Kamala Harris merece ser apoiada pelos progressistas?

Paulino Cardoso(*) – 25 de julho de 2024

Nosso amigo Quantum Bird, em artigo recente, afirmou: “o derretimento da democracia liberal ocidental segue em ritmo frenético. E os Estados Unidos seguem isolados na vanguarda do movimento.”

De fato, os últimos capítulos da novela eleitoral estadunidense, revela como os suspeitos de sempre, uma combinação mortal de grandes famílias doadoras, que se confundem ou não com as elites corporativas, parecem ter se cansado de um dos seus fiéis cães de guerra, Joe Biden, que após 47 anos de bons serviços perdeu os dentes. Como marionetes no circo, Barack Obama e Nancy Pelosi, e ainda com algum espaço para o misto de ator e gangster arrecadador, George Clooney.

Não deixa de ser interessante, que o golpe começa não no último fim de semana, mas ainda em junho, quando da organização de um debate entre candidatos, antes mesmo de suas confirmações em convenções nacionais de ambos partidos.

Qual o sentido, se não expor as debilidades do presidente Biden, naturalmente candidato ao cargo, confirmado pela eleição de delegados nas primárias do Partido Democrata?

Ato contínuo temos a tentativa de assassinato de Donald Trump. Diferente dos democratas, um sujeito rude, tosco, mas que soube explorar como ninguém uma linha de atuação muito bem capturada por Chris Hedge, aqueles que passaram por profundas mudanças econômicas e políticas foram informados de que o seu sofrimento não resultava do militarismo desenfreado e da ganância corporativa, mas de uma ameaça à integridade nacional. Ou seja, “O antigo consenso que sustentava os programas do New Deal e o estado de bem-estar social foi atacado como facilitador da juventude negra criminosa, das “rainhas do bem-estar social” e de outros alegados parasitas sociais.”

Percepção muito bem mobilizada por republicanos desde Ronald Reagan nos anos 1980. Acrescente, o sonho para essa gente empobrecida, sobretudo branca, de trazer de volta os bons tempos. Fazer a América grande novamente, MAGA por suas iniciais em inglês. Ao que parece queriam substituir o rufião, egocêntrico, por algum candidato republicano sem expressão.

Como bem afirma Andrew Korybko, como” (…) Trump sobreviveu e era óbvio que sua liderança sobre Biden havia se tornado grande demais para ser fraudada, a decisão foi trocar Biden por Kamala em vez de passar por uma convenção democrata aberta para ungir quem quer que a elite realmente quisesse em seu lugar. Alguns dissidentes da elite ainda podem causar problemas para tentar tirá-la do caminho, mas sua coroação parece ser um fato consumado neste momento. A rapidez com que tudo isso se desenrolou aponta para uma trama pré-planejada (mas parcialmente improvisada).”

Ela foi indicada por um morto vivo que não veio a público explicar sua desistência. Ela não concorreu às primárias. Lembrem-se, não é a primeira vez que se dá um golpe no Partido Democrata para impor um nome palatável. Foi o caso da própria indicação de Joe Biden, pois entrou pela janela nas primárias derrotando Bernie Sanders em 2020. Curiosamente, sua equipe de campanha de Kamala já informou que a mesma arrecadou cerca de 100 milhões de dólares e convenceu 2000 delegados a declarar voto à nova rainha coroada.

Falando em rainha, é interessante a euforia das mídias corporativas e alternativas com a solução Kamala contra o novo Hitler, o representante da Extrema Direita, Donald Trump. Ao que tudo indica, não aprenderam nada com as eleições na França. Os mesmos que condenam Nicolás Maduro na Venezuela, agora torcem pela primeira mulher negra na presidência dos EUA.

Parece que desconhecem a vida pregressa de Kamala Harris como procuradora distrital e procuradora chefe pela Califórnia. Para isso vamos fazer uso de um artigo da professora Marjorie Cohn, de 2019, mas ainda válido no que importa, Kamala Harris é uma servidora da injustiça.

