A iminente guerra contra a China

Michael Hudson – 22 de julho de 2023

A lógica econômica foi substituída por preferências de segurança nacional

A cúpula da OTAN de julho em Vilnius passou a sensação de um funeral, como se tivessem acabado de perder um membro da família – a Ucrânia. Para eliminar o fracasso da OTAN em expulsar a Rússia da Ucrânia e mover a OTAN até a fronteira russa, seus membros tentaram reviver seus ânimos mobilizando apoio para a próxima grande luta – contra a China, que agora é designada como seu inimigo estratégico final. Para se preparar para este confronto, a OTAN anunciou o compromisso de estender sua presença militar até o Pacífico.

O plano é eliminar os aliados militares e parceiros comerciais da China, sobretudo a Rússia, começando pela luta na Ucrânia. O presidente Biden disse que esta guerra terá alcance global e levará muitas décadas à medida que se expande para, por fim, isolar e dividir a China.

As sanções impostas pelos EUA contra o comércio com a Rússia são um ensaio geral para a imposição de sanções semelhantes contra a China. Mas apenas os aliados da OTAN se juntaram à luta. E em vez de destruir a economia da Rússia e “reduzir o rublo a escombros” como previu o presidente Biden, as sanções da OTAN a tornaram mais autossuficiente, aumentando sua balança de pagamentos e reservas monetárias internacionais e, portanto, a taxa de câmbio do rublo.

Para resumir, apesar do fracasso das sanções comerciais e financeiras em prejudicar a Rússia e, de fato, apesar dos fracassos da OTAN no Afeganistão e na Líbia, os países da OTAN se comprometeram a tentar as mesmas táticas contra a China. A economia mundial será dividida entre EUA/NATO/Cinco Olhos de um lado, e o resto do mundo – a Maioria Global – de outro. O comissário da UE, Joseph Borrell, chama isso de divisão entre o Jardim dos EUA/Europa (o Bilhão de Ouro) e a Selva que ameaça engolfá-lo, como uma invasão de seus gramados bem cuidados por uma espécie invasora.

Do ponto de vista econômico, o comportamento da OTAN desde sua acumulação militar para atacar os estados orientais de língua russa da Ucrânia em fevereiro de 2022 foi um fracasso drástico. O plano dos EUA era sangrar a Rússia e deixá-la tão desamparada economicamente que sua população se revoltaria, derrubaria Vladimir Putin do cargo e restauraria um líder neoliberal pró-Ocidente que afastaria a Rússia de sua aliança com a China – e então prosseguiria com o grande plano dos Estados Unidos de mobilizar a Europa para impor sanções à China.

O que torna tão difícil avaliar para onde a OTAN, a Europa e os Estados Unidos estão indo é que a suposição tradicional de que nações e classes agirão em seu próprio interesse econômico não ajuda. A lógica tradicional da análise geopolítica é assumir que os interesses comerciais e financeiros orientam a política de quase todas as nações. A suposição auxiliar é que os governantes têm uma compreensão bastante realista da dinâmica econômica e política em ação. Prever o futuro é, portanto, geralmente um exercício de explicitação dessas dinâmicas.

O Ocidente dos EUA/NATO liderou essa fratura global, mas será o grande perdedor. Os membros da OTAN já viram a Ucrânia esgotar seu estoque de artilharia e munições, tanques, helicópteros e outras armas acumuladas ao longo de cinco décadas. Mas a perda da Europa tornou-se uma oportunidade de vendas para os Estados Unidos, criando um novo e vasto mercado para o complexo militar-industrial dos Estados Unidos reabastecer a Europa. Para obter apoio, os Estados Unidos patrocinaram uma nova maneira de pensar sobre comércio e investimento internacionais. O foco mudou para “segurança nacional”, o que significa garantir uma ordem unipolar centrada nos EUA.

