A guerra oculta: potências se chocam por corredores comerciais globais

Suleyman Karan (The Cradle) – 22 de maio de 2025

Da Ásia Ocidental ao Ártico, uma batalha implacável por corredores econômicos redesenha fronteiras, reacendendo conflitos e forjando alianças estranhas – tudo em busca do controle das artérias comerciais do mundo.

Linhas de energia, rotas comerciais, cadeias de suprimentos, tarifas, redes financeiras, ferrovias, rotas de navegação e até pactos espaciais – essas são as novas linhas de frente do poder global. As regras da ordem internacional estão sendo rompidas. O que vem a seguir é uma disputa crua e desregulada pela supremacia.

As guerras na Ucrânia e em Gaza, as tensões em Taiwan, Chipre, Groenlândia e no Canal do Panamá – todas são sintomas dessa guerra maior por rotas e corredores comerciais. Cada uma representa uma tentativa de dominar o fluxo de energia, bens e capital.

A Ásia Ocidental, como sempre, é o marco zero. Não é por acaso que o presidente dos EUA, Donald Trump, em sua primeira visita estrangeira no cargo, foi ao Golfo Pérsico. Essa viagem em 2025 rendeu US$ 3,2 trilhões em negócios e revelou a resposta de Washington à Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) da China: o Corredor Econômico Índia-Oriente Médio-Europa (IMEC), que busca conectar a Índia, através do Golfo Pérsico, a Israel e, posteriormente, à Europa.

Cinturão e Rota versus a fantasia de retorno americana

Washington sabe que não pode retomar o domínio apenas por meio de tarifas. É por isso que duas outras disputas cruciais estão em andamento: uma sobre novos corredores comerciais e outra sobre rotas marítimas.

As tensões entre a Índia e o Paquistão, que vêm afetando o mundo nas últimas semanas, têm suas raízes em uma grande disputa entre as duas rotas comerciais, o IMEC e a BRI. A região-chave para a IMEC é a Ásia Ocidental, e para o Projeto Cinturão e Rota, a Ásia Central e a Ásia Ocidental.

O IMEC é uma construção que visa inteiramente contornando a BRI da China e reafirmando a influência dos EUA na Ásia Ocidental e Central. Mas a luta de corredor expôs a fragmentação do poder global.

A Índia, maior rival regional da China, projetada para ser a segunda maior economia do mundo até 2050, é a principal parceira de Washington no IMEC. No entanto, sua aliança aberta com Israel e sua postura hostil em relação ao Paquistão colocam todo o plano em risco. Poucas nações de maioria muçulmana estão ansiosas para se alinhar publicamente com Tel Aviv. Se a Índia provoca um conflito mais profundo com o Paquistão, país que possui armas nucleares, o IMEC entra em colapso.

Um mapa mostrando as rotas comerciais tradicionais da Ásia para a Europa.

Entretanto, o Paquistão, dilacerado por crises, mas geoestrategicamente vital, é a pedra angular da BRI da China. Ela conecta o Leste Asiático com a Europa. Sem ela, a BRI não pode funcionar. O avanço da Índia no IMEC, portanto, enfrenta um muro geopolítico.

A rota proposta pelo IMEC – via Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Israel, Chipre e Grécia – exclui deliberadamente o Irã e a Turquia, as duas potências não árabes da Ásia Ocidental. E as ambições de Washington para Gaza vão muito além do atual cerco israelense.

A fantasia de Trump de transformar Gaza na “Riviera do Oriente Médio” tinha como objetivo transformar a Faixa de Gaza em um centro de reexportação alinhado aos EUA. A guerra de Gaza, sob essa perspectiva, tem tanto a ver com a política de corredor quanto com o Eixo da Resistência.

A transferência de mercadorias indianas de Gaza para Larnaca, dando continuidade ao comércio de mercadorias com a Europa pela rota marítima, não é uma opção muito viável, mas também é uma escolha política para o Ocidente. Consequentemente, o que acontece em Chipre torna-se crucial. A possibilidade de Chipre se tornar o “novo Líbano” está se fortalecendo.

Um mapa da rota do Corredor Econômico Índia-Oriente Médio-Europa (IMEC).

Verificação da realidade: os números não mentem

No papel, o IMEC pode impressionar. Mas os dados reais do comércio contam outra história. De acordo com dados do Ministério da Administração Aduaneira e Comércio da China e do Observatório Francês das Novas Rotas da Seda (OFNRS), o comércio da China com os países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) cresceu significativamente desde 2016.

