Lula, Venezuela e realpolitik

Misión Verdad – 18 de outubro de 2024

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, propôs não reconhecer a vitória de seu colega venezuelano, Nicolás Maduro, após sua vitória nas eleições presidenciais de 28 de julho. Em várias declarações, o presidente se distanciou do governo venezuelano, apoiando assim indiretamente a narrativa fabricada de desconsideração dos resultados das eleições.

No entanto, uma visão panorâmica de sua postura permite ver o escopo de sua posição sobre a Venezuela e as dimensões que ela abrangeria.

Além de suas declarações, há laços históricos e áreas de cooperação e interesse bilateral, cuja desarticulação pode ser complexa por diferentes motivos. Isso vai desde coincidências políticas até questões econômicas gerais e de fronteira, em que prevalece a lógica do benefício mútuo.

Lula, 2023: “É o início do retorno de Maduro”.

Durante a visita do Presidente Maduro a Brasília em maio de 2023, os dois líderes assinaram acordos de cooperação estratégica, juntamente com uma declaração conjunta abrangente para promover as relações bilaterais e fortalecer o desenvolvimento entre os dois países. Como é sabido, os laços diplomáticos se deterioraram durante a administração do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro.

Os acordos acima mencionados foram estabelecidos em uma extensa agenda de 55 pontos específicos, que incluiu diferentes questões de interesse comum nos campos político, econômico, financeiro, social, humanitário, ambiental, diplomático, alimentar, de segurança, de saúde e de energia.

Outras questões sociais, como a luta contra o racismo, a discriminação, os direitos humanos e as políticas de igualdade para as mulheres e a diversidade de gênero, faziam parte das intenções conjuntas, que iam além do bilateral e faziam parte de uma tentativa de relançar iniciativas de soberania e justiça social na região.

Um destaque do que Lula chamou de “o início do retorno de Maduro” ao nível regional é a criação de um programa binacional para o desenvolvimento sustentável da fronteira amazônica comum, incluindo a reconexão da eletricidade no norte do Brasil.

Em agosto desse ano, no âmbito da Cúpula Amazônica realizada no Brasil nos dias 8 e 9 de agosto, pela primeira vez em 14 anos, a Venezuela alertou sobre a voracidade das multinacionais farmacêuticas e alimentícias que concentram os mercados globais e geram imensas desigualdades. Essa afirmação foi feita pela vice-presidente executiva, Delcy Rodríguez, representando o presidente Maduro, que não pôde comparecer devido a problemas de saúde.

Embora a Bolívia, o Brasil, a Colômbia, o Equador, a Guiana, o Peru, o Suriname e a Venezuela, como países membros, não tenham estabelecido metas comuns em questões fundamentais, como a luta contra o desmatamento, foi estabelecido um ponto de inflexão na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) com o objetivo de avançar em questões de defesa e soberania sobre os recursos naturais da bacia.

As manobras que aguardam Lula

Em suas declarações após 28 de julho, Lula não endossou o candidato da oposição, Edmundo González Urrutia, como o suposto vencedor. No entanto, sua posição levantou algumas questões sobre o desenvolvimento da relação bilateral, embora o líder brasileiro tenha descartado o rompimento dos laços diplomáticos. Certos elementos sugerem que o líder brasileiro terá de fazer manobras diplomáticas para garantir os laços entre os dois países.

Politicamente, o presidente brasileiro, que em maio de 2023 criticou a União Europeia (UE) por ter reconhecido ilegalmente Juan Guaidó, enfrenta o desafio de não cometer o mesmo erro de Bruxelas. Definir o relacionamento com a Venezuela com base na narrativa de “fraude”, promovida pelos EUA e pela UE, o prenderia tanto quanto o extinto Grupo de Lima, que buscou desmantelar iniciativas de integração regional ao servir de plataforma para a intenção de “dividir e conquistar” forjada por Washington.

