O peso e o significado geopolítico da “nova” Doutrina Monroe

Franco Vielma (Misión Verdad) – 19 de setembro de 2025

  Coerção para confinar o continente como espaço exclusivo

O governo dos Estados Unidos está executando uma nova estratégia na América Latina e no Caribe, de acordo com as diretrizes de Donald Trump e seu secretário de Estado, Marco Rubio. O registro de eventos recentes na região, por iniciativa de Washington, sugere o desenvolvimento de uma agenda estruturada.

Dessa forma, foi desencadeado um conjunto de ações, algumas indiferenciadas e outras focadas no tratamento direto com os países. Em resumo:

  • O governo dos Estados Unidos impôs tarifas à região como um todo, incluindo países “aliados”, na tentativa de alterar as simetrias comerciais.
  • A Casa Branca concentrou sua política de pressão comercial tarifária especialmente contra o México, país com o qual compartilha o espaço comercial norte-americano.
  • Trump construiu uma política de deportações em massa e implementou diversos mecanismos migratórios internacionais para torná-las efetivas.
  • Foram aplicadas medidas como a revogação do Status de Proteção Temporária, que afeta migrantes de várias nacionalidades. Práticas de violação de direitos de cidadãos de várias nacionalidades foram aplicadas nos Estados Unidos, o que desfaz as convenções internacionais de migração, e criou o método inédito de encarcerar 252 venezuelanos, sem julgamentos ou sentenças definitivas em El Salvador. Essas medidas foram executadas por meio da intimidação de governos e da omissão de protestos diplomáticos de vários países da região.
  • Trump transformou El Salvador em uma prisão terceirizada, uma extensão do sistema prisional norte-americano, com a aprovação do presidente Nayib Bukele.
  • Os Estados Unidos consolidaram seu papel de transformar a Guiana em um protetorado petrolífero e militar por meio de novos acordos, especialmente no âmbito militar. Isso ocorre às custas da pilhagem dos recursos esequibanenses reivindicados pela Venezuela.
  • O governo dos Estados Unidos aplicou o retrocesso a medidas coercitivas econômicas contra a Venezuela e Cuba.
  • Aumentaram as pressões políticas, econômicas e diplomáticas contra o governo da Nicarágua.
  • Trump subjugou o governo do Panamá ao reivindicar supostos e ilegais direitos históricos de propriedade dos Estados Unidos sobre o canal, forçando um novo acordo com o país centro-americano.
  • Trump também renomeou o Golfo do México como “Golfo dos EUA”, reivindicando assim a hegemonia dos Estados Unidos sobre esse espaço.
  • Em defesa aberta de Jair Bolsonaro, o governo dos Estados Unidos interferiu diretamente nas decisões das instâncias judiciais do Brasil, criando um confronto político, inaugurando sanções contra funcionários do Brasil e aplicando medidas tarifárias da ordem de 50%.
  • Trump também emitiu uma ordem executiva que declarou o Brasil como uma “ameaça incomum e extraordinária” à segurança dos Estados Unidos.
  • Em nome da suposta luta contra o narcotráfico, os Estados Unidos retiraram seletivamente uma certificação favorável à Colômbia por seus esforços na luta contra esse crime. Isso é considerado uma medida política contra o governo de Gustavo Petro.
  • Autoridades americanas têm defendido a possibilidade de bombardear territórios do México, da Colômbia e da Venezuela, supostamente no âmbito da luta contra o narcotráfico.
  • Os Estados Unidos posicionaram navios, aviões estratégicos e tropas no Caribe, com ênfase em Porto Rico, Antilhas Holandesas, Trinidad e Tobago e Guiana, em uma possível abordagem tático-militar com o objetivo de executar uma mudança de regime na Venezuela. Funcionários americanos – especialmente parlamentares eleitos na Flórida – têm instado a captura ou execução dos máximos representantes do governo venezuelano, sob falsas acusações de narcotráfico.

Essa extensa lista, que se refere apenas às ações dirigidas à América Latina e ao Caribe, é um acúmulo de apenas alguns meses, o que sugere que, efetivamente, a Casa Branca está estruturando uma abordagem de grande significado e importantes ramificações em seu chamado “quintal”.

O contexto é claramente de agressividade multiforme dirigida ao continente, especialmente contra a região latino-americana e caribenha.

Enfoque compartilhado

Em janeiro deste ano, ao assumir o cargo, Marco Rubio questionou o fato de que, durante muito tempo, o governo dos Estados Unidos se concentrou em outras regiões “e ignorou a nossa”, o que aponta para uma “negligência do hemisfério ocidental”.

