MANLIO DINUCCI GUERRA NUCLEAR O PRIMEIRO DIA De Hiroshima até hoje: Quem e como nos conduzem à catástrofe

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MANLIO DINUCCI

GUERRA NUCLEAR
O PRIMEIRO DIA

De Hiroshima até hoje:

Quem e como nos conduzem à catástrofe

Actualização diária em

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Capítulo 2

A CORRIDA AOS ARMAMENTOS NUCLEARES

2.1 O confronto nuclear USA-URSS

Apenas um mês, após o bombardeamento de Hiroshima e Nagasaki, em Setembro de 1945, no Pentágono já calculavam que seriam precisas 200 bombas nucleares contra um inimigo da dimensão da Rússia. Em 5 de Março de 1946, o discurso de Winston Churchill sobre a «cortina de ferro» abre oficialmente a ‘guerra fria’. 

Logo a seguir, no dia 1 e 25 de Julho de 1946, Os EUA efectuavam os dois primeiros ensaios nucleares (Able e Baker), no atol de Bikini (Ilha Marshall, Oceano Pacífico) para verificar os efeitos sobre um grupo de navios em desarmamento e milhares de cobaias. Participam na operação, denominada Crossroads, mais de 40.000 militares e civis americanos, com mais de 250 navios, 150 aviões e 25 mil detectores de radiações.

Em 1949, o arsenal americano aumenta para cerca de 170 bombas nucleares. Neste ponto os EUA estão seguros de poder ter, dentro em breve, bombas nucleares suficientes para atacar a União Soviética. Elas podem ser transportadas pelas super fortalezas voadoras B-29, usadas no bombardeamento de Hiroshima e Nagasaki.

No entanto, naquele mesmo ano, desvanece-se o sonho americano de conservar o monopólio das armas nucleares. Em 29 de Agosto de 1949, a União Soviética efectua a sua primeira explosão experimental de um engenho de plutónio. Agora também a URSS tem a Bomba. Começa neste ponto, a corrida aos armamentos nucleares entre as duas super potências.

Naquele mesmo ano, em 4 de Abril de 1949, é fundada a NATO, compreendendo, durante a guerra fria, dezasseis países: Estados Unidos da América, Canadá, Bélgica, República Federal da Alemanha, Grã-Bretanha, Grécia, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Holanda, Portugal, Espanha e Turquia. Através desta aliança, os EUA mantém o seu domínio sobre os aliados europeus, usando a Europa como primeira linha no confronto, também nuclear, com o Pacto de Varsóvia. Este último, em 14 de Maio de 1955 (seis anos depois da NATO), compreende a União Soviética, a Bulgária, a Checoslováquia, a Polónia, a República Democrática da Alemanha, Roménia, Hungria, Albânia (de 1955 a 1968).

Não se sabe com exactidão, o número de armas nucleares que se acumula nos arsenais dos EUA, na União Soviética e noutros países. Os números que fornecem são baseados em estimativas, retidos apenas os mais confiáveis, publicados pela Federação dos Cientistas Americanos (FAS) no Boletim dos Cientistas Atómicos Americanos. 

Na fase inicial, os EUA mantêm uma vantagem nítida: entre 1949 e 1951 o arsenal deles era cerca de 170 a 440 armas nucleares, e o do arsenal soviético de 1 a 25. Valendo-se de tal superioridade, o Pentágono começa a distribuir armas nucleares e prepara planos para o seu emprego eventual. Em Setembro de 1950, três meses depois da explosão da guerra da Coreia, transfere para a ilha de Guam (Micronésia, Oceano Pacífico) dez bombardeiros com bombas nucleares a bordo. Em 1951, o comando americano prepara  uma retaliação nuclear contra as forças soviéticas na Manchúria, caso atacassem na Coreia.

Enquanto se inicia o confronto nuclear entre os EUA e a URSS, a Grã Bretanha e França, ambos membros da NATO, diligenciam dotar-se de armas nucleares. A primeira a conseguir é a Grã-Bretanha: enquanto colabora no programa nuclear dos Estados Unidos, inicia em 1945 um programa próprio destinado à produção da bomba de plutónio. Embora uma lei, aprovada em Washington em 1946, lhes impessa (ao menos oficialmente) de aceder às informações sobre o desenvolvimento das armas nucleares americanas, em 3 de Outubro de 1952, consegue efectuar na Austrália, a sua primeira explosão experimental.

