18/4/2020, Elijah J. Magnier, Blog
O presidente Donald Trump levou adiante o assassinato do major-general Comandante da Brigada Quds do Corpo de Guardas Revolucionários do Irã Qassem Soleimani, encorajado pelo primeiro-ministro de Israel Benyamin Netanyahu. Israel jamais se atreveu a assassinar Soleimani, por mais que o comandante iraniano estivesse sempre no radar do estado judeu, em todos os seus passos indo e vindo entre o Irã e Beirute, Damasco, Bagdá, Erbil e outros estados.
Na noite de 1º de janeiro, Soleimani retornou a Damasco, vindo de Beirute, onde visitara o secretário-geral do Hezbollah Said Hassan Nasrallah. Como todas as manhã quando estava na Síria, Soleimani convocou todos os seus oficiais com base no Levante para uma reunião logo depois das orações da manhã. Naquele dia, diferente do habitual, permaneceu reunido com seus oficiais por mais de 12 horas, até sair para o aeroporto de Damasco, para voar para Bagdá.
Netanyahu é esperto demais para assassinar Soleimani diretamente ou concordar com o assassinato em Beirute ou Damasco: sabe perfeitamente que num minuto desabaria uma tempestade de mísseis sobre Israel. Ambos, Netanyahu e Trump – segundo as fontes – acreditavam que a arena iraquiana estivesse “queimando sob os pés” dos iranianos.
Imagem: Abu Mahdi Al-Muhandes, Said Hassan Nasrallah e Qassem Soleimani.
No Iraque, havia manifestações em toda a parte sul do país dominada por maioria xiita, inclusive na capital, Bagdá. Os EUA podem ter imaginado que o Irã já não tivesse qualquer privilégio no Iraque, especialmente depois que uma dúzia de jovens incendiaram os consulados em Karbala e Najaf. Mas o povo na rua protestava contra a corrupção de políticos iraquianos, pela falta de empregos e pela falta de infraestrutura básica: ninguém na rua protestava contra o Irã.
Os EUA supuseram, erradamente, que estivessem contados os dias da Força de Mobilização Popular [ing. Popular Mobilisation Force (PMF)] – grata ao rápido apoio militar do Irã nos primeiros dias da ocupação pelo ‘Estado Islâmico’ [ing. ISIS], quando os EUA esquivaram-se de enfrentar e derrotar o grupo terrorista e não entregaram armas compradas e pagas que deviam a Bagdá. O governo dos EUA imaginou que, a 10 mil quilômetros de distância do Iraque, conseguiria manter hegemonia intacta e não contestada, como única autoridade no Oriente Médio. E montou uma ‘bem-sucedida’ campanha jornalístico-midiática contra as PMF, apresentando-as como “uma milícia iraniana”.
Foram incentivadas manifestações nas cidades xiitas do Iraque, com o objetivo de impedir que os iranianos alcançassem seu objetivo, de tornar o Iraque mais estável. Tiveram sucesso, dado que até a mais alta autoridade religiosa no Iraque, Said Ali Sistani, cedeu às demandas dos EUA e pediu – e conseguiu – a renúncia do primeiro-ministro Adil Abdul Mahdi. O poder constitucional foi ferido, e a estabilidade do país ficou em perigo. Líderes xiitas não conseguiram chegar a um acordo quanto a um nome para liderar o país. Soleimani não conseguiu convencê-los a escolher um nome que contasse com o apoio da maioria. Nessa conjuntura, os EUA assassinaram Soleimani e al-Muhandes.
Imagem: Manifestações em Bagdá contra o assassinato, pelos EUA dos comandantes Abu Mahdi Al-Muhandes e Qassem Soleimani.
