A glorificação do nazismo deve ser condenada ou não?

Thierry Meyssan – Rede Voltaire – 21 de janeiro de 2025

A Rússia interveio militarmente na Ucrânia para desnazificar o país. Mas, segundo os ocidentais, não há nazistas na Ucrânia. A Rússia quer invadir e anexar este país. Esta incompreensão mútua fez com que a operação especial russa degenerasse em guerra aberta.
No entanto, vários fatos idênticos, ocorridos nos países bálticos desde 2005 e no Parlamento Europeu desde 2016, demonstram que isto não é um mal-entendido, mas uma estratégia deliberada da OTAN.
Isto acaba de mobilizar 53 Estados para se oporem à adoção pelas Nações Unidas de uma resolução tradicional contra a glorificação do nazismo.

Monumento à glória de Stepan Bandera em Ternopil (Ucrânia). Segundo o Jewish Tribune, existem cerca de cem monumentos em homenagem à glória dos colaboradores nazistas na Ucrânia.
A Rússia exige a sua destruição imediata, enquanto a OTAN afirma que não são importantes.

Na época da Libertação (ou seja, no final da Segunda Guerra Mundial), os ocidentais estavam cientes do sofrimento causado pelas ideologias de que a humanidade era dividida em raças distintas com uma hierarquia entre elas. Todos entendiam que a afirmação de que essas “raças” não podiam se miscigenar e ter descendentes férteis era desmentida pelos fatos e que só poderia ter sido imposta por meio de intensa propaganda.

Desde a criação das Nações Unidas e durante toda a Guerra Fria, a União Soviética e a França garantiram que todos os anos a Assembleia Geral adotasse uma resolução proibindo a propaganda nazista e a glorificação dessa ideologia. Esse ritual foi esquecido com a dissolução da URSS. Surpreendentemente, a partir de 2020, não foi possível restabelecer o consenso sobre essa questão. Como resultado, 53 Estados se opuseram à última resolução nesse sentido, em 17 de dezembro de 2024, e 10 se abstiveram.

Na verdade, se durante a Guerra Mundial, os Aliados, tanto estadunidenses e canadenses, quanto europeus (britânicos, franceses, gregos, poloneses, iugoslavos, escandinavos, soviéticos etc.) se uniram contra um adversário comum, todo esse conjunto foi quebrado antes mesmo do fim do conflito, por um desejo anglo-saxônico (isto é, tanto de alguns estadunidenses como de alguns britânicos) de continuar o conflito contra a União Soviético. Foi assim que Alan Dulles, então chefe dos serviços secretos dos EUA na Suíça, e o seu vice, Lyman Lemnitzer, negociaram com o general SS Karl Wolff em 1945 a rendição das forças nazistas na Itália para que pudessem combater os soviéticos ao lado dos Estados Unidos (Operação Nascer do sol ). Esta paz separada não foi implementada porque Joseph Stalin se opôs imediatamente a ela e Franklin D. Roosevelt não ratificou o acordo já alcançado.

No entanto, Roosevelt, gravemente doente, morreu pouco depois, enquanto Dulles se tornou o chefe da CIA, o serviço secreto dos EUA do pós-guerra, e o General Lemnitzer tornou-se, ainda mais tarde, o presidente do Estado-Maior Conjunto dos EUA. Como resultado, a CIA e, em menor escala, o Departamento de Defesa, tornaram-se refúgios para ex-nazistas. Durante a Guerra Fria, eles foram colocados pelos anglo-saxões em cargos de responsabilidade em vários países do “mundo livre” (sic), do Chile ao Irã. Eles chegaram ao ponto de criar uma organização criminosa internacional, a Liga Mundial Anticomunista, para coordenar seus esforços contra todos os movimentos de esquerda no Terceiro Mundo [1].

Foi somente em 1977, após as revelações da comissão parlamentar do senador Frank Church sobre os crimes da CIA, que o presidente Jimmy Carter e o almirante Stansfield Turner conseguiram colocar a CIA em ordem e derrubar as ditaduras no Chile, no Irã e em todos os outros lugares.

Contudo, para lutar contra o rival soviético, o Presidente Ronald Reagan e a Primeira-Ministra Margaret Thatcher confiaram numa nova ideologia, o Islamismo, e não hesitaram em desenvolvê-la, primeiro no Afeganistão e depois em toda Ásia Ocidental (Oriente Médio). Era para eles a única forma de mobilizar a Irmandade Muçulmana e o povo árabe.

