Alastair Crooke – 6 de fevereiro de 2025
Como fazer o impossível? Os Estados Unidos são instintivamente uma potência expansionista, precisando de novos campos para conquistar, novos horizontes financeiros para dominar e explorar. Os EUA foram criados dessa forma. Sempre foi assim.
Mas – se você é Trump, querendo se retirar das guerras na periferia do império, mas ainda assim querendo também lançar uma imagem brilhante de uma América musculosa, expandindo e liderando a política e as finanças globais – como fazer isso?
Bem, o presidente Trump – sempre o showman – tem uma solução. Desdenhar a ideologia intelectual, agora desacreditada, da hegemonia global americana musculosa; sugerir, em vez disso, que essas “guerras eternas” anteriores nunca deveriam ter sido realmente “nossas guerras”; e, como Alon Mizrahi avançou e sugeriu, começar a recolonizar o que já foi colonizado: Canadá, Groenlândia, Panamá – e a Europa também, é claro.
Assim, os Estados Unidos serão maiores; Trump agirá com musculatura decisiva (ou seja, como na Colômbia); fará um grande “show” das coisas, mas, ao mesmo tempo, reduzirá o principal interesse de segurança dos EUA para se concentrar no Hemisfério Ocidental. Como Trump continua observando, os americanos vivem no “hemisfério ocidental”, não no Oriente Médio ou em qualquer outro lugar.
Assim, Trump tenta se desvincular da periferia da guerra expansionista americana – “o exterior” – para proclamar que o “interior” (ou seja, a esfera do hemisfério ocidental) se tornou maior e é inquestionavelmente americana. E isso é o que importa.
É uma grande mudança, mas tem a virtude de começar a ser reconhecida por muitos americanos como um reflexo mais preciso da realidade. O instinto dos Estados Unidos continua sendo expansionista (isso não muda), mas muitos americanos defendem um foco nas necessidades domésticas americanas e em sua “vizinhança próxima”.
Mizrahi chama esse ajuste de dentro para fora de “autocanibalização”: A Europa faz parte da esfera de interesse do Ocidente. Na verdade, a “Europa” se considera sua progenitora, mas a equipe de Trump começou a recolonizá-la – embora ao seu modo.
Robert Cooper, um diplomata britânico sênior enviado a Bruxelas, ficou famoso por cunhar, em 2002, o termo imperialismo liberal como o novo objetivo da Europa. Deveria ser um imperialismo de poder brando. No entanto, Cooper ainda não conseguia deixar de lado o “orientalismo do velho império” europeu, escrevendo:
“O desafio para o mundo pós-moderno é se acostumar com a ideia de padrões duplos. Entre nós, operamos com base em leis e segurança cooperativa aberta. Mas quando lidamos com tipos mais antiquados de Estados fora do continente pós-moderno da Europa, precisamos voltar aos métodos mais rudes de uma era anterior – força, ataque preventivo, engano, o que for necessário para lidar com aqueles que ainda vivem no mundo do século XIX de cada Estado por si. Entre nós, entretanto, mantemos a lei: Mas quando estamos operando na selva, também devemos usar as leis da selva”.
A visão de mundo de Cooper foi influente no pensamento de Tony Blair, bem como no desenvolvimento da Política Europeia de Segurança e Defesa.
No entanto, a elite da UE começou a se ver, de forma otimista, como tendo um status de “império” (real) de primeira linha (influência global), com base em seu controle regulatório de um mercado de 400 milhões de consumidores. Isso não funcionou. A UE adotou o estratagema de Obama que prometia uma estrutura de “controle mental” que afirma que a realidade pode ser “criada” por meio de uma narrativa gerenciada.
Os europeus nunca foram devidamente informados de que um império transnacional da UE implicava (e exigia) a renúncia de suas decisões parlamentares soberanas. Em vez disso, eles imaginaram que estavam aderindo a uma área de livre comércio. Entretanto, eles estavam sendo levados a uma identidade da UE por meio da dissimulação e da gestão cuidadosa de uma “realidade” da UE confeccionada.
Essa aspiração do império liberal europeu – na esteira do ataque cultural de Trump em Davos – parece muito ultrapassada. A atmosfera sugere a passagem de um zeitgeist cultural para outro.
Elon Musk parece ter a tarefa de fazer com que a Alemanha e a Grã-Bretanha saiam da antiga visão de mundo e entrem na nova. Isso é importante para a agenda de Trump, pois esses dois estados são os principais agitadores da guerra para sustentar uma primazia global – em vez de um hemisfério ocidental. No entanto, os fracassos na tomada de decisões da Europa nos últimos anos fazem da Europa um alvo óbvio para um presidente determinado a uma mudança cultural radical.
Há um precedente para a manobra de Trump de dentro para fora: A Roma antiga também se retirou de suas províncias imperiais periféricas para se concentrar em seu núcleo, quando guerras distantes drenaram muitos recursos no centro e seu exército estava sendo superado em campo. Roma nunca admitiu abertamente a retirada.
O que nos leva de volta à “solução radical de dentro para fora” de hoje: Ela parece consistir em “agir como um redemoinho demente” no âmbito interno – que é o que mais importa para sua base – e, na esfera internacional, projetar confusão e imprevisibilidade. Continuar repetindo os clichês ideológicos e as estatísticas contrafactuais do antigo regime, mas, em seguida, reforçá-los com comentários ocasionais contrários (como dizer, em referência ao cessar-fogo em Gaza, que é “a guerra deles [de Israel]” e que os interesses de Israel nem sempre são os dos EUA e, aparentemente como um aparte, que Putin pode já ter decidido “não fazer um acordo” sobre a Ucrânia).