O mundo está se dividindo em dois blocos: um EUA/OTAN pós-industrial versus a maioria global

Os diplomatas americanos ficaram cada vez mais preocupados quando a Alemanha e outros países europeus passaram a contar com gás, petróleo e fertilizantes importados da Rússia como base para suas indústrias de aço, fabricação de vidro e outras. Eles ficaram ainda mais preocupados porque a China havia se tornado a “oficina do mundo” enquanto a economia dos EUA se desindustrializava. O medo era que o crescimento da China e de seus países vizinhos da Eurásia, beneficiados pela expansão do Cinturão e Rota, ameaçasse tornar aquela parte do mundo a principal área de crescimento e, portanto, um ímã para o investimento europeu. A perspectiva lógica era que a política seguiria o interesse econômico em detrimento da capacidade dos Estados Unidos de manter uma economia mundial unipolar com o dólar em seu centro financeiro e o comércio sujeito ao unilateralismo protecionista dos EUA.

Ao se juntar à cruzada dos Estados Unidos para destruir a economia russa e promover a mudança de regime, a recusa da Alemanha e de outros países europeus em negociar com a Rússia destruiu a base energética básica de sua indústria. A destruição do oleoduto Nord Stream mergulhou a economia alemã e outras economias europeias em uma depressão envolvendo falências generalizadas e desemprego. No lugar do gás russo, os países da OTAN devem agora pagar um preço até seis vezes mais alto pelo gás natural liquefeito (GNL) dos EUA e devem construir novas instalações portuárias para importar fisicamente esse gás.

Os líderes europeus patrocinados e financiados pela intromissão eleitoral dos EUA nos últimos setenta anos fizeram o que Boris Yeltsin fez na Rússia nos anos 1990: eles concordaram em sacrificar as economias industriais da Europa e acabar com o que havia sido sua lucrativa integração comercial e de investimentos com a Rússia e a China.

O próximo passo é que a Europa e os Estados Unidos deixem de negociar e investir com a China, apesar de esses países da OTAN terem se beneficiado do florescimento desse comércio, contando com ele para uma ampla gama de bens de consumo e insumos industriais. Essa linha de comércio próspero está agora para ser encerrada. Os líderes da OTAN anunciaram que ao importar gás russo e outras matérias-primas (incluindo hélio e muitos metais) correm o “risco” de se tornarem dependentes – como se a Rússia ou a China achassem que é de seu interesse econômico ou político abortar esse comércio simplesmente para prejudicar a Europa e fazer com ela o que os Estados Unidos têm feito para forçá-la à submissão.

Mas submissão a quê? A resposta é, submissão à lógica de ganhos mútuos ao longo de linhas deixando a economia dos EUA para trás!

Ao tentar impedir que outros países sigam essa lógica, a diplomacia americana e europeia da OTAN trouxe exatamente o que os supremacistas americanos mais temiam. Em vez de paralisar a economia russa para criar uma crise política e talvez a dissolução da própria Rússia para isolá-la da China, as sanções dos EUA/OTAN levaram a Rússia a reorientar seu comércio para longe dos países da OTAN para integrar sua economia e diplomacia mais estreitamente com a China e outros membros do BRICS.

Ironicamente, a política dos EUA/OTAN está forçando a Rússia, a China e seus aliados do BRICS a seguirem seu próprio caminho, começando com uma Eurásia unida. Este novo núcleo de China, Rússia e Eurásia com o Sul Global está criando uma esfera de comércio e investimento multipolar mutuamente benéfica.

Em contrapartida, a indústria europeia foi devastada. Suas economias tornaram-se completa e abjetamente dependentes dos Estados Unidos – a um custo muito maior para si do que no caso de seus antigos parceiros comerciais. Os exportadores europeus perderam o mercado russo e agora estão seguindo as exigências dos EUA para que abandonem e de fato rejeitem o mercado chinês. Também serão rejeitados no devido tempo os mercados dos membros do BRICS, que estão se expandindo para incluir países do Oriente Médio, África e América Latina.

