25/9/2019, Pepe Escobar, Asia Times, de Beirute
“Está claro para nós que o Irã é responsável por esse ataque. Não há outra explicação plausível. Apoiamos as investigações em andamento para descobrir mais detalhes.”
A declaração acima não foi escrita por Franz Kafka. De fato, foi escrita por ente derivado de Kafka: a burocracia europeia com sede em Bruxelas. O trio Merkel-Macron-Johnson, representando Alemanha, França e Reino Unido, parece saber o que nenhuma “investigação em andamento” descobriu: que Teerã teria sido definitivamente responsável pelos dois ataques aéreos contra instalações sauditas de petróleo.
“Não há outra explicação plausível” equivale, traduzido, a “para ver se se consegue esconder o Iêmen”. O Iêmen só aparece como o centro de uma guerra cruel na Arábia Saudita, apoiada de fato por Washington e Londres, e guerreada com armas dos EUA e do Reino Unido, guerra que gerou horrível crise humanitária.
Portanto, Irã é culpado, sem prova alguma, fim da história, mesmo que a “investigação continue”.
Hassan Ali Al-Emad, estudioso do Iêmen e filho de importante líder tribal com ascendência sobre mais de dez clãs, pede licença para discordar. “De um ponto de vista militar, ninguém jamais levou a sério nossas forças no Iêmen. Talvez tenham começado a entendê-las, quando nossos mísseis atingiram a Aramco.”
Para Al-Emad, “o povo iemenita foi cercado por um embargo. Por que os aeroportos do Iêmen permanecem fechados? Crianças morrem sem tratamento. Na atual guerra, a primeira porta [a ser fechada contra os inimigos] foi Damasco. A segunda, é o Iêmen.” Al-Emad considera que o secretário-geral do Hezbollah, Sayed Nasrallah, e os Houthis combatem o mesmo combate.
Al-Emad nasceu em Sana’a em família zaidita influenciada por práticas wahhabistas. Mas aos 20 anos, em 1997, converteu-se à Ahlulbayat (“A Família do Profeta”) após estudos comparativos entre sunitas, zaiditas e o Imamiyyah – o ramo do Islã xiita que acredita em 12 imãs. Al-Emad deixou o zaidismo, num gesto que se poderia interpretar como ato à Voltaire: porque a seita não admite análises críticas.
Conversei e partilhei pão – e hummus – com Al-Emad, em Beirute, durante a conferência New Horizon, na qual se reúnem acadêmicos do Líbano, Irã, Itália, Canadá, Rússia e Alemanha. Embora diga que não pode entrar em detalhes sobre segredos militares, Al-Emad confirmou: “Governos anteriores no Iêmen tinham mísseis; depois do 11/9, o Iêmen foi proibido de comprar armas da Rússia. Mas ainda tínhamos 400 mísseis em arsenais no Iêmen do Sul. Usamos 200 Scuds – o resto ainda está lá [risos].”
Al-Emad divide o armamento Houthi em três categorias: mísseis do antigo estoque; mísseis canibalizados que incorporam diferentes peças de reposição (“transformação feita no Iêmen”); e mísseis em que se usam novas tecnologias que se servem de engenharia reversa. E enfatizou: “Aceitamos ajuda de todos”, o que sugere que recebam ajuda não só de Teerã e Hezbollah.
A principal demanda de Al-Emad é realmente humanitária: “Solicitamos que o aeroporto de Sana’a seja reaberto para ajudar o povo iemenita”. E tem uma mensagem para a opinião pública global, de qual o grupo UE-3 obviamente não está ciente: “Arábia Saudita está em colapso, e os EUA arrastam na própria queda também o Reino Saudita.”
O verdadeiro perigo
No campo da energia, os corretores de energia do Golfo Pérsico que ouço há duas décadas como fontes confiáveis, confirmam que, ao contrário do que tem declarado o ministro saudita do petróleo Abdulazziz bin Salman, os danos do ataque pelos Houthis a Abqaiq podem perdurar não só por “meses”, mas mesmo por anos.
Como disse um corretor de Dubai: “Quando um oleoduto iraquiano foi danificado em meados da década dos 2000s, as bombas foram destruídas. São dois anos para substituir uma bomba, pois há grandes atrasos na entrega dos pedidos. Por esse motivo, os sauditas adquiriram bombas sobressalentes. Mas jamais sonharam que Abqaiq pudesse ser danificado. São de três a cinco anos para construir uma refinaria, e até mais. Até poderia acontecer em um mês, se todos os componentes e peças estivessem disponíveis ao mesmo tempo, no caso de se tratar tarefa de montar os componentes e as peças.”
Além disso, os sauditas agora só estão fornecendo petróleo mais pesado a seus clientes na Ásia. “Então”, acrescenta um corretor, “soubemos que os sauditas estavam comprando do Iraque 20 milhões de barris dos petróleos mais pesados. Mas, pelo que se sabia, os sauditas teriam armazenados até 160 milhões de barris/dia de petróleo. O que significa tudo isso? Ou que não havia petróleo armazenado; ou aquele petróleo teve que passar por Abqaiq para poder ser vendido.”
Al-Emad disse-me explicitamente que os ataques dos Houthis não terminaram; que mais enxames de drones são inevitáveis.
Agora, comparem o que me disse Al-Emad e a seguinte análise que ouvi de um corretor: “Se na próxima onda de ataques com drones forem eliminados 18 milhões de barris/dia de petróleo saudita, a catástrofe teria proporções épicas. Os EUA não querem que os Houthis acreditem que têm todo esse poder, por efeito de uma quarta de quarta geração, com drones, contra os quais não há defesa possível. Mas os Houthis já sabem disso. É onde um pequeno país pode derrubar não apenas um Golias, como os EUA, mas também o mundo inteiro.”
Questionados sobre as consequências de um possível ataque dos EUA ao Irã – retomando a famosa observação de Robert Gates em 2010, de que “os sauditas querem combater o Irã, até o último americano” – o consenso entre os corretores é que seria outro desastre.
“Não seria possível colocar petróleo iraniano em linha para o mundo, para substituir o resto do que foi destruído”, disse um deles.
Observou que o senador Lindsey Graham “disse que queria destruir as refinarias iranianas, mas não os poços de petróleo. Esse ponto é muito importante. O horror dos horrores seria uma guerra de petróleo, com todos destruindo os poços uns dos outros, até que não restar nada.”
Com o “horror dos horrores” pendurado por um fio, os cegos que conduzem os cegos seguem estritamente o roteiro: Culpe o Irã e ignore o Iêmen.*****
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