Cris Mare(*) – 17 de julho de 2024
Talvez o que mais me atraia em Sex and The City, uma série do final da década de 90, de autoria de Darren Star, Judy Toll, Candace Bushnell, que se passa em New York, são as aventuras de mulheres falando sobre sexo, relacionamentos, amizade, medos, sem dúvidas, um quarteto bem humorado. Suas seis temporadas estão em catálogo desde abril na Netflix.
Algumas críticas já apontam que a série continua empolgante e atual para os dias de hoje, entretanto, não contempla todo o leque de diversidade. Acredito que se a série fosse produzida hoje, mesmo diante da representação do mundo de mulheres brancas de uma classe média alta, em relacionamentos com homens ricos, ou quase, portanto, também brancos.
Seria necessário colocar o multiculturalismo em ação, afinal a representação nas telinhas e em toda parte nos dá a efêmera sensação que a única classe existente é o capitalismo e a nossa competência.
É certo que ali nos encontramos com o embrião do feminismo como estilo de vida, sem mencioná-lo, sem essa coisa piegas, de um feminismo feito ao toque de toda e qualquer mulher. Desde que se possa consumir o slogan women’s empowerment (empoderamento feminino) em camisetas, estojos, filmes e nas passarelas. Meninas, o feminismo liberal estava prestes a popularizar-se em todo o Ocidente, e naquela época, ainda era tema apenas para algumas de nós.
Assistindo Sex and the City, com aquelas mulheres super poderosas que irão influenciar todas as novas gerações de mulheres dentro do sistema capitalista — e fora dele, afinal o que foi a epifania ocidental gritando pelas mulheres afegãs, após os EUA e seus parceiros da OTAN, permanecerem no Afegão por duas décadas, ao serem expulsos, todos nós nos solidarizamos com as descobertas mulheres afegãs. De repente, elas se tornaram pauta. Se somos mulheres, ou se você não é um machista, era preciso posicionar-se, pois agora não seriam mais protegidas pelo império dos direitos humanos.
Afinal, o que esperar de um país da periferia do capitalismo, senão o repúdio àqueles homens não ocidentalizados, barbudos, criadores de cabras, contra a luz que ilumina e se outorga dona de todos os recursos naturais do planeta, inclusive dos nossos.
Ali compreendemos que a mulher é uma categoria universal válida para todo o planeta, se esse modelo de mulher não for seguido, é preciso que o Ocidente, aos moldes da civilização versus barbárie, traga a boa nova. Quer você as conheça ou não, Charlotte, Carrie, Samantha, e Miranda produzirão um norte do que é ser mulher.
Em um dos encontros entre as amigas, Charlotte, em diálogo com Miranda que neste momento estreava um relacionamento sério com um garçom, afirma: Você não pode namorar um homem da working class (classe trabalhadora). Não é apenas uma diferença de salário, mas de educação e origem. Carrie ri – Não falamos mais disso. Então vocês fingem que a classe não existe mais? Neste exato momento, Charlotte olha para as mulheres que estão massageando seus pés e as protagonistas ficam um tanto constrangidas. Fiquei pensando qual foi o momento em que as mulheres, cujos pés acariciamos, cujos filhos cuidamos, cujas casas limpamos, nos fizeram acreditar que seus problemas são os nossos.
É claro, ao assistir a série não nos importamos com as centenas de figurantes que estão o tempo todo servindo os ricaços de Manhattan, como em um conto de fadas, diria um conto de fadas burguês, esquecemos a origem, a educação e acreditamos que seremos ricas e bem sucedidas como uma Miranda, sem ter a sua origem, ou a sorte ainda que frívola de uma Carrie, que ao menos por pouco tempo pôde sonhar em casar-se com o Senhor Big.
Agora, se você for muito bonita, atraente e souber usar a sua sensualidade com eficácia, quem sabe a oportunidade de uma Samantha ao ser percebida por um multimilionário, aceitar encontros com alguém nada atraente aos olhos dela, a não ser pelo fato que os encontros lhe rendam joias e uma boa vida. Claro, assim como a fantasia de ter uma ilha só para si.
Acho que eu ri. Mulheres e interesses, ou mulheres que sabem usar seus encantos a fim de alcançar seus objetivos, seja no relacionamento com velhotes, jogadores ou personagens famosos. Não, isso soa muito estranho, as mulheres mudaram muito. Afinal, com estudo, trabalho duro e resiliência, o céu é o limite para as mulheres que cresceram sobre a emergência do feminismo liberal.
Quiçá a série traga temas que nada tem a ver com as mulheres super empoderadas de nosso tempo, afinal, o avanço de um neoliberalismo que destrói a vida e a esperança de todas nós, não deve entrar na pauta de mulheres super empoderadas, o que nos define é sermos uma mulher. Classe é uma categoria muito abstrata que nada tem a ver com os dramas atuais, assim como Carrie, o nosso mundo afirma- não faz mais sentido falarmos de um mundo dividido em classes, afinal a única classe que existe é a capitalista, onde você é e se transforma em tudo aquilo que quiser e que seu dinheiro possa comprar…
(*) Cris Mare é professora e historiadora
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