Em vez de isolar a Rússia e a China e torná-los dependentes do controle econômico dos EUA, a diplomacia unipolar dos EUA isolou a si mesma, e a seus satélites da OTAN, do resto do mundo – a Maioria Global que está crescendo enquanto as economias da OTAN avançam rapidamente em seu caminho para a desindustrialização. O notável é que, embora a OTAN alerte para o “risco” do comércio com a Rússia e a China, ela não vê como um risco a perda da viabilidade industrial e da soberania econômica para os Estados Unidos.

Não é isso que a “interpretação econômica da história” teria previsto. Espera-se que os governos apoiem os principais interesses comerciais de sua economia. Assim, somos levados de volta à questão de saber se os fatores econômicos determinarão a forma do comércio, investimento e diplomacia mundiais. É realmente possível criar um conjunto de economias pós-econômicas da OTAN cujos membros se parecerão muito com os estados bálticos e a Ucrânia pós-soviética, com rápido despovoamento e desindustrialização?

Isso seria realmente um estranho tipo de “segurança nacional”. Em termos econômicos, parece que a estratégia americana e europeia de auto-isolamento do resto do mundo é um erro tão grande e profundo que seus efeitos são equivalentes a uma guerra mundial.

A luta de hoje contra a Rússia na frente ucraniana pode ser considerada como a campanha de abertura da Terceira Guerra Mundial. De muitas maneiras, é uma conseqüência da Segunda Guerra Mundial e seus desdobramentos, que viram os Estados Unidos estabelecerem organizações econômicas e políticas internacionais para operar em seu próprio interesse nacional. O Fundo Monetário Internacional impõe o controle financeiro dos EUA e ajuda a dolarizar a economia mundial.

O Banco Mundial empresta dólares aos governos para construir infra-estrutura de exportação para subsidiar os investidores dos EUA/NATO no controle do petróleo, mineração e recursos naturais, e para promover a dependência comercial das exportações agrícolas dos EUA enquanto promove a agricultura de plantação, em vez da produção doméstica de grãos alimentícios. Os Estados Unidos insistem em ter poder de veto em todas as organizações internacionais às quais se filiam, incluindo as Nações Unidas e suas agências.

A criação da OTAN é muitas vezes mal compreendida. Ostensivamente, ela se apresentava como uma aliança militar, originalmente para se defender contra o pensamento de que a União Soviética poderia ter algum motivo para conquistar a Europa Ocidental. Mas o papel mais importante da OTAN foi usar a “segurança nacional” como desculpa para anular a política interna e externa europeia e subordiná-la ao controle dos EUA. A dependência da OTAN foi escrita na constituição da União Européia. Seu objetivo era garantir que os líderes partidários europeus seguissem a direção dos EUA e se opusessem à política de esquerda ou antiamericana, políticas pró-trabalhistas e governos fortes o suficiente para impedir o controle de uma oligarquia financeira cliente dos EUA.

O programa econômico da OTAN tem sido de adesão à financeirização neoliberal, privatização, desregulamentação governamental e imposição de austeridade ao trabalho. Os regulamentos da UE impedem que os governos tenham um déficit orçamentario superior a 3% do PIB. Isso bloqueia políticas de tipo keynesiano para estimular a recuperação. Hoje, os custos elevados das armas militares e os subsídios governamentais aos preços da energia estão forçando os governos europeus a cortar gastos sociais. A política bancária, a política comercial e a legislação doméstica estão seguindo o mesmo modelo neoliberal dos EUA que desindustrializou a economia americana e a carregou de dívidas com o setor financeiro em cujas mãos está concentrada a maior parte da riqueza e da renda.