Este ponto é o principal elemento distintivo da abordagem da política externa de Washington nesta etapa. E parece que a diretriz conta com um importante consenso entre os formadores de política em Washington.

Um elemento ilustrativo disso vem do embaixador e enviado especial de Trump, Richard Grenell, firme defensor da abordagem MAGA (Make America Great Again). Recentemente, Grenell lamentou a “negligência dos governos americanos que ignoraram toda esta região”, disse ele, ao participar da Conferência Política de Ação Conservadora (CPAC), realizada no Paraguai.

Grenell opinou que Trump “está mudando essa situação junto com seu secretário de Estado, Marco Rubio”, o que deixa claro que o perfil da política para a região é uma questão compartilhada entre os falcões – setor representado por Rubio – e o MAGA.

Sobre essa nova estratégia, Grenell indicou que “todos vocês (os paraguaios) estão se beneficiando do fato de que, de repente, temos um governo americano que quer competir, desbancar a China e ter uma melhor relação com o Paraguai”, enfatizou o funcionário, ao se dirigir aos participantes.

Os elementos centrais da política de Trump para a região sugerem um ressurgimento da antiga Doutrina Monroe, baseada na premissa de “A América para os americanos”, do presidente James Monroe em 1823.

Embora a tese tenha surgido para “proteger” os interesses das novas nações americanas livres do colonialismo europeu, a Doutrina teve uma reinterpretação e execução durante o século XX. Os Estados Unidos assumiram o perfil de defender os “interesses americanos” durante a Guerra Fria e afastar os países da região do comunismo e da influência da extinta URSS. Ou para defender os interesses das empresas americanas, para o que cooptaram ou subjugaram governos da região para saquear recursos e impor o Consenso de Washington (1989) por meio de golpes de Estado, invasões ou a criação de conflitos armados.

Em todos os casos, os Estados Unidos basearam-se no seu poder de força (militar, econômico, político) ou no seu poder de coerção para impor os seus interesses no contexto das relações internacionais na região. Ou para, simplesmente, “torcer o braço” de vários países e governos, Barack Obama dixit.

Não é só força, é o declínio

A postura compartilhada entre o setor MAGA e o setor conservador tradicional (falcões) dos Estados Unidos obedece a visões e abordagens estratégicas arraigadas, há muito tempo, na estrutura do pensamento e do poder nos Estados Unidos.

Ambos os grupos evocam chaves essenciais, como o Destino Manifesto, a “conquista do Oeste” e a Doutrina Monroe como elementos fundadores de seu país e componentes de sua “grandeza”. “Tornar os EUA grandes novamente” sugere um retorno às raízes do próprio modelo neocolonial americano, Made in XX Century, que permitiu o surgimento desse país como superpotência.

Em outras palavras, a crise de perda de hegemonia que ocorre neste momento nos Estados Unidos fez com que seus pensadores, políticos e formuladores de políticas buscassem as chaves de sua “grandeza” nos antigos códigos e abordagens de política externa (econômica, militar) que aplicaram em sua antiga área de influência no passado.

Centros de reflexão como a The Heritage Foundation — think tank conservador, principal autor do Projeto 2025 — propuseram uma “nova Doutrina Monroe” para “rejuvenescer o hemisfério”, construir “uma nova era de ouro” por meio da reorientação das cadeias de abastecimento para a América Latina, “contrabalançando a influência chinesa” e promovendo a estabilidade econômica. Segundo eles, Trump não busca o imperialismo, mas a “segurança dos Estados Unidos”, limitando as ameaças no hemisfério e garantindo e fortalecendo seu espaço econômico.

Essa tese explica, por exemplo, o surgimento da política tarifária como estratégia de desenho das relações econômicas internacionais. Os Estados Unidos agora não competem, não promovem o livre mercado nem o fim dos impostos.

Agora é mais protecionista, emprega mecanismos restritivos para redesenhar as cadeias de abastecimento, exige investimentos estrangeiros em seu território e tenta, por meio de decretos e tarifas, modificar sua balança comercial, que é desfavorável. A militarização do comércio é usada para reanimar a base industrial americana e manter o dólar americano como moeda de uso principal em escala global.

A estratégia não é puramente comercial. De acordo com o American Enterprise Institute (AEI), Trump está instintivamente renovando a clássica doutrina Monroe para “defender o hemisfério contra incursões chinesas”. Essa agenda tem pontos críticos, como o canal do Panamá, ou anexar a Groenlândia e o Canadá, por serem espaços cruciais para a projeção dos Estados Unidos no Ártico como novo espaço de interesse geopolítico global.