O assassinato empurrou mais de um milhão de manifestantes para as ruas, em protesto contra a presença dos EUA no Iraque e em luto pelo assassinato de seu líder al-Muhandes, que combatera durante anos contra o ISIS. Pela primeira vez, todos os grupos, partidos políticos e organizações estavam unidos sob palavra de ordem unificada: Forças dos EUA têm de sair do Iraque já. O Parlamento iraquiano reuniu-se e 173 membros votaram pela imediata retirada das tropas norte-americanas. Portanto, o preço de terem assassinado Soleimani e Muhandes nada tinha de barato. As mesas haviam sido viradas, jogadas sobre o presidente Trump e seu aliado Netanyahu. Depois do assassinato, não se viu mais nenhum manifestante em nenhuma rua do Iraque.
Trump, sem querer, deu ao Irã e às Forças de Mobilização Popular tremendo estímulo, o mesmo Trump que acreditava que os aliados do Irã ficariam órfãos, sem seus os dois comandantes. Fato é que várias novas organizações iraquianas nasceram nas semanas seguintes ao assassinato e já demonstraram suas consideráveis capacidades militares ao divulgar imagens de vídeo, colhidas por drones, em que se veem detalhes da superprotegida embaixada dos EUA em Bagdá e da base aérea norte-americana Ayn al-Assad. Outro grupo mostrou a explosão de dois Dispositivos Explosivos Improvisados, separadas por intervalo de um minuto, contra caminhões que transportavam veículos militares dos EUA.
Politicamente, o presidente Barham Saleh primeiro escolhera candidato anti-Irã e pró-EUA, Adnan al-Zurfi. Isso, quando o líder do Conselho Nacional Iraniano almirante Ali Shamkhani, seguido por Ismail Qaani, visitaram o Iraque. Mas logo Al-Zurfi foi removido e substituído por primeiro-ministro aceitável para Teerã. Os EUA já retiraram soldados de 6 bases e centros, e nenhum soldado dos EUA pode andar ou dirigir pelas ruas do Iraque, sem se tornar, automaticamente, alvo móvel.
Imagem: Dia 3/1/2020, o carro em que viajavam Qasem Soleimani, Abu Mahdi Al-Muhandes e companheiros foi atingido por drones norte-americanos na estrada que leva ao aeroporto de Bagdá.
No front palestino, Qaani reuniu-se com o Hamas, com a “Jihad Islâmica”, com a Frente Popular Palestina e todos os grupos palestinos que operam em Gaza. A primeira reunião aconteceu em Teerã, seguida de outras em Damasco e Beirute. Qaani está determinado mais que nunca a apoiar os palestinos. Israel sabe das capacidades militares dos palestinos, consciente de que qualquer confronto no futuro cobrará alto preço.
Trump queria que o assassinato de Soleimani ‘virasse o jogo’. Acabou por semear um turbilhão para si mesmo: guerra aberta com aliados do Irã no Iraque. O secretário-geral do Hezbollah Said Hassan Nasrallah disse: “O preço pelo assassinato de Soleimani será a saída forçada dos soldados dos EUA, do Iraque”. Significa que, no Iraque, qualquer soldados dos EUA é alvo potencial. Eis em ação a gloriosa política de Trump para o Oriente Médio!
Trump queria trocar as Regras de Engajamento e planejava “ficar com tudo”. Acabará por ter de pedir que os iraquianos lhe concedam uma “retirada honrosa” da Mesopotâmia. O assassinato de Soleimani ofereceu ao “Eixo da Resistência” o que o Irã, de outro modo, dificilmente obteria do Iraque – a retirada dos EUA. A perda de Soleimani e Muhandes fortaleceu a posição do Irã em várias frentes. O Irã voltou à sua “melhor política” de antes, a uma tradição testada e várias vezes confirmada de arrancar sucessos, de cada um dos maus passos dos EUA no Oriente Médio.