Abandonar o auto-interesse econômico pela dependência de “segurança nacional” dos EUA

O mundo pós-Vilnius trata o comércio e as relações internacionais não como econômicas, mas como “segurança nacional”. Qualquer forma de comércio torna-se o “risco” de ser cortado e desestabilizado. O objetivo não é obter ganhos comerciais e de investimento, mas tornar-se autossuficiente e independente. Para o Ocidente, isso significa isolar a China, a Rússia e os BRICS para depender totalmente dos Estados Unidos. Assim, para os Estados Unidos, sua própria segurança significa tornar outros países dependentes dele, para que os diplomatas americanos não percam o controle de sua diplomacia militar e política.

Tratar o comércio e o investimento com outros países que não os Estados Unidos como envolvendo “risco”, ipso facto, é uma projeção de como a diplomacia dos EUA impôs sanções a países que resistem à dominação, privatização e subordinação de suas economias aos EUA. O medo de que o comércio com a Rússia e a China leve à dependência política é uma fantasia. O objetivo da aliança emergente da Eurásia, BRICS e Sul Global é se beneficiar do comércio exterior uns com os outros para ganho mútuo, com governos fortes o suficiente para tratar dinheiro e bancos como serviços públicos, juntamente com os monopólios básicos necessários para fornecer direitos humanos normais, incluindo saúde e educação, e manter monopólios como transporte e comunicação em domínio público para manter os custos de vida e de fazer negócios baixos, em vez de cobrar preços de monopólio.

O ódio anti-China veio especialmente de Annalena Baerbock, ministra das Relações Exteriores da Alemanha. A OTAN é avisada para “reduzir o risco” do comércio com a China. Os “riscos” são que (1) a China pode cortar as principais exportações, assim como os EUA cortaram o acesso europeu às exportações de petróleo da Rússia; e (2) as exportações poderiam ser usadas para apoiar o poderio militar da China. Quase qualquer exportação econômica PODERIA ser militar, até mesmo alimentos para alimentar um exército chinês.

A viagem da secretária do Tesouro Janet Yellen à China também explicou que todo o comércio tem um potencial militar e, portanto, um elemento de segurança nacional. Todo o comércio tem um potencial militar, mesmo a venda de alimentos para a China poderia ser usada para alimentar os soldados.

A exigência dos EUA/NATO é que a Alemanha e outros países europeus imponham uma Cortina de Ferro contra o comércio com a China, a Rússia e seus aliados, a fim de “reduzir o risco” do comércio. No entanto, apenas os EUA impuseram sanções comerciais a outros países, não a China e outros países do Sul Global. O risco real não é que a China imponha sanções comerciais para prejudicar as economias europeias, mas que os Estados Unidos imponham sanções aos países que violarem o boicote comercial patrocinado pelos EUA.

Essa visão de “comércio é risco” trata o comércio exterior não em termos econômicos, mas em termos de “Segurança Nacional”. Na prática, “segurança nacional” significa aderir à tentativa dos Estados Unidos de manter seu controle unipolar de toda a economia mundial. Nenhum risco é reconhecido por reorientar o comércio europeu de gás e energia para empresas americanas. Diz-se que o risco é o comércio com países que os diplomatas dos EUA consideram “autocracias”, ou seja, nações com investimento e regulamentação ativa em infraestrutura governamental, em vez do neoliberalismo ao estilo dos EUA.

O mundo está se dividindo em dois blocos – com filosofias econômicas bem diferentes. Apenas os Estados Unidos impuseram sanções comerciais a outros países. E apenas os Estados Unidos rejeitaram as regras internacionais de livre comércio como ameaças à segurança nacional ao controle econômico e militar dos EUA. À primeira vista, a fratura global resultante entre EUA/OTAN, por um lado, e a expansão da aliança BRICS da Rússia, China, Irã e o Sul Global pode parecer um conflito entre capitalismo e socialismo (isto é, socialismo de estado em uma economia mista com regulamentação pública nos interesses do trabalho).

