Elogio a Trump

Dmitry Orlov – 30 de abril de 2025

Hoje é o 80º aniversário da ingestão de cianeto de potássio por Adolf Hitler, que depois foi baleado por seu ajudante para fazer com que seu suicídio parecesse heroico e não covarde. De acordo com os arquivos russos recentemente divulgados, seu cadáver incompletamente queimado, encontrado próximo à entrada do Führerbunker, cheirava a amêndoas amargas e foi identificado positivamente pelo trabalho dentário sofisticado (ele tinha dentes horríveis). Isso é algo para se comemorar!

Muito menos significativo, hoje também é o fim dos primeiros 100 dias do segundo mandato de Trump como presidente. Isso, na política americana, por nenhuma razão adequadamente explicada, é considerado o fim do “período de lua de mel”: um período de tempo em que o novo presidente, embora tradicionalmente odiado por quase exatamente 50% do eleitorado, deve receber o benefício da dúvida. Pesquisas de opinião mostram que a lua de mel não foi bem-sucedida; seu índice de aprovação caiu 18% desde sua posse. Ele tampouco é popular entre os amigos: depois de sua oferta incômoda de anexar o Canadá, 64% dos canadenses começaram a ver Trump como inimigo. Uma jogada semelhante com a Groenlândia fez com que as opiniões favoráveis aos EUA entre os dinamarqueses, a quem a Groenlândia pertence há 1.039 anos, caíssem de 52% para 20%.

Além da mera opinião, o desempenho financeiro da economia dos EUA também não agradou a ninguém. A previsão de crescimento do PIB dos EUA agora é de menos 2,5%, enquanto o S&P500 despencou 9,3%. Tudo isso faz com que a segunda vinda de Trump pareça a pior presidência dos EUA em 70 anos. Mas isso é apenas o começo das más notícias, porque a guerra comercial de Trump com o mundo, que ele chamou de “Dia da Libertação” e que consistiu em impor tarifas a todos os parceiros comerciais proporcionalmente ao tamanho de seu superávit comercial com os EUA, deu início a uma reação em cadeia que levará a uma alta da inflação ao consumidor, queda do dólar americano, aumento das taxas de juros e prateleiras vazias nas lojas. Mas esse pode ser apenas um momento ruim. Os EUA vêm apresentando enormes déficits comerciais há décadas e Trump sentiu a necessidade de fazer algo a respeito – um desejo louvável, embora o resultado seja inevitavelmente bastante impopular entre as massas.

Até agora, o esforço não foi bem-sucedido e o déficit comercial bateu recentemente um novo recorde. Trump é um jogador de golfe muito melhor do que um economista. Jeffrey Sachs é um economista melhor, embora não seja um estudante do “stalinismo” econômico e, portanto, não seja exatamente um especialista quando se trata de entender o desempenho estelar de economias centralmente planejadas, como a da China ou a da Rússia. Como disse Sachs, “o déficit orçamentário é o déficit comercial”. É o excesso constante de dólares recém-impressos que permitiu que os EUA vivessem além de suas possibilidades por muitas gerações, enquanto acumulavam uma pilha verdadeiramente gigantesca de dívida nacional, cujos pagamentos de juros agora perdem apenas para os pagamentos de pensão da Previdência Social. Os estrangeiros então investem esse excesso em ações, títulos e imóveis dos EUA, causando inflação de ativos.

Retire qualquer um dos elementos desse quebra-cabeça e o resultado será o colapso financeiro imediato. Se você não fizer nada, obterá o mesmo resultado em um período imprevisível. O que Trump fez até agora foi caminhar até a beira do precipício, olhar para baixo e dar alguns passos para trás: na luta contra os déficits comerciais, ele anunciou suas tarifas, os mercados desmaiaram e ele adiou suas tarifas ou as reduziu. Na luta contra os déficits orçamentários, a iniciativa DOGE, liderada por Musk, conseguiu fazer cortes consideráveis, mas nem perto do trilhão de dólares necessários para fazer a diferença.