Dia 3/1/2020, um drone dos EUA assassinou o major-general Comandante da Brigada Quds do Corpo de Guardas Revolucionários do Irã Qassem Soleimani, no aeroporto de Bagdá. Soleimani fora ao Iraque, a pedido do primeiro-ministro Adil Abdel Mahdi, no trabalho de mediação entre Irã e Arábia Saudita – seguindo pedido do presidente Donald Trump, que contava com que o Iraque convenceria o Irã a desescalar as altas tensões que dominavam o Oriente Médio. Soleimani também fora nomeado pelo governo do Iraque conselheiro militar para a guerra contra o ISIS. Quis o destino que o comandante iraquiano Abu Mahdi al-Muhandes tivesse ido ao aeroporto para dar as boas-vindas a Soleimani, e fosse também assassinado pelos EUA. Hoje já se passaram 100 dias. Quais os objetivos dos EUA – e o que conseguiram, realmente Sardar (Comandante) Soleimani também liderava o “Eixo da Resistência” que vai de Gaza, Beirute, Damasco, Bagdá, Teerã, até Sanaa.
Depois do assassinato de Soleimani, o líder da revolução socialista iraniana, Said Ali Khamenei substituiu-o por seu-vice-comandante, general Ismail Qaani. O próprio Soleimani nomeara Qaani como seu substituto, em caso de ser martirizado, martírio ao qual Soleimani aspirara por muitos anos.
A primeira visita do general iraniano Qaani foi à Síria, onde se reuniu com o presidente Bashar al-Assad (várias vezes). Também visitou a linha de frente em Aleppo e Idlib (cidade que se tornou “o maior paraíso seguro para a Al-Qaeda, desde o 11/9“), e reuniu-se com comandantes de campo, para ter experiência direta do terreno onde combatem seus oficiais e aliados, prontos para retomar o controle da rodovia M4 que liga Aleppo a Latakia, se a Turquia fracassar e não remover os jihadistas ao longo da rodovia.
Fontes próximas dos líderes do “Eixo da Resistência” disseram que o general Qaani “confirmou ao presidente Assad o total apoio do Irã à luta pela estabilidade e pela unidade do território sírio, e seus esforços para libertar o país de todas as forças de ocupação. O presidente Assad agradeceu ao general iraniano e manifestou seu agradecimento pelo apoio iraniano, em tempos de tão duras sanções, e da disseminação do coronavírus.”
Imagem: Qassem Soleimani com o major-general Mohsen Rezaei (Foto Al-Ahed)
Em Damasco, Qaani reuniu-se com líderes palestinos e reafirmou o que já ficara decidido em Teerã e o compromisso do Irã de apoiar a causa palestina. Qaani também visitou o Líbano, onde se reuniu com o secretário-geral do Hezbollah Said Hassan Nasrallah; e viajou ao Iraque para se reunir com oficiais, como fizera seu antecessor Qassem Soleimani.
O comandante iraniano levou uma mensagem a todos os membros do “Eixo da Resistência” com os quais se encontrou: para o Irã, o “Eixo da Resistência” é parte da segurança nacional iraniana; o Irã está determinado a ampliar o apoio que dá a todos os seus aliados, conforme as necessidades. O líder da Brigada Quds do IRGC caminha sobre as pegadas de seu antecessor Qassem Soleimani, no trabalho de modelar relacionamentos pessoais com todos os aliados.
Os funerais de Soleimani e Abu Mahdi al-Muhandes reuniu milhões na ruas do Irã, acompanhando os líderes do país. Antes do assassinato desses líderes, o Irã enfrentava agitações de rua, causados por forças interessadas na desestabilização do país. Foram incendiados mais de 731 bancos, 307 automóveis e 1.076 motocicletas; 140 logradouros públicos e 70 postos de gasolina foram danificados – evidência da intenção tangível por trás das ‘manifestações’. Depois do assassinato, o Irã está mais unido que antes, apesar do empenho dos EUA, que tenta paralisar o país com sanções muito duras.
Imagem: Os dois comandantes da Brigada Quds do IRGC, Qassem Soleimani e Ismail Qaani.
O Presidente Trump e a sua administração acreditavam erradamente que os iranianos considerariam o assassinato uma oportunidade para se levantarem contra a liderança, pensando que assim o IRGC sairia enfraquecido. O resultado foi totalmente o oposto. Na verdade, o presidente dos EUA ofereceu um presente único à unidade e solidariedade dos iranianos – que só poderia ser alcançado como reação ao assassinato de uma figura nacional do porte de Soleimani. Não porque Soleimani fosse indispensável, mas porque em todos os casos o país consideraria inaceitável o assassinato de um comandante que liderou a guerra contra a Al-Qaeda e o ISIS para proteger o Irã contra os Takfiri.