Mas esse contraste entre capitalismo e socialismo não ajuda em um exame mais detalhado. O problema reside no que a palavra “capitalismo” passou a significar no mundo de hoje. No século 19 e início do século 20, esperava-se que o capitalismo industrial evoluísse para o socialismo. Os Estados Unidos e outras economias industrializadas acolheram e de fato pressionaram seus governos a subsidiar uma ampla gama de serviços básicos às custas públicas, em vez de obrigar os empregadores a arcar com os custos de contratação de mão de obra que precisava pagar por necessidades básicas, como saúde e educação. Os preços de monopólio foram evitados mantendo os monopólios naturais, como ferrovias e outros meios de transporte, sistemas telefônicos e outras comunicações, parques e outros serviços como serviços públicos.

A China seguiu essa abordagem básica do capitalismo industrial, com políticas socialistas para aumentar sua força de trabalho, não apenas a riqueza dos capitalistas industriais – muito menos banqueiros, proprietários ausentes e monopolistas. Mais importante, industrializou o sistema bancário, criando crédito para financiar investimentos tangíveis em meios de produção, não o tipo de crédito predatório e improdutivo caracterizado pelo capitalismo financeiro de hoje.

Mas a política de economia mista do capitalismo industrial não é a forma como o capitalismo evoluiu no Ocidente desde a Primeira Guerra Mundial.

Rejeitando a economia política clássica e seu impulso para os mercados livres das classes detentoras de renda herdadas do feudalismo – uma classe hereditária de latifundiários, uma classe de banqueiros financeiros e monopolistas – o setor rentista lutou para reafirmar sua privatização do aluguel da terra, juros e ganhos de monopólio. Procurou reverter a tributação progressiva e, de fato, conceder favoritismo tributário à riqueza financeira, aos proprietários de terras e aos monopolistas.

O setor de Finanças, Seguros e Imóveis (FIRE) tornou-se o interesse dominante e o planejador econômico sob o capitalismo financeiro de hoje. É por isso que as economias costumam ser chamadas de neofeudais (ou eufemizadas como neoliberais).

Ao longo da história, a dinâmica da financeirização polarizou riqueza e renda entre credores e devedores, levando às oligarquias. À medida que a dívida com juros cresce exponencialmente, mais e mais rendimentos do trabalho e dos negócios devem ser pagos como serviço da dívida. Essa dinâmica financeira encolhe o mercado doméstico de bens e serviços, e a economia sofre com o aprofundamento da austeridade assolada pela dívida.

O resultado é a desindustrialização à medida que as economias se polarizam entre credores e devedores. Isso ocorreu mais notoriamente na Grã-Bretanha na esteira de Margaret Thatcher e do Novo Partido [Anti-]Trabalhista de Tony Blair e da abordagem desreguladora de “toque leve” de Gordon Brown para manipulação financeira e fraude total. Os Estados Unidos sofreram uma mudança igualmente devastadora de riqueza e renda para os setores de Finanças, Seguros e Imóveis (FIRE) após os cortes de impostos de Ronald Reagan para os ricos, a desregulamentação antigovernamental e a aquisição da “Terceira Via” de Bill Clinton por Wall Street. A “Terceira Via” não era nem o capitalismo industrial nem o socialismo, mas o capitalismo financeiro obtendo seus ganhos tanto despojando quanto endividando a indústria e o trabalho de renda.

A nova ideologia do Partido Democrata de finanças desregulamentadas foi coroada pelo enorme colapso da fraude bancária em 2008 e pela proteção de Barack Obama aos credores de hipotecas-lixo e as execuções hipotecárias em massa de suas vítimas financeiras. O planejamento e a política econômica foram transferidos dos governos para Wall Street e outros centros financeiros – que assumiram o controle do governo, do banco central e das agências reguladoras.

