Misión Verdad – 16 de julho de 2025
Sintoma de um colapso sistêmico
A guerra tarifária, que foi vendida como uma estratégia para "proteger a indústria nacional", agora está se mostrando um fator de aceleração da inflação, desaceleração do consumo e uma possível recessão.
Até agora, em 2025, o mundo está testemunhando uma nova escalada nas tensões comerciais impulsionada por Donald Trump. O presidente dos EUA retomou sua cruzada protecionista com uma série de tarifas que afetam não apenas aqueles que ele considera seus adversários, como a China, mas também aliados tradicionais, como a União Europeia.
Essa política comercial, longe de ser um simples ajuste cíclico, faz parte de uma crise estrutural do capitalismo norte-americano que vem se formando há décadas. No entanto, agora ela desencadeou uma série de previsões econômicas sombrias para os EUA.
O que antes era vendido como uma estratégia para “proteger a indústria doméstica” agora é revelado como um fator que acelera a inflação, uma desaceleração no consumo e uma possível recessão.
Previsões: ventos recessivos
Analistas do Wall Street, instituições financeiras como a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) e vários economistas alertam que os Estados Unidos estão enfrentando um cenário semelhante ao de 2008, mas com uma diferença crucial: desta vez a crise não é apenas cíclica, mas sistêmica.
A combinação de dívida pública insustentável, bolhas financeiras e a erosão do dólar como moeda de reserva global aponta para um colapso mais profundo, cujas raízes estão fincadas em décadas de desindustrialização, financeirização e guerras comerciais mal calculadas.
O cenário econômico atual é profundamente preocupante. De acordo com uma reportagem recente do New York Times, as políticas de Trump já encareceram bens essenciais, de eletrônicos a materiais de construção.
Mesmo em um contexto em que a inflação tem mostrado sinais de estabilidade e o desemprego parece estar sob controle, a imposição de novas tarifas da ordem de 30% sobre os produtos europeus ameaça reverter essa aparente calma.
Os especialistas alertam que essas medidas podem gerar um choque “estagflacionário”, ou seja, um cenário em que a inflação aumenta enquanto a economia entra em recessão. Eric Winograd, economista da AllianceBernstein, disse à mídia americana que “quanto mais altas as tarifas, mais estagflacionário será o impacto”. Esse choque tem efeitos devastadores sobre o consumo doméstico, pois reduz o poder de compra das famílias sem melhorar a produtividade ou o emprego real.
Os gastos dos consumidores norte-americanos estão mostrando sinais de desaquecimento. De acordo com o Conference Board, as expectativas de inflação atingiram os máximos de 12 anos, refletindo uma perda generalizada de confiança na capacidade do sistema de manter os padrões de vida.

Isso se traduz em menores gastos com bens duráveis e serviços, o que, por sua vez, afeta o tecido produtivo doméstico, de modo que o Goldman Sachs reduziu suas previsões de crescimento para 2025, observando que a política comercial de Trump está gerando uma contração sustentada no setor privado.

Além disso, o Fiscal and Economic Policy Institute alertou que os cortes de impostos de Trump a serem implementados na One Big Beautiful Bill, combinados com o aumento dos gastos militares, estão exacerbando o déficit público, limitando a capacidade do governo de implementar estímulos no caso de uma recessão profunda.
A política comercial de Trump empobrece os americanos e acelera a desglobalização, deixando os EUA mais vulneráveis a economias mais resilientes, como a China. As tarifas aumentam artificialmente os preços dos produtos importados, o que atinge diretamente as classes média e trabalhadora, resultando na exacerbação da desigualdade social.
Das bolhas financeiras à crise sistêmica: um tsunami em formação
Por trás do cenário imediato de inflação e consumo está uma crise sistêmica muito mais profunda. Atualmente, os Estados Unidos estão passando por uma expansão insustentável do crédito que gerou uma bolha financeira de proporções históricas. O acúmulo de dívidas públicas e privadas, aliado a um Banco Central que continua a injetar liquidez sem resolver os problemas estruturais, criou um ambiente extremamente vulnerável.
Os analistas dizem que os Estados Unidos estão enfrentando “a década das pequenas crises”, com cada ano trazendo novas convulsões financeiras que se somam a uma crise de confiança no sistema. Além disso, o público cada vez mais percebe a economia como um jogo manipulado para o benefício de poucos, enquanto o mercado de títulos, a dívida corporativa e o setor imobiliário mostram sinais de superaquecimento.
Outra análise do Zero Hedge afirma que, embora haja calma na superfície, a frente comercial pode provocar um choque sistêmico porque, apesar do que Trump diz ou faz para estimular a produção doméstica, os EUA hoje dependem das importações.