Isto aumenta a vantagem da NATO, que aumenta posteriormente, quando, no dia 1 de Novembro do mesmo ano, os Estados Unidos fazem explodir a sua primeira bomba H (de hidrogénio). No da 1 de Março de 1954, os EUA conduzem o teste Bravo no atol de Bikini, no Pacífico, fazendo explodir uma bomba H de 17 megaton, 1.300 vezes mais potente do que a de Hiroshima. Naquele momento, os EUA têm quase 850 armas nucleares, enquanto a URSS possui cerca de 50.

Os EUA também estão em vantagem no campo dos bombardeiros estratégicos: em 1955, começam a distribuir os bombardeiros B-52, especialmente concebidos para o ataque nuclear. Podem voar 14.000 km, à velocidade de 1.000 Km/h, a uma altitude de 15.000 metros, transportando 30 tonelads de bombas. De 1945 a 1961, construíram 744. Grupos de B-52 do Comando Aéreo Estratégico, armados de bombas nucleares, são mantidos em vôo vinte e quatro horas sobre vinte e quatro, prontos para o ataque.

Ao mesmo tempo, em 22 de Novembro de 1955, a União Soviética faz explodir a sua primeira bomba H, centenas de vezes mais potente do que a de Hiroshima e, no início de 1957, distribui o bombardeiro estratégico TU-95 Bear [Urso](segundo a designação ocidental), também concebido para o ataque nuclear: pode transportar por uma distância de 13.000 km, 12 toneladas de bombas. É inferior, no que respeita a capacidade, mas não menos temível: é um Tu-95V que, no teste de 31 de Novembro de 1961, lança uma bomba H de 60 megaton, cuja potência equivale a 4.600 bombas de Hiroshima.

Entre 1955 e 1960, o arsenal dos EUA aumenta de 2.400 para 18.600 armas nucleares; o soviético, de 200 para 1.600 armas nucleares; o britânico, de 10 para 100. Também fazem parte deste último país, desde 1957, bombas H.

Em 1960, os países da NATO que possuem armas nucleares são três, quando a França faz explodir em 13 de Fevereiro, no Sahara, a primeira bomba nuclear de plutónio. A França chega à Bomba, começando em 1953, com um plano quinquenal de desenvolvimento da energia atómica destinado, oficialmente, à produção de energia eléctrica. Os reactores nucleares produzem, não só electricidade, mas também uma quantidade de plutónio, na ordem de 50 Kgs/ano, suficiente para construir 6-8 bombas. Isto é tornado possível pelo programa militar que, lançado secretamente em 1956, permite-lhe efectuar em Fevereiro de 1960 a primeira explosão nuclear experimental.

2.2 Os mísseis balísticos intercontinentais

Inicia-se, neste período, a distribuição dos transportadores nucleares mais mortíferos: os mísseis balísticos intercontinentais, lançados de terra (ICBM).

O primeiro ICBM americano é o Atlas, que é exibido numa série de testes em 1957-58: tendo um alcance de 12.000 km, pode atingir com a sua ogiva nuclear, qualquer objectivo no interior da União Soviética. A URSS desenvolve, no mesmo período, o seu primeiro ICBM, o R-7/SS-6 Sapwood, que, tendo um alcance de 10.000 km, pode atingir, por sua vez, os EUA com uma ogiva nuclear de 3-5 megaton.

Em 1961, os EUA possuem um ICBM mais desenvolvido, o Titan II. No mesmo ano, a URSS dispõe de um novo míssil, o R-16/SS-7 Saddler. Com um alcance de 13.000 km e uma ogiva nuclear até 6 megaton.

Os Estados Unidos continuam, em simultâneo, um programa que prevê a produção em massa e a distribuição de um novo ICBM, simples e confiável, capaz de destruir objectivos de qualquer tipo: é o Minuteman, que um consórcio de cinco indústrias constrói em quatro modelos sucessivos, um melhorado em relação ao outro. Na primeira fase, pensa-se instalar parte dos mísseis em rampas de lançamento móveis, que deveriam circular, continuamente, ao longo da rede ferroviária, de modo a fugir a um eventual ataque soviético.

Depois de ser efectuada uma série de provas em 1960, decide-se instalá-los todos em silos (poços reforçados, contendo a rampa de lançamento), espalhados no território à distância de 5-11 km uns dos outros. Os silos, em grupos de dez, estão ligados aos centros de controlo de lançamento, em bunkers subterrâneos reforçados, em cada um dos quais, vinte e quatro horas sobre vinte e quatro, estão dois oficiais prontos a lançar os mísseis, logo que seja recebida a ordem. Os primeiros Minuteman tornaram-se operacionais em 1961.