Diplomatas americanos e britânicos estão tentando promover essa filosofia econômica pró-financeira predatória e inerentemente anti-industrial para o resto do mundo. Mas esse evangelismo ideológico é ameaçado pelo contraste óbvio entre as economias falidas e desindustrializadas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha em comparação com o notável crescimento econômico da China sob o socialismo industrial.

Este contraste entre o sucesso econômico da China e o “jardim” de austeridade endividado da OTAN Ocidental é a essência da campanha atual do Ocidente contra os países da “Selva” que buscam independência política da diplomacia dos EUA para elevar seus padrões de vida. Essa guerra global ideológica e inerentemente política é a contrapartida atual das guerras religiosas que separaram os países europeus por muitos séculos.

Estamos testemunhando o que parece ser um declínio inexorável do Ocidente. Os diplomatas dos EUA conseguiram fortalecer sua liderança de controle econômico, político e militar sobre seus aliados europeus da OTAN. Seu fácil sucesso nesse objetivo os levou a imaginar que de alguma forma eles podem conquistar o resto do mundo, apesar de desindustrializar e sobrecarregar suas economias com dívidas tão profundas que não há maneira previsível de pagar sua dívida oficial com países estrangeiros ou mesmo ter muito a oferecer.

O imperialismo tradicional de conquista militar e conquista financeira acabou

Havia uma série de táticas para uma nação líder conquistar um império. A forma mais antiga é pela conquista militar. Mas você não pode ocupar e dominar um país sem um exército, e os EUA não têm um exército grande o suficiente. A Guerra do Vietnã exauriu o recrutamento. Portanto, tem que contar com exércitos estrangeiros como Al Qaeda, ISIS e, mais recentemente, Ucrânia e Polônia, assim como depender de manufaturas industriais estrangeiras. Seus armamentos estão esgotados e não pode mobilizar um exército doméstico para ocupar nenhum país. Os EUA têm apenas uma arma: mísseis e bombas podem destruir, mas não ocupar e dominar um país.

A segunda maneira de criar o poder imperial era pelo poder econômico de tornar outros países dependentes das exportações dos EUA. Após a Segunda Guerra Mundial, o resto do mundo foi devastado e forçado a aceitar as manobras diplomáticas dos EUA para dar à sua economia o monopólio das necessidades básicas. A agricultura tornou-se uma arma importante para criar dependência estrangeira. O Banco Mundial não apoiaria os países estrangeiros que cultivassem seus próprios alimentos, mas pressionou por colheitas de plantações de exportação e lutou contra a reforma agrária. E para o comércio de petróleo e energia, as empresas dos EUA e seus aliados da OTAN na Grã-Bretanha e Holanda (British Petroleum e Shell) controlavam o comércio mundial de petróleo.

O controle do comércio mundial de petróleo tem sido um objetivo central da diplomacia comercial dos EUA.

Essa estratégia funcionou para a afirmação do controle dos EUA sobre a Alemanha e outros países da OTAN, explodindo o oleoduto Nord Stream e cortando o acesso da Europa Ocidental ao gás, petróleo, fertilizantes e também colheitas russos. A Europa agora entrou em uma depressão industrial e austeridade econômica à medida que sua indústria siderúrgica e outros setores importantes são convidados a emigrar para os Estados Unidos, juntamente com a mão de obra qualificada europeia.

Hoje, a tecnologia eletrônica e os chips de computador têm sido um ponto focal do estabelecimento da dependência econômica global da tecnologia dos EUA. Os Estados Unidos pretendem monopolizar a “propriedade intelectual” e extrair renda econômica da cobrança de preços altos para chips de computador de alta tecnologia, comunicações e produção de armas.

Mas os Estados Unidos se desindustrializaram e se deixaram depender da Ásia e de outros países para seus produtos, em vez de torná-los dependentes dos EUA. Essa dependência comercial é o que faz com que os diplomatas americanos se sintam “inseguros”, temendo que outros países possam tentar usar a mesma diplomacia comercial e financeira coercitiva que os Estados Unidos têm exercido desde 1944-45.