Mas não estamos aqui para discutir os fracassos de Trump; queremos elogiá-lo por seus sucessos. Há algum? Eles são enormes, mas de alguma forma são obscurecidos por seus fracassos, que são muito menos significativos. E daí se ele não conseguiu acabar com a guerra na antiga Ucrânia – ele pode simplesmente parar de armar o regime de Kiev e deixar que os russos acabem com ele. E daí se ele não conseguiu anexar o Canadá ou a Groenlândia – quem precisa deles? E daí se os panamenhos não quiserem devolver a Zona do Canal aos EUA e os chineses não quiserem vender seus portos panamenhos? E se os tribunais dos EUA não permitirem a extradição de criminosos que são estrangeiros ilegais? E assim por diante…

O que é realmente significativo é o fato de Trump ter conseguido, em 100 dias, tornar a guerra nuclear muito menos provável. Ele herdou uma Casa Branca que havia sido administrada por um bando de idiotas de classe mundial que achavam que a Ucrânia, armada e comandada por oficiais da OTAN, poderia derrotar a Rússia. Esses idiotas achavam que manter canais de comunicação abertos com a Rússia era totalmente desnecessário.

Como resultado, o mundo estava a apenas um ou dois acidentes de uma troca nuclear na qual a Rússia sofreria algum dano, mas sobreviveria (suas armas estratégicas são todas novas e ela está extremamente bem defendida contra todo tipo de ataque), enquanto os EUA seriam completamente destruídos (suas armas estratégicas são obsoletas e suas defesas estratégicas inexistentes). Em 100 dias, a equipe de Trump restabeleceu o diálogo e os contatos de alto nível com a Rússia, tornando essa guerra acidental extremamente improvável. Essa é uma grande conquista que a imprensa ocidental desconsidera completamente – uma omissão escandalosa.

Também é bastante significativo o fato de que, ao longo do caminho, Trump e membros de seu governo fizeram algumas admissões importantes:

– Que a guerra da Ucrânia é uma guerra por procuração entre a OTAN e a Rússia, provocada pelo governo Biden e que Trump quer acabar o mais rápido possível

– Que essa guerra não pode ser vencida pela Ucrânia de forma alguma e que, se continuar, resultará no desaparecimento da Ucrânia do mapa político

– O fato de a Crimeia ser território russo. Esse último ponto pode parecer trivial (a Crimeia é russa há 241 anos), mas abre a janela de Overton [link adicionado pelo tradutor] no que diz respeito ao redesenho das fronteiras nacionais com base no princípio da autodeterminação. Em seguida, Kosovo se tornará novamente sérvio, Vilnius (Wilno) polonesa e a Bélgica será dividida entre a França e a Holanda (também conhecida como Países Baixos). A simples pergunta (e resposta) “De quem é a Crimeia?” inevitavelmente levará a outras perguntas, como “De quem é Odessa?”, “De quem é Kiev?” e “De quem é Constantinopla?”.

Admitir a realidade é um passo importante para chegar a qualquer tipo de acordo, que é algo que Trump deseja: ele fala constantemente sobre fazer acordos. Ele escreveu um livro intitulado “The Art of the Deal” (A arte do acordo) – ou talvez tenha feito um acordo com um escritor fantasma que o escreveu para ele. De qualquer forma, Trump se considera um grande negociador e acredita em negociar a partir de uma posição de força. E é essa última parte – a posição de força – que tem oferecido algumas surpresas indesejáveis. Que força? A esse respeito, o processo de negociação revelou até agora algumas verdades inconvenientes, mas importantes:

– Nenhuma quantidade de armas, inteligência, treinamento ou comando da OTAN permitirá que os ucranianos vençam a Rússia.

– Nenhuma combinação de sanções, ameaças, promessas ou outras pressões forçará a Rússia a se desviar de seu objetivo de desmilitarização-desnazificação-neutralidade para o que quer que reste da antiga Ucrânia.

– Nenhuma combinação de tarifas, isenções tarifárias, posturas militares ou outras “demonstrações de força” contra a China forçará os chineses a fazer concessões, mas resultará em contramedidas econômicas e financeiras chinesas que certamente serão muito mais devastadoras para os EUA do que para a China, porque a China pode, com algum esforço, substituir os EUA como fornecedor e continuar a expandir sua economia, enquanto os EUA, com sua economia já em retração, dependem totalmente das exportações chinesas.