A Arábia Saudita lidera com US$ 125 bilhões, seguida pelos Emirados Árabes Unidos com US$ 95,2 bilhões. Não se trata apenas de exportações de energia – zonas industriais conjuntas, infraestrutura portuária e coinvestimentos são importantes, aprofundando as posições chinesas.

Energia e produtos petroquímicos representam uma grande parcela dessas exportações, variando de 40% a 75%, dependendo do país do Golfo Pérsico. As joint ventures da China com a Saudi Aramco e a Companhia Nacional de Petróleo de Abu Dhabi (ADNOC) estão remodelando a infraestrutura energética da região. Não se trata de parcerias especulativas – elas representam infraestrutura incorporada e alinhamento de longo prazo.

Compare isso com o volume de comércio entre dois atores-chave do IMEC, Índia e Israel: em janeiro de 2025, o volume bilateral era de apenas US$ 359 milhões. Pior ainda, o comércio bilateral vem caindo 8,41% nos últimos cinco anos. Isso expõe a fina camada de influência do IMEC.

Embora esses baixos volumes de comércio por si só não sejam suficientes para determinar o potencial de novos projetos de corredores, eles são indicadores significativos em termos de determinar a preferência dos países de trânsito quando os corredores comerciais estão sendo implementados.

O cientista político Dr. Mehmet Perincek disse ao The Cradle que, “O IMEC é apenas uma vitrine política… sem capacidade de criar uma verdadeira transformação de infraestrutura.”

Ele relembra o extinto projeto “Reconstruir um Mundo Melhor” (B3W – Built Back a Better World – nota da tradutora) do G7, arruinado por conflitos internos e déficits financeiros no Ocidente. O IMEC enfrenta o mesmo destino, argumenta ele:

Isso se deve não apenas à falta de infraestrutura física, mas também à falta de coesão política e financeira. O que Angela Merkel apontou sobre o projeto B3W, “não há recursos financeiros suficientes para realizar este projeto”, demonstra claramente a fragilidade de tais projetos alternativos liderados pelo Ocidente. O IMEC enfrenta um destino semelhante. O recente aumento das relações estratégicas da Arábia Saudita com a China, a atratividade dos Emirados Árabes Unidos para investimentos chineses no âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota e sua adesão ao BRICS indicam que esses países priorizam destinos centrados na “BRI” mais do que o IMEC. Portanto, fica claro que o IMEC é apenas uma vitrine política, sem a capacidade de gerar uma transformação real da infraestrutura.

Enquanto isso, a BRI da China avança. Da zona econômica de Jazan ao Porto de Khalifa, o capital chinês está se consolidando em polos estratégicos da Ásia Ocidental. Não se trata de promessas – são investimentos concretos.

Mas será que a BRI e a IMEC podem ser projetos complementares, como sugerem alguns especialistas? Sibel Karabel, diretora do Centro Ásia-Pacífico e professora da Universidade Gedik, dá um exemplo do Porto de Pireu:

A Grécia fará parte do IMEC, mas a China fez investimentos significativos no Porto de Pireu desde 2008. Ele estará operacional em 2026. Muitos chineses trabalham na região. A China também está construindo integração cultural onde quer que opere. Pode haver esse entrelaçamento.

De acordo com relatos recentes da mídia grega, os portos de Tessalônica, Pireu e Alexandroupoli estão entre os alvos prioritários dos EUA.

Karabel também observa que as finanças desempenharão um papel importante na determinação do sucesso dos corredores comerciais concorrentes, com a BRI apresentando algumas vantagens importantes:

“A China tem uma fonte de financiamento muito importante e é administrada a partir de um único centro. Existem fontes de financiamento como o Novo Banco de Desenvolvimento e o Fundo da Rota da Seda. As fontes de financiamento do IMEC não estão totalmente esclarecidas e não serão administradas a partir de um único centro. Os países da UE afirmam que fornecerão financiamento, mas isso não está claro. Os investimentos a serem feitos pela Índia e pela Arábia Saudita também não estão totalmente formalizados.”

Um mapa da rota da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR).