Os Estados Unidos ficaram com uma tática restante para controlar outros países: sanções comerciais, impostas por eles e seus satélites da OTAN em uma tentativa de perturbar as economias que não aceitam o domínio econômico, político e militar unipolar dos EUA. Ele persuadiu a Holanda a bloquear máquinas sofisticadas de gravação de chips para a China e outros países a bloquear qualquer coisa que pudesse contribuir para o desenvolvimento econômico da China. Um novo protecionismo industrial americano está sendo enquadrado em termos de segurança nacional.

Se a política comercial da China espelhasse a da diplomacia dos EUA, ela pararia de fornecer aos países da OTAN as exportações de minerais e metais necessários para produzir os chips de computador e insumos subsidiários que a economia americana precisa para exercer sua diplomacia global.

Os EUA estão tão sobrecarregados de dívidas, seus preços de habitação são tão altos e seus cuidados médicos são tão altos (18% do PIB) que não podem competir. Não pode se reindustrializar sem tomar medidas radicais para amortizar dívidas, desprivatizar a saúde e a educação, quebrar monopólios e restaurar a tributação progressiva. Os interesses financeiros, de seguros e imobiliários (sector FIRE) investidos são demasiado poderosos para permitir estas reformas. Isso torna a economia dos EUA uma economia falida e a América um Estado falido.

Na esteira da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos acumularam 75% do ouro monetário do mundo em 1950. Isso permitiu impor a dolarização ao mundo. Mas hoje, ninguém sabe se o Tesouro dos EUA e o Federal Reserve de Nova York têm ouro que não tenha sido prometido a compradores e especuladores privados. A preocupação é que tenha vendido as reservas de ouro do banco central europeu. A Alemanha pediu que suas reservas de ouro fossem devolvidas de Nova York, mas os Estados Unidos disseram que não estavam disponíveis, e a Alemanha foi tímida demais para tornar públicas suas preocupações e reclamações.

O dilema financeiro dos Estados Unidos é ainda pior quando se tenta imaginar como o país poderá pagar sua dívida externa de países que buscam sacar seus dólares. Os Estados Unidos só podem imprimir sua própria moeda. Não está disposto a vender seus ativos domésticos, como exige que outros países devedores o façam?

O que outros países podem aceitar no lugar do ouro? Uma forma de ativos que podem ser tomados como garantia são os investimentos dos EUA na Europa e em outros países. Mas se governos estrangeiros tentarem fazer isso, as autoridades americanas podem retaliar confiscando seus investimentos nos Estados Unidos. Ocorreria um agarramento mútuo.

Os Estados Unidos estão tentando monopolizar a tecnologia eletrônica. O problema é que isso requer insumos de matérias-primas cuja produção atualmente é dominada pela China, sobretudo metais de terras raras (que são abundantes, mas ambientalmente destrutivos para refinar), gálio, níquel (a China domina o refino), hélio russo e outros gases usados ​​para gravar chips de computador. A China anunciou recentemente que em 1º de agosto começará a restringir essas exportações importantes. Ela realmente tem a capacidade de cortar o fornecimento de materiais e tecnologia vitais para o Ocidente, para se proteger das sanções de “segurança nacional” do Ocidente contra a China. Essa é a profecia autorrealizável que os alertas dos EUA sobre uma luta comercial criaram.

Se a diplomacia dos EUA fortalecer seus aliados da OTAN para boicotar a tecnologia Huawei da China, a Europa ficará com uma alternativa menos eficiente e mais cara – cujas consequências ajudam a separá-la da China, dos BRICS e do que se tornou a Maioria Mundial em um alinhamento autossuficiente muito mais amplo do que o criado por Sukarno em 1954.


Fontes:

https://michael-hudson.com/2023/07/the-looming-war-against-china/

https://globalsouth.co/2023/07/23/michael-hudson-the-looming-war-against-china/

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