Negociar a partir de uma posição de força (o suposto lema de Trump) não funciona se a posição de alguém for fraca. Mas essa é outra verdade indesejável, porém importante, que está implícita no próprio slogan favorito de Trump, o MAGA? Se o objetivo é tornar os Estados Unidos grandes novamente, isso implica que eles já foram grandes, mas não são mais, e se já foram fortes, não são mais.

MAGA não é apenas um slogan bordado em chapéus fabricados na China: ele foi o centro da campanha de Trump para reconquistar a Casa Branca. É um slogan revivalista que remete às narrativas bíblicas sobre os reinos de Israel e Judá, que enfatizam períodos de declínio e reavivamento causados por reis iníquos e justos. E Trump certamente se vê como um rei justo, que sucede o perverso Biden. Durante sua recente entrevista com jornalistas da The Atlantic, ele disse: “Eu realmente acredito que o que estou fazendo é bom para o país, bom para as pessoas, bom para a humanidade”. Quanto à centralidade do slogan MAGA, ele disse o seguinte: “Acho que é o movimento político mais importante da história do nosso país, o MAGA.” Acrescente a isso o fato de ele ter se esquivado de uma bala assassina pela graça de Deus (como Trump parece acreditar) e o MAGA assume conotações religiosas que penetram profundamente na psique americana, remontando ao Primeiro Grande Despertar. Essa foi uma onda de entusiasmo religioso entre os protestantes que varreu as colônias americanas nas décadas de 1730 e 1740 e deixou um impacto permanente na religião americana. A ideia de que os Estados Unidos já foram grandes, mas não são mais, deve produzir entre os americanos patriotas um profundo senso de culpa espiritual e um desejo ardente de redenção.

Humildade, contrição, expiação, redenção… isso não seria característico do bombástico e tagarela showman Trump! Quão contrário à sua natureza, ao seu “eu”! E, no entanto, esse é o caminho que os americanos, individual e coletivamente, devem percorrer: o caminho da autorreflexão, da autodisciplina e do autocontrole, resultando em um novo “eu” que seja mais compatível com as circunstâncias em rápida mudança. Ao longo desse caminho, será necessário encontrar novos líderes. A esta altura, já se tornou óbvio que os líderes ocidentais modernos estão atolados em dogmas ultrapassados. Eles continuam a viver em um paradigma no qual o Ocidente é o pináculo da civilização – o melhor, o mais inteligente e o mais avançado. Eles aceitam isso como axiomático, que não exige verificação ou reflexão crítica.

Essa visão cor-de-rosa do Ocidente ignora como ele foi formado: por meio de guerras coloniais intermináveis, roubo, desalojamento e genocídio de povos nativos, destruição de suas culturas, comércio de escravos e ganância, crueldade e opressão patológicas e intermináveis. Mas hoje o Ocidente é seu próprio opressor, sofrendo as consequências de seu próprio dogmatismo e o pesado fardo de seu carma acumulado. Em um mundo em rápida mudança, seu pensamento ossificado se torna fatal, pois a recusa em repensar seu papel no mundo leva à estagnação econômica, crises políticas, perda de solidariedade, propósito comum e coesão interna e, no final, ao colapso.

Quando uma civilização começa a se considerar infalível, suprema e eterna, ela invariavelmente entra em um período de declínio. Essa é a armadilha na qual o Ocidente caiu quando a União Soviética entrou em colapso, sem perceber que ele entraria em colapso em seguida. Os grandes impérios caem não quando surgem ameaças externas, mas quando suas elites param de ver as mudanças no mundo e se recusam obstinadamente a mudar junto com ele. O Ocidente de hoje é um exemplo vívido de como uma ideologia ossificada e complacente pode se tornar não apenas um freio ao desenvolvimento, mas também uma ameaça real ao seu próprio futuro. Outrora o centro do progresso, o Ocidente de hoje perdeu o rumo, obcecado pela adoração a si mesmo e incapaz de resolver suas contradições internas.

Somente o tempo dirá se os Estados Unidos podem ou não se tornar grandes novamente. Mas isso é menos importante do que entender que os Estados Unidos não são mais grandes e devem agir de acordo para evitar o pior cenário possível para si mesmos e para o mundo.


Fonte: https://boosty.to/cluborlov/posts/8dc56ff0-a37e-405c-8599-4f08425f33dd

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