O quebra-cabeça Turquia-Irã: contornado, mas não vencido

A exclusão deliberada do Irã e da Turquia do IMEC revela o desespero ocidental em isolar potências regionais independentes. Mas ambas as potências hegemônicas da Ásia Ocidental estão longe de estarem ociosas.

Irã, muitas vezes deixado de fora das discussões públicas sobre corredores, continua essencial para qualquer rota viável a longo prazo e é um parceiro principal, juntamente com a Índia e a Rússia, do Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (INSTC).

Enquanto isso, a Turquia está avançando com o Projeto de Estradas de Desenvolvimento, um enorme plano de infraestrutura que se estende por mais de 3.000 quilômetros de ferrovias, rodovias e linhas de energia, do Porto de Al-Faw, no Iraque, no Golfo Pérsico, até a Europa. Ele poderia se integrar ao Corredor do Meio, que atravessa os Mares Cáspio e Negro.

No entanto, a instabilidade a ameaça. Um ataque em larga escala ao Irã ou uma ação para desmantelar as Unidades de Mobilização Popular (UMP) no Iraque desencadeariam uma guerra civil, descarrilando o corredor. O conflito não resolvido na Síria aumenta ainda mais a incerteza.

No entanto, o Dr. Perincek argumenta que o Projeto Rodoviário de Desenvolvimento está estruturalmente alinhado com a multipolaridade e a integração regional. As ligações ferroviárias da Turquia com a UE e o acesso à Ásia Central via Azerbaijão tornam o projeto um forte concorrente eurasiano.

Norte a nordeste: o curinga do Ártico

Longe das águas quentes da Ásia Ocidental, uma luta mais silenciosa se desenrola através das calotas polares em derretimento. A Rota do Mar do Norte (NSR: Northern Sea Route – nota da tradutora), tornada navegável pela crise climática, reduz o tempo de trânsito entre o Leste Asiático e a Europa em um terço, em comparação com a travessia do Canal de Suez.

Isso poderia enfraquecer a importância geopolítica de projetos como o IMEC, ao mesmo tempo em que permitiria que a China entregasse seus produtos de exportação para a Europa mais rapidamente através do Ártico.

Rússia e China já estão investindo pesado. Frotas de quebra-gelos, portos no Ártico e infraestrutura de transporte estão sendo expandidas. Os EUA, antes adormecidos ao volante, agora estão de olho Canadá e Groenlândia recuperam relevância.

Um mapa das rotas de passagem Nordeste e Noroeste.

Rússia, países escandinavos e Canadá são os principais países que fazem fronteira com o Polo Norte. Rússia e China parecem estar em posição muito mais vantajosa nessa rota no momento. A Rússia possui uma grande frota de quebra-gelos, e não é possível estabelecer uma linha de navegação nessa rota sem essa frota em um curto espaço de tempo, pois ela ainda está repleta de geleiras. O Canadá detém direitos exclusivos nessa área, e a Groenlândia tem grande importância como um cruzamento no Oceano Atlântico.

É por isso que Trump, durante seu segundo mandato, concentrou-se em comprar a Groenlândia. A NSR ameaça eclipsar completamente a rota Oceano Índico-Suez-Mar Vermelho. Nesse cenário, o IMEC perde todo o seu propósito estratégico.

Corredores do poder: o dilema de alto risco da Ásia Ocidental

Com a BRI, o IMEC, a Rota do Desenvolvimento e as rotas do Ártico competindo entre si, as apostas para a Ásia Ocidental e Central não poderiam ser maiores. Turquia, Irã e os Estados do Golfo Pérsico têm tudo a ganhar – ou a perder.

Esses corredores oferecem caminhos para o poder e a integração regionais. Mas também correm o risco de transformar esses Estados em peões de impérios externos. A fragmentação das redes comerciais significa que nenhum corredor único dominará. Em vez disso, modelos híbridos provavelmente surgirão.

O futuro dependerá de como os Estados regionais administrarão essas rivalidades, equilibrando interesses econômicos, soberania política e estabilidade militar em meio à competição cada vez mais intensa.

Apenas os Estados que escolherem a cooperação multipolar sobre a dependência atlantista prosperará. Os demais podem acabar sacrificados no altar da última aposta de um império em declínio.

As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente as do The Cradle.

Fonte: https://thecradle.co/articles/corridor-clash-how-trade-wars-are-carving-up-the-global-order


Be First to Comment

Leave a Reply

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.