Harris, atuou como promotora distrital de São Francisco de 2004 a 2011 e procurador-geral da Califórnia de 2011 a 2017, descreve a si mesma como uma “procuradora progressista”, afirma Marjorie. O histórico de Harris como promotora, no entanto, está longe de ser progressista. Um exemplo, seu pedido de desculpas pela flagrante má conduta do Ministério Público, da sua recusa em permitir testes de DNA a um presidiário provavelmente inocente no corredor da morte, da sua oposição à legislação que exige que o gabinete do procurador-geral investigue de forma independente os tiroteios policiais e muito mais, ela deu uma contribuição significativa à sórdida história do crime e injustiça que ela denuncia.”

Punitivista, não acredita na reabilitação de apenados e afirma que o trabalho dos presos era importante para a economia da Califórnia. Neste sentido, recomendo a todos o brilhante documentário 13ª Emenda. 2016, dirigido e produzido por Ava DuVernay, que explicita como a criminalização dos negros é fundamental para reatualizar a escravidão.

Para as que pouco conhecem da história do movimento feminista nos EUA, sugerimos a leitura do livro de Angela Davis, Mulheres, Raça e Classe, Boitempo, 2016, há pérolas como “O mito do estuprador negro”, quando as feministas radicais compreenderam que o foco na violência das feministas brancas estava centrada na perversa tradição estadunidense de criminalizar o homem negro.

Contudo, voltando à professora Marjorie, um dos lados mais perversos da nova rainha dos identitários, foi como ela impediu a investigação sobre o rei das hipotecas. Segundo ela, embora muitas das ações judiciais de Harris tenham prejudicado pessoas de cor, uma ação notável ajudou o “rei da execução hipotecária” branco – Steve Mnuchin, [que se tornou] secretário do Tesouro de Trump. Ele foi CEO do OneWest Bank de 2009 a 2015. Um 2013 memorando obtido por A Interceptação alega que “OneWest expulsou proprietários inadimplentes de suas casas, violando estatutos de notificações e período de espera, documentos importantes ilegalmente retroativos e leilões de execução hipotecária efetivamente manipulados”.

Após uma investigação de um ano, a Seção de Direito do Consumidor do procurador-geral da Califórnia “descobriu evidências sugestivas de má conduta generalizada”. Em 2013, eles recomendaram que Harris processasse uma ação civil contra o banco.“Sem qualquer explicação, o escritório de Harris recusou iniciar o litígio no caso. Esse homem foi responsável por executar hipotecas de 80 mil famílias.

Se você ainda não está convencido, lembre-se que em 2017, ainda no Governo Trump, Harris fez um longo discurso contra o Irã, acusado de armar terroristas do Hezbollah e do Hamas e aprovando a liberação de bilhões de dólares para Israel. Não por acaso, ela recebeu 5,7 milhões de dólares do lobby sionista.

Por todas estas razões é difícil compreender a capitulação ideológica dos setores progressistas brasileiros com a coroação, já que não seguiu as regras partidárias, de Kamala Harris como candidata pelos Democratas à presidência dos EUA, ela é antes de tudo, expressão da falência dos Estados Unidos como modelo de democracia liberal para o mundo. E do ponto de vista do Sul Global, trata-se da entronização de uma carniceira, cruel e monstruosa. Não há nada a defender aqui. Todo o conflito interno do

Império, intensifica seu declínio e nos deixa respirar em paz.


(*) Paulino Cardoso é historiador, analista geopolítico e editor do Blog Mundo Multipolar

2 Comments

  1. Quantum Bird said:

    Obrigado Lucas, de fato, notificamos o autor e ele atualizou seu texto.

    25 July, 2024
    Reply
  2. Lucas said:

    Revisão ortográfica no texto. Algo incomum aqui no site, mas esta publicação está com bastante erro de escrita. Nada sobre o conteúdo. Apenas uma revisão mesmo.

    25 July, 2024
    Reply

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