Como resposta, a União Soviética dispõe do ICBM R-36, designado no Ocidente como SS-9 Scarp, com um alcance de 12.000 kms, uma ogiva de 12-18 megaton: são destinados a atacar os 100 centros de controlo de lançamento dos 1.000 mísseis Minuteman, espalhados nos Estados Unidos.

Prosseguem, a par e passo, o desenvolvimento e a distribuição dos mísseis balísticos lançados do mar (SLBM)  O primeiro é o americano Polaris A1, testado em 20 de Julho de 1960, quando foi lançado de um submarino em imersão, o George Washington. Em Novembro do memo ano, o George Washington torna-se operacional. É o primeiro submarino do mundo a propulsão nuclear, armado de mísseis balísticos para o ataque nuclear. Pode avizinhar-se submerso da União Soviética ou da China e, ao lançar os seus 16 mísseis Polaris, pode atingir qualquer objectivo sobre esses territórios.

Em 1961, são armados de mísseis Polaris de segunda geração (A2) seis submarinos de ataque nuclear. Os Polaris A2 são substituídos pelos Polaris A3, no início de 1964, pois têm uma dimensão menor e um alcance maior (mais 4.000 km).

Também a União Soviética constrói mísseis balísticos lançados de submarinos: os R-21/SS-N-5 Serb, que se tornam operacionais em 1963. Contudo, são inferiores aos americanos, dado que têm um alcance menor (1.400 km) e cada submarino «só» pode levar três.

A Grã-Bretanha inicia, em 1955, o desenvolvimento de um míssil balístico de alcance intermédio (4.000 km) armado de uma ogiva nuclear, sucessivamente, a partir de 1968, distribui uma força de quatro submarinos armados de mísseis Polaris, fornecidos pelos EUA. Também a França constrói uma série de transportadores nucleares: o bombardeiro supersónico Mirage IV, que começa a ser distribuído em 1964; os mísseis balísticos lançados do solo, S-2 e Pluton, e o M-20 lançado do mar, que na primeira metade dos anos 70, formam o nervo daforce de frappe. 

2.3 A crise dos mísseis em Cuba e a introdução da China entre as potências nucleares

Enquanto está em pleno desenvolvimento a corrida aos armamentos nucleares, explode em Outubro de 1962 a crise dos mísseis em Cuba: depois da falhada invasão armada da ilha, em Abril de 1961, obra de refugiados políticos apoiados pela CIA americana, a URSS decide fornecer a Cuba mísseis balísticos de alcance médio (1.000 a 3.000 km) e intermédios (3.000 a 5.500 km). Os Estados Unidos efectuam então, o bloqueio naval da ilha e colocam em alerta as forças nucleares: mais de 130 mísseis balísticos intercontinentais Atlas e Titan estão preparados para lançamento; 54 bombardeiros com armas nucleares a bordo juntam-se aos 12 que o Comando Aéreo Estratégico mantém sempre em vôo, vinte e quatro horas sobre vinte e quatro, prontos para o ataque nuclear.

Os Estados Unidos dispõe, naquele momento, de mais de 25.000 armas nucleares, às quais se juntam cerca de 210 britânicas, enquanto a Rússia possui cerca de 3.500.

A crise, que leva o mundo ao limiar da guerra nuclear, é desactivada pela decisão soviética de não instalar os mísseis, a troco do compromisso dos EUA retirarem o bloqueio e respeitarem a independência de Cuba.

Nesse mesmo período, a China mobiliza-se para a aquisição de armas nucleares. A ideia de que ela também a devia possuir, nasce em Pequim durante a guerra da Coreia (1950-1953), quando voluntários chineses vão ajudar as forças norte-coreanas e os Estados Unidos ameaçam com uma nova Hiroshima. Também a China, como a França, inicia com um programa de pesquisa sobre os usos civis da energia nuclear, em particular para a produção de electricidade. Mas, em 1951, Pequim assina um acordo secreto com Moscovo, em que se estabelece uma permuta nuclear: a China fornece urânio à URSS e esta fornece-lhe, em troca, assistência para a pesquisa nuclear.