Dizer que Putin é um perdedor na Ucrânia talvez tenha sido mais direcionado ao Senado dos EUA e suas audiências de confirmação em andamento. Trump fez esses comentários dias antes de Tulsi Gabbard enfrentar as audiências do Senado. Gabbard já é criticada pelos “falcões” dos EUA por supostamente ter sentimentos “pró-Putin”, além de ter sido submetida a uma campanha de difamação na mídia pelo estado profundo.
Será que o aparente desrespeito de Trump em relação a Putin e à Rússia (que causou raiva na Rússia) foi dito principalmente para os ouvidos dos senadores dos EUA? (O Senado é o lar de alguns dos mais fervorosos “never-Trumpers” [opositores radicais – nota do tradutor]).
E será que os comentários notórios de Trump sobre a “limpeza” dos palestinos de Gaza para o Egito ou para a Jordânia (coordenados com Netanyahu, de acordo com um ministro israelense) foram feitos principalmente para os ouvidos da direita israelense? De acordo com esse ministro, a questão do incentivo à migração palestina voluntária agora está de volta à pauta, exatamente como os partidos de direita queriam há muito tempo – e muitos no Likud de Netanyahu esperavam. Música para seus ouvidos.
Teria sido, então, um movimento preventivo trumpiano, concebido para salvar o governo de Netanyahu do colapso iminente do segundo estágio do cessar-fogo e da ameaça de um ataque de seu contingente de direita? O público-alvo de Trump, nesse caso, eram os ministros Ben Gvir e Smotrich?
Trump nos confunde de forma incisiva – nunca deixando claro para qual público ele está dirigindo suas reflexões em um determinado momento.
Existe, no entanto, alguma substância sedimentada no comentário de Trump de que qualquer Estado palestino deve ser resolvido “de alguma outra forma” que não seja a fórmula de dois Estados? Talvez. Não devemos desconsiderar as fortes inclinações de Trump em relação a Israel.
Netanyahu enfrenta duras críticas por ter lidado mal com o cessar-fogo em Gaza e no Líbano. Ele tem sido culpado de prometer uma coisa a um parte e o oposto ao outro (um vício antigo): Ele prometeu à direita um retorno à guerra em Gaza, mas se comprometeu com o fim inequívoco da guerra no acordo de cessar-fogo real. No Líbano, por um lado, Israel se comprometeu a se retirar até 26 de janeiro, mas seus militares ainda estão lá, provocando uma onda humana de libaneses retornando ao sul, na esperança de recuperar suas casas.
Consequentemente, Netanyahu, neste momento, é totalmente dependente de Trump. As artimanhas do primeiro-ministro não serão suficientes para livrá-lo das amarras: Trump o tem onde ele quer. Trump conseguirá cessar-fogo e dirá a Netanyahu: nada de ataque ao Irã (pelo menos até que Trump tenha explorado a possibilidade de um acordo com Teerã).
Com Putin e com a Rússia, ocorre o contrário. Trump não tem alavancagem (a palavra favorita em Washington). Ele não tem influência por quatro motivos:
Em primeiro lugar, uma vez que a Rússia recusa firmemente a ideia de qualquer compromisso que “se resuma a congelar o conflito ao longo da linha de engajamento, o que dará tempo aos EUA e à OTAN para rearmar os remanescentes do exército ucraniano – e então iniciar uma nova rodada de hostilidades”.
Em segundo lugar, porque as condições de Moscou para o fim da guerra serão inaceitáveis para Washington, pois não seriam suscetíveis de serem apresentadas como uma “vitória” americana.
Em terceiro lugar, porque a Rússia detém a clara vantagem militar: A Ucrânia está prestes a perder essa guerra. As principais fortalezas ucranianas estão sendo tomadas pelas forças russas sem resistência. Em última análise, isso levará a um efeito cascata. A Ucrânia pode deixar de existir se não houver negociações sérias antes do verão, alertou recentemente o chefe da Inteligência Militar da Ucrânia, Kyrylo Budanov.
Mas, em quarto lugar, porque a história não se reflete de forma alguma na palavra alavancagem. Quando os povos que ocupam a mesma geografia têm versões diferentes e, muitas vezes, irreconciliáveis da história, a transação ocidental de “dividir o espectro de poder” simplesmente não funciona. Os lados opostos não serão movidos, a menos que alguma solução reconheça e leve em conta a história deles.
Os EUA precisam sempre “vencer”. Então, será que Trump entende que a dinâmica inelutável dessa guerra impede a apresentação de qualquer resultado transacional como uma clara “vitória” para os EUA? É claro que ele entende (ou entenderá, quando for informado profissionalmente por sua equipe).
A lógica da situação na Ucrânia, para ser franco, sugere que o presidente Putin deveria aconselhar discretamente o presidente Trump a se afastar do conflito na Ucrânia – para evitar assumir a responsabilidade por um desastre ocidental.
Putin deu a entender nesta semana que o conflito na Ucrânia poderia terminar em semanas, portanto, Trump pode não ter que esperar muito.
Se Trump quiser “vencer” (o que é muito provável), ele deverá ser orientado pelas muitas dicas de Putin: As implantações de mísseis intermediários por ambas as partes estão criando um risco maior e “clamam” por um novo acordo de limitação. Trump poderia dizer que salvou a todos nós da 3ª Guerra Mundial – e poderia haver mais do que um grão de verdade nisso.
Fonte: https://strategic-culture.su/news/2025/02/06/the-greatest-geo-political-showmans-inside-out-political-solution/
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