Dois grandes comandantes foram assassinados por um líder arrogante que claramente teve grande prazer ao acompanhar “os últimos minutos”, antes de o drone matar Soleimani e Muhandes no aeroporto de Bagdá –terreno neutro onde os EUA deveriam saber respeitar as regras do país.
A reação foi espetacular e inesperada: Said Ali Khamenei foi visto na sala de operações, distribuindo ordens para atingir alvos norte-americanos. Além disso, o Irã utilizou os seus lançadores baseados em caminhões para disparar os seus mísseis Qiam movidos a combustível líquido contra bases norte-americanas em Ayn al-Assad Anbar e Erbil, no Iraque. A utilização de um combustível líquido em vez de sólido indica que o Irã preparou os mísseis em horas, não em minutos, como seria o caso se usassem combustível sólido. O objetivo aí foi bem claro: os iranianos queriam que os satélites dos EUA vissem os preparativos.
De fato, a administração americana enviou telegrama urgente à embaixada suíça em Teerã, avisando o Irã contra a iminência de algum ataque, e dizendo que viria com potência de fogo não proporcional. O Irã respondeu dando a localização exata dos seus alvos – as duas bases norte-americanas; e acrescentaram que todas as bases militares dos EUA seriam bombardeadas, no caso de os EUA retaliarem. A importância deste “diálogo” revela as consequências do assassinato de Soleimani pelos EUA: o Irã, pela primeira vez, desafiou abertamente a superpotência; advertiu-a da sua intenção de bombardear e especificou os alvos. Assim, não apenas ignorou a ameaça dos EUA, como respondeu com outra ameaça. Isso os EUA não viam nem experimentavam, desde a Segunda Guerra Mundial.
O Irã não utilizou os seus aliados para atacar os EUA mas, sob o olhar atento do mundo, desafiou a superpotência que rodeia o Irã com dezenas de bases militares. O custo do assassinato de Soleimani vai entrar para os livros de História e confirma o declínio do império americano. Um pequeno país com capacidade militar relativamente limitada desafiou e atingiu a superpotência com todas as suas forças militares espalhadas pelo mundo.
Imagem: O Líder da Revolução Islâmica do Irã Said Ali Khamenei.
Os EUA assassinaram Soleimani, e o Irã fuzilou o orgulho e a imagem dos EUA. O presidente dos EUA tornou-se motivo de chacota, quando mais tarde anunciou que mais de 100 soldados americanos teriam sido diagnosticados com lesões cerebrais traumáticas. O impulso dado ao “Eixo da Resistência” foi sem precedentes. Os países do Médio Oriente não estão habituados a derrotar inimigos poderosos e há muito tempo mantinham-se na defensiva.
Ao mesmo tempo que os EUA acreditavam que estariam quebrando a espinha dorsal do Irã com as duríssimas sanções de sempre, a “República Islâmica” mostrou que nem de longe cogitava submeter-se.
O presidente Trump, no seu mandato que termina este ano (ou mesmo num segundo mandato, ou em governo de qualquer novo presidente dos EUA), não conseguirá impor os seus termos a um Irã cheio de energia e preparado para guerra total.
As consequências estratégicas do assassinato de Soleimani e do bombardeamento direto das bases dos EUA pelo Irã estão impulsionando o “Eixo da Resistência”, como nunca antes. Os aliados do Irã parecem já não ter medo de enfrentar os EUA frente a frente em qualquer plataforma. Soleimani não foi morto no campo de batalha, mas por um drone teleguiado. O Irã avisou os EUA sobre o momento do bombardeamento das suas bases e cumpriu o seu plano, permitindo que os EUA e as forças da coligação se escondessem nos seus abrigos. O assassinato de Soleimani virou-se contra os EUA e a favor do “Eixo da Resistência” – apesar da perda de um líder tão importante. [Continua]
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