Democracia liberal ocidental: alguns pensamentos

Quantum Bird — 19 de junho de 2025

Mais de um entre meus interlocutores mais astutos me perguntaram recentemente — talvez retoricamente, enquanto conversávamos. Não sei… — como é possível eleger alguém como Trump depois do fiasco que foi Biden, ou como Bolsonaro, depois de Dilma/Temer, ou mesmo alguém como Merz, depois de Scholz.

Basicamente, a conversa girava em torno dos mecanismos ocultos da democracia liberal que, de alguma forma, garantem que políticos claramente ineptos, flagrantemente corruptos e totalmente inadequados sejam eleitos continuamente, produzam danos irreparáveis para seus eleitores e os interesses de seus países e não sofram nenhuma consequência tangível. Resolvi escrever esta pequena nota para tentar responder, ou pelo menos, ponderar, sobre essa questão.

Em 2025, acredito que isto não seja um defeito, mas uma característica deliberada do sistema ocidental. A chave é que na democracia liberal o poder não está no voto. Os representantes populares eleitos são fracos, independentemente de sua alegada ideologia. Fraqueza conectada com chantagem, corrupção, ignorância e ineptidão. Os verdadeiros donos do poder permanecem ocultos e seus representantes verdadeiros não são eleitos. Eles são nomeados.

Não percebe? Então, analise o governo de Lula em curso no Brasil. Observe o quadro de ministros, avalie o impacto de suas ações e como elas nada têm a ver com o programa de governo prometido durante a campanha. Esses ministros não foram, nem estão sendo, nomeados por Lula. Por exemplo, poucos se dão conta, mas o União Brasil, um partido basicamente de extrema-direita, que representa alguns dos setores corporativos mais agressivos nacionais e multinacionais em operação no Brasil, é o dono do Ministério das Comunicações – o que implica entre outras coisas, controle sobre a mídia e as telecomunicações. O ministro atual tem longa carreira nas empresas multinacionais de telecomunicações que operam no Brasil desde as privatizações da década de 90.

O mesmo se aplica ao resto da América Latina, aos EUA e a todos os países da EU, onde, na verdade, o vínculo é duplo: o voto popular é suprimido a nível nacional pela nomeação de ministros oriundos das corporações e a nível continental pela Comissão Europeia. Assim, não é nenhuma surpresa que o gabinete de Trump seja quase 100% sionista e neoconservador. Todos viram os donos das grandes multinacionais em sua cerimônia de posse. Foram eles que financiaram a sua campanha, juntamente com o lobby sionista AIPAC e o complexo industrial-militar, e são os donos de seu mandato. Não a turma iludida do MAGA. Por outro lado, somente um político fraco e manipulável aceitaria tal arranjo.

Outro aspecto inerente da democracia liberal ocidental é o partido único. Esqueça toda conversa sobre esquerda e direita. A diferença é apenas estética e não possui qualquer conteúdo de classe. Podemos dizer com pouca possibilidade de errar que não existe esquerda no ocidente, e como Michael Hudson apontou brilhantemente em seu artigo “A necessidade de um novo vocabulário político”:

Os antigos partidos de esquerda se juntaram aos centristas, tornando-se neoliberais pró-EUA. Não há contrapartida na antiga esquerda para os novos partidos nacionalistas, com exceção do partido de Sara Wagenknecht na Alemanha Oriental. A “esquerda” não existe mais da mesma forma que existia quando eu estava crescendo na década de 1950.

Os partidos Social Democrata e Trabalhista de hoje não são socialistas nem pró-trabalho, mas pró-austeridade. O Partido Trabalhista britânico e os social-democratas alemães não são mais nem mesmo antiguerra, mas apoiam as guerras contra a Rússia e os palestinos, e apostam na Reaganomics neoliberal Thatcherita/Blairita e na ruptura econômica com a Rússia e a China.

E continua:

A antiga divisão entre partidos de direita e de esquerda perdeu o sentido. O recente aumento dos partidos descritos como de “extrema-direita” reflete a ampla oposição popular ao apoio dos EUA/OTAN à Ucrânia contra a Rússia e, principalmente, às consequências desse apoio para as economias europeias. Tradicionalmente, as políticas contra a guerra têm sido de esquerda, mas os partidos de “centro-esquerda” da Europa estão seguindo a “liderança por trás” (e muitas vezes por baixo da mesa) pró-guerra dos Estados Unidos. Isso é apresentado como uma postura internacionalista, mas se tornou unipolar e centrada nos EUA. Os países europeus não têm voz independente.

Bingo! O sistema representativo dos países ocidentais degenerou em uma farsa consumada, na qual o ritual da eleição é mantido com o único objetivo de manter a alcunha de “democracia”, mas o voto popular não tem nenhum impacto estrutural. Líderes claramente ineptos como Trump, nomeiam os representantes dos interesses de seus “donos” – que triangulam com as câmaras e parlamentos – para exercer o poder. E com isso concluo meu argumento.


One Comment

  1. Marco said:

    Terrível, mas claro, corretíssimo E como não se pode dormir com um barulho desses, como sonhar?. Agora, é BRICS ou nada.

    20 June, 2025
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