15/3/2010, Joe Lauria, especial para Consortium News
“Por muito tempo a ‘Morte Rubra’ devastara o país. Jamais pestilência alguma fora tão mortífera ou tão terrível. (…) Mas o príncipe Próspero sabia-se feliz, intrépido e sagaz. Quando seus domínios começaram a despovoar-se, chamou à sua presença um milheiro de amigos sadios e frívolos, escolhidos entre os fidalgos e damas da corte, e com eles se encerrou numa de suas abadias fortificadas. (…) Uma vez lá dentro, os cortesãos, com auxílio de forjas e pesados martelos, rebitaram os ferrolhos, a fim de cortar todos os meios de ingresso ao desespero dos de fora, e de escape, ao frenesi dos de dentro. A abadia estava amplamente abastecida. Com tais precauções, podiam os cortesãos desafiar o contágio. O mundo externo que se arranjasse. Por enquanto, era loucura pensar nele ou afligir-se por sua causa. O príncipe tomara todas as providências para garantir o divertimento dos hóspedes. Contratara bufões, improvisadores, bailarinos, músicos. Beleza, vinho e segurança estavam dentro da abadia. Além de seus muros, campeava a ‘Morte Rubra’”.
– Edgar Allan Poe, “The Masque of the Red Death” (1842) [Port. Tradução de José Paulo Paes, “A máscara rubra da morte” in A causa secreta: e outros contos de horror (VVAA). São Paulo: Boa Companhia, 2013, transcrito na íntegra em Revista Prosa e Verso].
“É ultrajante que, durante a pior crise da saúde pública em nosso país em décadas, as empresas de seguros-saúde declarem que continuam a se planejar para buscar mais lucros do tratamento de vítimas do coronavírus. É só o mais egrégio exemplo da ganância do sistema privado de saúde e mostra por que precisamos de um Medicare for All, que garanta testagem e tratamento para todos que vivam nos EUA. Se se reduzirem os preços dos testes, mas não do tratamento, pessoas com resultado positivo para coronavírus podem não ter como pagar pelo tratamento e continuarão a contaminar outros.”
– Melinda St. Louis, Diretora de Public Citizen’s Medicare for All Campaign.
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O 1%, incluindo executivos da indústria da saúde com salários de multimilhões de dólares, podem até viver em “suas abadias fortificadas”, afastados do torvelinho do lado de fora, e “o mundo externo que se arranjasse”. Até agora, têm-se safado com um hiper-sistema de mercado e um modelo econômico neoliberal desde o final dos anos 1970s, o sistema que mudou a saúde, da maioria para essa mínima minoria que vive “amplas e extensas estruturas” afastadas da população que desgraçam e fraudam.
Parte dessa transferência de riqueza envolve um sistema ridiculamente caro de seguro-saúde que exclui mais de 80 milhões de norte-americanos. É parte do hiper-individualismo da cultura empresarial norte-americana. Essa mensagem é: vocês estão por sua conta. Até que não estejam mais aí.
Podem fechar seus muros com “portas de ferro” contra a pobreza, pobreza que eles criaram, e fingir que o lado de fora não existe. Mas não podem vedar muros fechados a cadeados contra doença altamente contagiosa. A ostensiva desatenção ao bem-estar da nação agora os ameaça. Os próprios executivos da indústria da saúde estão ameaçados, porque puseram o lucro acima da saúde pública.
‘Não estamos construídos desse modo’
“O sistema realmente não gira na direção de que nós precisamos agora, para fazer o que vocês pedem. Está fracassando. Vamos admitir. Fato é que o modo como o sistema foi construído, o componente de saúde pública de que falava o Dr. Redfield, era sistema no que você põe em público, um médico pede algo e você consegue. A ideia de qualquer um conseguir as coisas facilmente, como estão fazendo em outros países – não estamos construídos desse modo. Se eu acho que deveríamos estar? Acho. Mas não estamos.”
–Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, em depoimento ao Congresso, na 5ª-feira.
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Os EUA são diferentes do resto do mundo industrializado, o qual, desde o fim da 2ª Guerra Mundial, tem mantido algum tipo de seguro-saúde público para todos os cidadãos, independente da capacidade de pagar de cada pessoa. Muitos dos partisans que ajudaram a derrotar os nazistas eram socialistas que exigiram algo em troca, dos respectivos governos, depois da guerra. Muitos soldados britânicos eram eleitores do Partido Labour. Derrubaram o comandante de tempos de guerra Winston Churchill nas eleições de 1945, e o Sistema Público Nacional de Saúde começou a operar em 1948.
Embora Harry Truman mais ou menos na mesma época cogitasse de criar uma medicina socializada nos EUA, e de a Lei Medicare de 1965 ter sido concebida para vir a garantir cobertura a todos os norte-americanos, a ganância das empresas e negócios médicos e ‘de saúde’ sempre derrotou todas as oposições e resistências. Por isso há milhões de norte-americanos que podem ter sido infectados, mas não têm qualquer meio para ser testados e tratados. E isso ameaça até os que vivem nas mais altas torres, que ainda “desafiam o contágio”.
“Só então se reconheceu a presença da Morte Rubra. Viera como um ladrão na noite. E, um a um, caíram os foliões nos ensanguentados salões da orgia, e morreram, conservando a mesma desesperada postura da queda. E a vida do relógio de ébano extinguiu-se simultaneamente com a do último dos foliões. E as chamas dos trípodes apagaram-se. E a Escuridão, a Ruína e a Morte Rubra estenderam seu domínio ilimitado sobre tudo.”
Edgar Allan Poe, Op. Cit. Loc.Cit (na íntegra em Revista Prosa e Verso).
Só o socialismo salva
Quando o sistema econômico dos oligarcas espatifou-se em 2008 por superespeculação, o governo dos EUA fez o inimaginável. Estatizou indústrias, para as salvar. Usou o socialismo, para resgatar o capitalismo. Mas foi arranjo temporário. Tão logo a economia recuperou-se suficientemente, os EUA voltaram ao seu fundamentalismo de mercado.
Se a crise do coronavírus aproximar-se dos números apontados em estudos recentes – coisa como 240 milhões de norte-americanos infectados e um milhão de mortos – preparem-se para ver algum sistema de seguro-saúde de pagador único deslizar rapidamente pelo Congresso e virar lei.
Mas tão logo o vírus seja contido, preparem-se para ver as mensalidades subir novamente a níveis impagáveis para as maiorias. Exatamente como aconteceu com as estatizações na crise financeira de 2008, os oligarcas encenarão algum arremedo de seguro-saúde, para salvá-los, só os oligarcas, na luta contra a Morte Rubra.*******
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