Além disso, os bancos centrais perderam o controle sobre a inflação, enquanto os fundos de hedge continuam a apostar em ativos supervalorizados, criando uma bolha semelhante à de 2008, mas com magnitudes maiores. Doug Noland argumenta que os fundos de hedge e os grandes agentes financeiros estão cada vez mais “viciados” nas políticas de resgate do Estado. Em outras palavras, o sistema financeiro é cronicamente dependente da intervenção pública, que não resolve o problema, mas o exacerba.
A dívida pública dos EUA agora ultrapassa 34 trilhões de dólares e, de acordo com a GoldBroker, esse fardo está se tornando cada vez mais problemático. Enquanto isso, o setor bancário está apresentando rachaduras: o colapso do Silicon Valley Bank e do Signature Bank em 2023 foi apenas uma amostra do que pode acontecer se os mercados perderem a confiança.
Um relatório publicado em 2024 pelo think tank espanhol Funcas alertou sobre a fragilidade do sistema bancário global em um contexto de aumento das taxas de juros e volatilidade da taxa de câmbio. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed) continua brincando de conter o fogo com gasolina: políticas monetárias expansionistas sem mudanças no modelo de produção apenas prolongam a agonia.
Nesse contexto, a guerra comercial de Trump é apenas um catalisador de uma crise muito mais profunda: o capitalismo dos EUA, de mãos dadas com seu sistema financeiro, entrou em uma fase de reprodução parasitária na qual a especulação e a dívida barata substituem a inovação e a produção real.
Fraqueza estrutural e seus sintomas lascivos
As ações de Trump não são meras decisões de política econômica; elas fazem parte de um fenômeno mais amplo de erosão do poder hegemônico dos EUA. O uso de tarifas como uma arma “diplomática”, forçando aliados e adversários a “negociar”, revela uma fraqueza estrutural do país: sua incapacidade de competir em condições de livre comércio devido à deterioração de sua base industrial e tecnológica.
José A. Tapia Granados, professor e pesquisador do Departamento de Ciência Política da Drexel University (Filadélfia, Estados Unidos), enfatiza que a nova posse presidencial de Trump simboliza o fim de uma era e o início de uma crise civilizatória do capitalismo global. Ele argumenta que a resposta da elite dos EUA ao declínio relativo do país é justamente o protecionismo e o militarismo. Mas isso não interrompe o declínio; ele o acelera.
O declínio do dólar como moeda de reserva global é outro sintoma dessa transformação. O Departamento do Tesouro teve de aumentar constantemente as taxas de juros dos títulos para atrair compradores estrangeiros, mas países como a China e a Arábia Saudita reduziram suas participações na dívida dos EUA.
De acordo com o bilionário Ray Dalio, o mundo está testemunhando “exclusivamente” o declínio de uma moeda hegemônica, algo que vem ocorrendo há séculos e que tem consequências cataclísmicas. Além disso, ele argumenta que o mundo está entrando em um novo ciclo de conflitos entre potências, no qual os Estados Unidos não têm mais a mesma capacidade de impor suas regras.
Esse processo não é novo; a década atual pode marcar um ponto de inflexão na queda do petrodólar, com a Rússia e outros países do Sul Global adotando sistemas de comércio alternativos e criando mecanismos de pagamento fora do alcance dessa moeda, o que corroeria ainda mais seu papel global.
Por outro lado, o aumento da desigualdade nos EUA, documentado pelo membro sênior da Brookings, Zia Qureshi, revela como essa guerra comercial atende mais aos interesses das corporações transnacionais do que aos dos trabalhadores domésticos. A política de Trump, longe de ser uma ruptura, é uma manifestação extrema da tendência neoliberal: privatização dos lucros e socialização das perdas.
O projeto econômico de Trump, exposto no projeto de lei recentemente aprovado, ataca os sindicatos, reduz os impostos para os ricos e desregulamenta os mercados, aprofundando assim as fraturas sociais que poderiam levar seu país a confrontos internos de grande magnitude. Isso leva a comentarista britânica Grace Blakeley a concluir que se trata de uma “flagrante guerra de classes”.

A guerra comercial de Donald Trump não é uma solução para os males do capitalismo dos EUA, mas um dos sintomas mais visíveis que expõe as rachaduras em um sistema capitalista que depende de dívidas, especulação e dominação financeira.
É mais uma frente em uma batalha pelo controle da ordem econômica global que está fervilhando em falsificações, ameaças e controvérsias. No longo prazo, o maior risco para a sociedade norte-americana não é a China ou a Europa, mas sua própria incapacidade de se adaptar a um mundo multipolar em que o poder econômico não está mais concentrado em Wall Street.
Depois de uma década de recuperação fictícia após a crise de 2008, os EUA agora enfrentam uma tempestade perfeita: uma recessão prevista, uma bolha financeira gigantesca e uma crise de hegemonia global que se manifesta no deslocamento do dólar e na perda de influência no cenário internacional.
Enquanto a elite financeira busca se salvar por meio de resgates e especulações, milhões de trabalhadores pagam o custo de uma política que prioriza o curto prazo eleitoral em detrimento da reconstrução produtiva. Nesse contexto, a questão não é se haverá uma crise, mas quando e como ela explodirá.
Essa guerra imposta pode ser lembrada mais como o último suspiro de um império em declínio do que como uma estratégia “America First”. Não se trata apenas do risco de uma recessão mais ou menos grave, mas de um colapso lento, porém inevitável, de seu modelo econômico. E a política comercial de Trump é apenas o martelo que acelera o colapso.
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Fonte: https://misionverdad.com/globalistan/eeuu-avista-un-tsunami-de-recesion-por-su-guerra-comercial
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