Para o presidente brasileiro, a Venezuela é um dos poucos membros da Celac com os quais ele pode contar para fazer progressos sólidos em sua visão estratégica de desenvolvimento na América Latina, que, como ele disse na cúpula de janeiro de 2023, “deve ir passo a passo com a redução da desigualdade”.

A liderança do Brasil na região depende da cooperação com seus dez vizinhos, uma das aspirações do país amazônico, que é mediada por sua busca por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Nesse sentido, as coincidências programáticas com o governo bolivariano são essenciais para a reativação de espaços como a Celac e a Unasul.

As relações comerciais entre os dois países têm se baseado no setor agroalimentar. Quase 40% das exportações da Venezuela para o Brasil em 2022 consistiram em fertilizantes, o que é uma vantagem para a agroindústria brasileira, que, por sua vez, é um setor-chave de sua economia. Além disso, o Caribe venezuelano continua sendo uma rota logística e comercialmente atraente para os Estados Unidos.

Resta saber se a realpolitik levaria Lula a ser, mais uma vez, pragmático e optar pelo respeito aos assuntos internos da Venezuela. Seus dilemas, que já foram analisados por Misión Verdad em profundidade, aumentam com a evolução da realidade geopolítica global.

Oportunidades de energia

Outro desafio para Lula é expandir os níveis de cooperação energética com a Venezuela. Na reunião de maio de 2023, a Venezuela ratificou seu compromisso de oferecer segurança no fornecimento de eletricidade ao estado brasileiro de Roraima, reconectando a infraestrutura existente desde o final da década de 1990. Isso foi desativado em 2019 por decisão política do então presidente Jair Bolsonaro, que era um promotor do Grupo Lima.

Além disso, a Petrobras, estatal brasileira, é acionista (36%) da joint venture Petrowayuu, juntamente com a Petróleos de Venezuela e a empresa norte-americana Williams International Oil & Gas (4%). A empresa, fundada em 2006 e que opera no campo La Concepción (Zulia), iniciou a reativação de oito poços em abril passado como parte do plano de recuperação da produção de petróleo do setor de hidrocarbonetos da Venezuela. O campo de 214 km2 constitui uma oportunidade de negócios e um fortalecimento do intercâmbio de energia entre os dois países.

A incorporação do Brasil à OPEP+, que teve início em janeiro passado, confere ao país um papel estratégico na região, já que é o segundo país a ingressar na organização e um dos dez maiores produtores do mundo. Nesse espaço, a cooperação com a Venezuela é obrigatória.

O aprofundamento das alianças energéticas com a Venezuela poderia promover projetos de investimento em favor da integração energética que garantam um aumento no valor agregado do petróleo bruto e do gás, com a produção de produtos petroquímicos necessários para a sustentabilidade do desenvolvimento na América Latina e no Caribe.

O modelo de integração energética que o Comandante Hugo Chávez e Lula almejavam durante o primeiro mandato do presidente brasileiro incluía elementos como “a solidariedade entre as populações, o direito soberano de administrar a taxa de exploração dos recursos naturais não renováveis e esgotáveis, a integração regional em busca da complementaridade das nações e o uso equilibrado dos recursos no desenvolvimento de seus povos”. Essa visão soberana constitui um pilar da relação Caracas-Brasil.

Além do acima exposto, o resultado da eleição nos EUA será crucial para a perspectiva e a abordagem do presidente brasileiro em relação à Venezuela. Uma eventual vitória do ex-presidente Trump implicaria em uma maior urgência em projetar sua liderança na região, dada a simbiose do bolsonarismo com o magnata. Para tanto, a Venezuela é fundamental para a equação.

Para Lula, os dilemas em relação à Venezuela continuam vivos. Cabe a ele manter-se atento ao que está acontecendo no mundo – e no Brasil – para assumir posições definitivas e aproveitar as oportunidades que tiver. É possível que elas não sejam as mesmas entre hoje e 10 de janeiro. A realpolitik imporá os limites de seu desempenho.


Fonte: https://misionverdad.com/globalistan/lula-venezuela-y-la-realpolitk

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