Atilio A. Boron – 28 de outubro de 2024
O imperdoável veto do governo brasileiro à entrada da Venezuela no BRICS+ não é nenhuma surpresa. Há conflitos profundamente enraizados entre os projetos regionais e internacionais do Itamaraty e os do governo bolivariano. Esse conflito, latente em alguns momentos, manifesto em outros, ocorreu independentemente do que Lula pensava durante seus primeiros oito anos de governo. Depois de muito atrito diplomático, as relações entre Brasília e Caracas só foram normalizadas após a derrota da ALCA, em novembro de 2005.
Mas o ressentimento entre os dois governos, e especialmente entre suas respectivas chancelarias, era como aquelas brasas cobertas de cinzas, aparentemente extintas, mas bastava uma brisa para reavivar o fogo. E o vento soprou forte nas estepes de Kazan.
Para os diplomatas do subimperialismo brasileiro – recorro a essa caracterização de Ruy Mauro Marinii (1) -, a postura internacional de Chávez, seu incansável hiperativismo e o tom fortemente anti-imperialista de seu discurso e de sua prática concreta (como a criação da Petrocaribe, por exemplo) provocaram, desde o início, uma repulsa mal disfarçada nos quadros dirigentes do Itamaraty.
Deve-se ter em mente que, ao contrário do que ocorre na grande maioria dos países, a “autonomia relativa” de que goza o Ministério das Relações Exteriores dentro do aparato estatal brasileiro faz com que suas definições e propostas muitas vezes prevaleçam sobre aquelas que poderiam ser adotadas pelo presidente em exercício, especialmente quando este é um civil. A conduta dessa poderosa burocracia subimperial é regida por um axioma: coincidência, acompanhamento (ou, pelo menos, não confronto) com a política externa dos EUA.
O objetivo desse alinhamento tácito com Washington é preservar a estabilidade da ordem neocolonial na América do Sul e, dentro do possível, impedir o surgimento de governos anti-imperialistas ou, quando isso for impossível, atuar como fator moderador. Em troca, a Casa Branca dá sua bênção à liderança do Brasil na região e até abre as portas para que ele coloque seus representantes em determinadas áreas da estrutura institucional do pós-guerra, como a Organização Mundial do Comércio, por exemplo.
Foi por essa razão que a crescente proeminência internacional de Hugo Chávez submeteu o pacto selado entre Brasília e Washington a fortes tensões. Durante grande parte do primeiro mandato de Lula (2003-2007), as colisões entre Caracas e Brasília eram inegáveis. A administração republicana solicitou repetidamente que Brasília intercedesse para acalmar as águas que estavam sendo agitadas pelo líder bolivariano e que, pouco tempo depois, adquiririam um vigor renovado com o avanço do primeiro ciclo progressista e as eleições que catapultaram figuras como Evo Morales, Rafael Correa, Cristina Fernández e Fernando Lugo à presidência, Tabaré Vázquez e “Mel” Zelaya e, mais tarde, com a criação da UNASUL (2) Washington foi tão longe em seus esforços para fazer com que Lula “acalmasse” Chávez que enviou Condoleezza Rice ao Brasil para interceder junto ao líder bolivariano para que Caracas não desrespeitasse o acordo de cooperação militar entre os Estados Unidos e a Venezuela assinado há cerca de trinta anos e, além disso, para descobrir as “razões pelas quais Chávez havia comprado 70.000 fuzis da Espanha”.70.000 rifles da Espanha”. (3) É claro que essa mediação não surtiu efeito.
As divergências entre Brasília e Caracas continuaram por um longo tempo. Listá-los seria tão longo quanto tedioso. Lembremos apenas dois: a rejeição do governo Lula à implementação prática do Banco do Sul, solenemente fundado em dezembro de 2007, mas paralisado desde seu início principalmente devido à relutância brasileira; e a recusa obstinada do Brasil em admitir a Venezuela no Mercosul. Diante desse cenário, a conduta da delegação brasileira em Kazan era de se esperar. A ausência de Lula devido a um estranho “acidente doméstico” continuará sendo uma das grandes incógnitas da Cúpula de Kazan. Talvez o voto infeliz do Brasil na ONU condenando a “invasão russa” da Ucrânia (4) possa ter desempenhado um papel importante.
Mas a verdade é que, com o veto à entrada da Venezuela como membro associado do BRICS+, categoria que incluía Bolívia e Cuba, o prestígio internacional do Brasil e a necessária solidariedade entre os países latino-americanos foram seriamente prejudicados. O governo Lula cedeu à pressão conservadora de sua própria coalizão de governo e à dos Estados Unidos, para quem manter a Venezuela isolada é essencial para continuar impunemente seu bloqueio criminoso contra esse país. Atacar a Venezuela isoladamente não é o mesmo que atacá-la quando ela já é membro do BRICS+.