A decisão final de construir armas nucleares foi tomada em Pequim, em 1956. Mas, três anos depois, em seguida a divergências políticas crescentes, Moscovo quebra o acordo e, em 1960, começa a retirar os peritos soviéticos da China. No entanto, esta aprendeu a caminhar sobre as suas pernas e, continuando a percorrer o caminho nuclear, chega à Bomba.

A China faz explodir a sua primeira bomba nuclear de urânio, em 16 de Outubro de 1964, e após nem sequer três anos, em 14 de Junho de 1967, a sua primeira bomba H. Quatro anos depois, já está em funcionamento a cadeia de produção de armas nucleares que, em 1974, também lhes permite fabricar em série, bombas de hidrogénio. Ao mesmo tempo, a China começa a construir mísseis balísticos intercontinentais com ogivas nucleares, entre as quais a DF-5 que, com um alcance de 10 – 12.000 km, é capaz de atingir o Ocidente dos USA.  

2.4  A planificação do ataque nuclear

Em 1965/1967, o arsenal americano atinge um máximo superior a 31.000 armas nucleares, às quis se juntam mais 300 britânicas e 35 francesas, levando o arsenal global da NATO a mais de 31.500. A URSS supera as 8.000 armas nucleares, enquanto a China possui 25.

A par e passo com o crescimento do próprio arsenal, o Pentágono desenvolve planos operacionais detalhados de guerra nuclear contra a URSS e a China. Um portfólio/pasta de 800 páginas tornado público em 2015 pelo National Archives and Records Administration (NARA)7, https://www.nytimes.com/2015/12/23/us/politics/1950s-us-nuclear-target-list-offers-chilling-insight.html o arquivo do governo dos EUA; contém uma lista(até àquele momento top secret) de milhares de objectivos na URSS, Europa Oriental e China, que os EUA se preparavam para destruir com armas nucleares, durante a guerra fria. Em 1959, o ano a que se refere a «target list» redigida em 1956, os EUA dispunham de 12 mil ogivas nucleares e mais 80 britânicas, enquanto a URSS possuía cerca de mil e a China ainda não tinha nenhuma.Sendo superior também nos meios de transporte das mesmas armas nuclares. (bombardeiros e mísseis), o Pentágono considera viável, um ataque nuclear.

O plano prevê a «destruição sistemática» de 1.100 campos de aviação e 1.200 cidades. Moscovo seria destruída com 180 bombas termonucleares; Leningrado, com 145; Pequim, com 23. Muitas «áreas povoadas» seriam destruídas pelas « explosões nucleares ao nível do solo, para aumentar a recaída/queda radioactiva. Entre estas, Berlim Oriental, cujo bombardeamento nuclear comportaia «implicações desastrosas para Berlim Ocidental». O plano não é levado a cabo, porque a União Soviética adquire rapidamente a capacidade de atingir os Estados Unidos.

Apesar disso – referirá sucessivamente Paul Johnstone, durante dois decénios (1949-1969), analista do Pentágono para a planificação da guerra nuclear – entre os estrategas americanos está, naquele período, «um consenso geral que, se bem que uma troca nuclear provocasse graves danos aos Estados Unidos, com muitos milhões de mortos e uma capacidade baixa imediata de sustentar a guerra, os EUA continuariam a existir como nação organizada e vital e, finalmente, prevaleceriam, enquanto a União Soviètica não seria capaz de fazê-lo.

No Pentágono, durante a guerra do Vietnam, há também aqueles que querem usar armas nucleares tácticas contra as forças vietnamitas.Tal possibilidade é examinada por um grupo de 40 cientistas consultores que, em 1966, redige um relatório secreto com o títolo «Armas Nucleares Tácticas no Sudeste Asiático». No contxto vietnamita, afirma o relatório, seria útil para destruir os restantes aeroportos e pontes do Norte, as bases e os principais sistemas de túneis do Viet Cong no Sul, mas seriam ineficazes contra as forças que se movem de forma incerta na floresta. Mais ainda, se os EUA usassem primeiro, armas nucleares tácticas, a União Soviética e a China poderiam fornecer ao Vietnam do Norte, que podiam atingir com elas, as bases americanas no Sul. Uma vez excedido o limiar nuclear, não se pode prever o resultado final, que poderia também ser uma guerra conclui o relatório,que poderia também ser uma guerra nuclear generalizada. Por todas estas razões, o grupo de cientistas desaconselha o uso de armas nucleares tácticas na guerra do Vietnam.

