.

A lição é que para entender é preciso ver o mundo pelos olhos dos outros. Que informações eles têm? Em que contexto histórico eles estão vivendo e atuando? Só se pode entender o que eles fazem e por que o fazem quando nos colocamos mentalmente na situação deles.

Fonte: https://www.moonofalabama.org/2023/06/missing-the-context-us-media-fail-to-understand-persian-gulf-action.html


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