Em outras palavras, os Estados Unidos estão mudando sua relação física-concreta com o continente. A implantação política americana no Panamá, as tarifas, anexar a Groenlândia, renomear o Golfo do México e, agora, com a ocupação militar no Caribe, há uma nova forma de interação agressiva de Washington pelo espaço territorial, o controle das infraestruturas, a luta pelo espaço geoeconômico e a imposição de novos imperativos em matéria de segurança – com uma ansiada mudança de regime na Venezuela, que se estenderia a Cuba e Nicarágua.

Esta não é uma suposição baseada nos traumas dos latino-americanos de Esquerda, nem uma análise dos tempos da Guerra Fria. Isso é promovido abertamente hoje por instâncias como o America First Policy Institute (AFPI), focado na “grandeza nacional” e que propõe para os Estados Unidos o uso do continente como “espaço exclusivo”. Esse grupo pouco conhecido tem entre seus membros vários representantes do gabinete do governo Trump.

O vice-presidente J.D. Vance mencionou em julho passado perante o Claremont Institute que os Estados Unidos deveriam recorrer às suas raízes, ao Destino Manifesto, para “domesticar este continente selvagem”. Vance, sem rodeios, referiu a necessidade da “dominação regional” como um ponto central da segurança hemisférica e da “defesa da civilização ocidental”.

Os atuais formuladores de políticas dos Estados Unidos acreditam que podem relançar a hegemonia de seu país a partir das mesmas bases físico-territoriais – geoeconômicas – do passado. Ideologicamente falando, não há nada de novo aqui, apenas nostalgia pela hegemonia que já existiu.

O contexto geopolítico atual está muito distante de 1950 ou do mundo do pós-guerra. Mais de 70 anos se passaram e a globalização redesenhou a geoeconomia planetária, especialmente com a configuração de uma nova estrutura comercial, industrial, de cadeias de suprimentos, de contrapesos políticos e fatores de influência.

Mas isso não significa que não haja lugar no mundo atual para as ideias ultrapassadas do atual governo dos Estados Unidos. A aposta dos Estados Unidos poderia tomar forma a partir da “blocagem” do mundo, como está ocorrendo.

As tensões políticas e comerciais, as políticas protecionistas, as rivalidades entre potências e o surgimento de novos blocos econômicos estão acelerando fenômenos que orientam a reconfiguração das cadeias de abastecimento globais para sistemas mais localizados ou alinhados com alianças estratégicas. Os Estados Unidos desejam navegar nessa contradição e o governo Trump a acentua com suas políticas.

À sua maneira, os Estados Unidos pretendem encontrar seu lugar na multipolaridade, lidando com a inércia do declínio e o fim da unipolaridade que consolidou esse país como hegemônico. Isso supõe – pelo menos da perspectiva do governo Trump – um recuo de outros espaços geopolíticos e um retorno à sua área de “influência tradicional”, da qual, tecnicamente, nunca se afastaram completamente.

O slogan “Make America Great Again” é uma aceitação do declínio multifacetado dos Estados Unidos. Sendo a multipolaridade e o bloqueamento de processos metabólicos objetivos – inevitáveis – da configuração geopolítica atual, é lógico que essas forças de gravidade empurrem os Estados Unidos de volta para um espaço onde continuam exercendo influência política e econômica, um espaço onde também pretendem empreender seu poder físico-concreto, agora de formas mais agressivas, por meio de uma ampla gama de instrumentos de coerção.

O que está ocorrendo é resultado do processo cinético da mudança de era. A partir da redução de sua força e capacidade de mediar seu poder e influência com grande consistência em outras latitudes, os Estados Unidos retornam a um espaço sistematicamente submetido ao ablandamiento – termo militar que se refere à ação ou efeito que consiste em reduzir a resistência do inimigo, preparando o terreno para uma ofensiva posterior. O xerife volta para obter mais recursos naturais, mais relações desiguais, mais hegemonia econômica, mais controle militar e mais reafirmação de seu modelo político-civilizatório.

Se o declínio dos Estados Unidos continuar se consumando no ritmo atual, a região da América Latina e do Caribe será um espaço onde a resistência ao declínio norte-americano será executada com grande consistência. Este ciclo regressivo está se mostrando bastante perigoso. É o que está acontecendo agora mesmo.

– Somos um grupo de pesquisadores independentes dedicados a analisar o processo de guerra contra a Venezuela e suas implicações globais. Desde o início, nosso conteúdo tem sido de uso livre. Dependemos de doações e colaborações para sustentar este projeto. Se você deseja contribuir com a Misión Verdad, pode fazê-lo aqui.

Fonte: https://misionverdad.com/globalistan/el-peso-y-significado-geopolitico-de-la-nueva-doctrina-monroe


Be First to Comment

Leave a Reply

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.