Finalmente, com a dissolução da União Soviética em 1991, os movimentos racistas anteriormente aliados aos nazistas ressurgiram. O presidente Bill Clinton e o primeiro-ministro Tony Blair não hesitaram em se juntar a eles. Graças a isso os “nacionais integralistas” seguidores de Dmytro Dontsov e Stepan Bandera, chegaram ao poder na Ucrânia. [2]

Tudo começou em janeiro de 2005, quando, no momento em que o país estava se tornando membro da União Europeia, o governo letão com o apoio financeiro da embaixada dos EUA, publicou um livro, História da Letônia: Século XX. Nele, afirmava, entre outras coisas, que o campo de Salaspils, onde os nazistas realizavam experimentos médicos em crianças e onde 90.000 pessoas foram assassinadas, era apenas um “campo de trabalho corretivo” e que os Waffen SS eram heróis na luta contra os ocupantes soviéticos. Alguns meses depois, ele organizou um desfile das Waffen SS no coração de Riga, como havia feito nos quatro anos anteriores, quando ainda não era membro da UE. [3]

Em condições normais, toda a União Europeia teria protestado. Mas nada aconteceu. Apenas Israel e a Rússia expressaram sua indignação.

Em 2016, a deputada polonesa Anna Fotyga, que mais tarde se tornou chefe da administração presidencial polonesa e um pilar da OTAN, apresentou uma resolução sobre comunicações estratégicas em Estrasburgo [4]. O objetivo era trazer a UE para a guerra de informação contra a Rússia e, pelo menos na aparência, contra os islamistas, estabelecendo um sistema organizado em torno do Centro de Comunicações Estratégicas da OTAN [5].

Foi nesse contexto que, em 19 de setembro de 2019, o Parlamento Europeu adotou uma resolução “sobre a importância da memória europeia para o futuro da Europa” [6]. Esse texto afirma que, ao assinar o Pacto Molotov-Ribbentrop, a URSS compartilhou os objetivos nefastos do Reich nazista e desencadeou a Segunda Guerra Mundial. Obviamente, isso está completamente errado [7].

Hoje, os neonazistas, os “nacionais integralistas” [8] podem exercer o poder na Ucrânia sem levantar a menor objeção do Ocidente. Não notamos que sua Constituição é a única no mundo a declarar no Artigo 16, que “a preservação do patrimônio genético do povo ucraniano é responsabilidade do Estado” [9]. Não notamos que Volodymyr Zelensky terminou seu mandato há oito meses e está ilegitimamente no poder sem eleições. Interpretamos a proibição dos partidos políticos de oposição e da Igreja Ortodoxa [10] como disposições para reprimir a infiltração russa. Ignoramos o expurgo das bibliotecas [11]. Estamos apenas começando a tomar conhecimento do êxodo da população ucraniana e das deserções em massa de seus exércitos.

Nada disso deveria nos surpreender em um momento em que as mesmas autoridades ocidentais nos dizem sorridentes que os jihadistas da Al-Qaeda e do Daesh, que acabaram de ser levados ao poder em Damasco pelos anglo-saxões, nada mais são do que “islamistas iluminados”. [12]

[1]A Liga Anticomunista Global, uma Internacional do Crime”, de Thierry Meyssan, tradução de Horst Frohlich, revisão: Werner Leuthäusser, Rede Voltaire, 12 de maio de 2004.

[2]Quem são os nacionais integralistas ucranianos?”, de Thierry Meyssan, tradução de Horst Frohlich, revisão: Werner Leuthäusser, Voltaire Network, 15 de novembro de 2022.

[3]O presidente da Letônia reabilita o nazismo”, por Thierry Meyssan, Rede Voltaire, 16 de março de 2005.

[4] Resolução do Parlamento Europeu sobre “Comunicação estratégica da UE para neutralizar a propaganda de terceiros dirigida contra ela”, Rede Voltaire, 23 de novembro de 2016.

[5]Campanha da OTAN contra a liberdade de expressão”, de Thierry Meyssan, tradução de Horst Frohlich, Rede Voltaire, 5 de dezembro de 2016.

[6]O Parlamento Europeu afirma que a União Soviética foi responsável pela Segunda Guerra Mundial”, Rede Voltaire, 19 de setembro de 2019.

[7]O dia que o Ocidente gosta de esquecer”, por Michael Jabara Carley, tradução de Horst Frohlich, Strategic Culture Foundation (Rússia), Rede Voltaire, 25 de setembro de 2015.

[8] Idem.

[9] Este artigo é muitas vezes mal interpretado como sendo sobre as consequências do desastre de Chernobyl. Porém, ele não fala do patrimônio genético da humanidade, mas apenas do “povo ucraniano”. Esquecemos que Adolf Hitler era vegetariano e ambientalista.

[10] “Washington pronto a fazer explodir a Igreja Ortodoxa”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 26 de Setembro de 2018. «Kiev prohíbe la iglesia ortodoxa», Red Voltaire, 6 de diciembre de 2022.

[11]19 milhões de livros já excluídos das bibliotecas ucranianas ”, tradução de Horst Frohlich, Rede Voltaire, 8 de fevereiro de 2023.

[12]Como Washington e Ancara mudaram o regime em Damasco ”, de Thierry Meyssan, tradução de Horst Frohlich, revisão: Werner Leuthäusser, Rede Voltaire, 17 de dezembro de 2024.


Fonte: https://www.voltairenet.org/article221689.html

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