O que aconteceu desacredita o Brasil e faz com que seu governo apareça como um parceiro dócil de Washington operando na América Latina, favorecendo a desconexão, para não dizer “desintegração”, entre os países da região, o que alimenta suspeitas sobre as futuras intenções do Itamaraty na arena internacional. É por isso que a ação de Lula em Kazan é um “veto suicida”, pois enfraquece a gravidade internacional do Brasil não apenas na América Latina, mas também ao nível global. O analista brasileiro José Luis Fiori foi direto: “uma América do Sul dividida está perdendo relevância geopolítica e geoeconômica e suas pequenas unidades ‘primário-exportadoras’, em seu isolamento, são completamente irrelevantes no tabuleiro de xadrez geopolítico mundial”. A alternativa seria construir um eixo entre Brasil, Argentina e Venezuela, mas foi isso que foi quebrado este ano com a rejeição de Milei à incorporação da Argentina ao BRICS+ e o veto do Brasil à entrada da Venezuela nessa organização.
Com seu veto, o governo brasileiro privou o BRICS+ da enorme vantagem que daria a esse agrupamento do país com as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo. Objetivamente: enfraqueceu o BRICS+, para o deleite de Washington. Por isso, acredito que esse veto não terá vida longa e que Lula acabará sendo rejeitado, pois poucos erros poderiam ser mais graves no mundo de hoje do que deixar essa enorme reserva de petróleo à mercê dos Estados Unidos, algo que a China, a Rússia, e até mesmo a Índia, não veriam com bons olhos. O que está acontecendo é que o Itamaraty não acredita que o tabuleiro de xadrez internacional já tenha se transformado em um sistema multipolar, daí sua decisão equivocada de vetar a entrada da Venezuela no BRICS+. Ele continua apostando no declínio da hegemonia norte-americana e em uma “ordem mundial baseada em regras” podre, com a qual os EUA defendem seus interesses nacionais.
O Ministério das Relações Exteriores bolivariano estava certo quando descreveu o veto como “um gesto hostil, que se soma à política criminosa de sanções impostas a um povo corajoso e revolucionário”. Dizer que ele “se soma”, em uma linguagem diplomática cuidadosa, equivale a dizer que o Brasil agiu como um peão diligente de Washington, validando as mais de 900 medidas coercitivas unilaterais que afetam esse país irmão e demonstrando uma falta de solidariedade angustiante.
Será que Lula não ouviu que durante a pandemia, no governo do desprestigiado Jair Bolsonaro, pessoas estavam morrendo nos hospitais de Manaus por falta de oxigênio e o presidente Nicolás Maduro ordenou o envio de 107 médicos e seis caminhões-tanque com um total de 136 mil litros de oxigênio para atender a situação dramática nos hospitais daquela cidade? É esse o pagamento do Brasil por esse gesto de solidariedade? Um veto lamentável e imperdoável. O presidente Lula terá uma árdua tarefa pela frente se quiser que seu país recupere a credibilidade e a seriedade, não apenas na ordem regional da América Latina e do Caribe, mas também aos olhos dos principais parceiros do BRICS+, principalmente China, Rússia e Índia. Certamente, não demorará muito para que esse veto fatídico seja revertido, e o presidente brasileiro terá que suportar uma amarga rejeição.
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(1) Consulte Adrián Sotelo Valencia, Subimperialismo y dependencia en América Latina (CLACSO, 2021).
}(2) Sobre esse primeiro ciclo, consulte Klachko, Paula e Katu Arkonada, Desde Abajo. (Buenos Aires, Prometeo: 2016, disponível on-line) e sobre o segundo ciclo progressista, consulte Atilio A. Boron e Paula Klachko, Segundo Turno. El resurgimiento del ciclo progresista en América Latina y el Caribe (Buenos Aires: ediciones varias, 2023). (
3)29 de abril de 200https://www.lanacion.com.ar/el-mundo/lula-pidio-a-chavez-moderar-su-hostilidad-hacia-washington-nid700008/5
(4)Eleonora Gosman, em El DiarioAR, https://www.eldiarioar.com/mundo/empenado-asumir-rol-mediador-global-lula-hablo-zelensky-plan-paz_1_10004942.html 5 de março de 2023
Fonte: https://www.pagina12.com.ar/778307-brasil-un-veto-suicida
Lula comprometeu seu futuro pois muitos países vão olhar para o Brasil e pensar, esse país não é de confiança, ele está dependente das decisões de Warshington.
Lula e seu governo são os responsáveis pelo empobrecimento na Venezuela e na Nicarágua ao vetar a entrada deles no BRICS+ para poderem fugir das sanções injustas e empobrecedoras dos ianques.
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