No entanto, os EUA continuam, nos anos sessenta, a deslcar as suas bases avançadas na Europa, Turquia e Ásia, mísseis e caças bombardeiros com capacidade nuclear que, por terem um raio menor de acção, dali podem atingir a União Soviética, os outos países do Pacto de Varsóvia, bem como a China. No período culminante, no final dos anos sessenta e início dos setenta, os EUA têm cerca de 9.000 armas nucleares espalhadas fora do seu território: cerca de 7.000 nos países europeus da NATO, 2.000 nos países asiáticos (Coreia do Sul, Filipinas, Japão). Além dessas, têm 3.000 armas a bordo dos submarinos e outras unnidades navais que, a qualquer momento. Podem lançar contro a União Soviética e outros países.

A URSS, que não tem bases avançadas fora do seu território,  próximas dos Estados Unidos (de quem pode avizinhar-se, mas só com submarinos nucleares), procura demonstrar que, se fosse atacada, poderia lançar uma represália devastadora. Para confirmá-lo, faz explodir, num teste conduzido em 20 de Outubro de 1961, a bomba de hidrogénio mais potente, jamais experimentada, a «Czar», de 58 megaton, equivalente a quasi 4.500 bombas de Hiroshima.

A união Soviética prepara, ao mesmo tempo, uma nova arma espacial: um míssil (R.360 Fobs) que, se colocado em órbita em volta da Terra, pode atingir a qualquer momento, os Eua com uma ogiva nuclear de 5 megaton. Ao mesmo tempo, a meio dos anos sessenta, efectua testes de vôo de uma arma ainda mais poetente (Ur-500 Proton) uma bomba de hidrogénio orbital de 100-150 megaton.

 

2.5 O Tratado do Espaço Exterior e o 

          Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares

 

Neste ponto os EUA, colocados numa posição difícil, propõe à União Soviética um tratado sobre o uso pacífico do Espaço Exterior, tomando como modelo o Tratado do Antártico  estipulado no dia 1 de Dezembro de 1959 pelos EUA, a URSS e outros dez países, esse Tratado estabelece o uso pacífico da Antártida e proíbe qualquer actividade militar, inclusive as explosões nucleares experimentais.

Inicialmente Moscovo não aceita a proposta, porque quer associar a negociação sobre o uso pacífico do Espaço à das bases avançadas, pelas quais os EUA podem atingir a União Soviética. Finalmente, acaba por aceitar. Assim, é assinado em 27 de Janeiro de 1967, o Tratado sobre o Espaço Exterior,  aberto à adesão de outros Estados: o mesmo impede os signatários de colocarem armas nucleares ou outro  género de armas de destruição em massa na órbita terrestre, sobre a Lua ou sobre outros corpos celestes ou ainda, estacioná-los no espaço extra-atmosférico. O Tratado consente a utilização da Lua e de outros corpos celestes, exclusivamente para fins pacíficos, e proíbe expressamente o uso para efectuar testes sobre armas de qualquer género, conduzir manobras militares ou estabelecer instalações militares.

Imediatamente a seguir, em 1 de Julho de 1968, é estipulado o Tratado de Não-Proliferação de armas nucleares (TNP). Promovem-no os EUA, a Grã-Bretanha e a União Soviética que, preocupados com o facto de outros países quererem entrar  no círculo das potências nucleares, decidem estabelecer uma regra simples: quem está dentro, fica dentro; quem está fora, fica fora. Aderiram ao Tratado de Não-Proliferação, inicialmente, outros 59 países, mas não a França e a China, que o assinaram só em 1992. Não aderiram a Índia, o Paquistão e Israel.

O artigo 1 estabelece: «Cada um dos Estados militarmente nuclares, que faça parte do Tratado, compromete-se a não transferir a quem quer que seja, armas nucleares ou outros dispositivos nucleares explosivos, ou o controlo sobre tais armas e engenhos explosivos, directa ou indirectamente; compromete-se a não assistir, nem encorajar, nem incitar, de maneira nenhuma, um Estado militarmente não nuclear a produzir ou a obter armas nucleares ou outros engenhos nucleares explosivos, ou o controlo sobre tais armas ou engenhos explosivos».

O Artigo 2 estabelece: «Cada um dos Estados militarmente não nucleares, que façam parte deste Tratado, compromete-se a não receber de quem quer que seja, armas nucleares ou outros engenhos nucleares explosivos, nem o controlo sobre tais armas e engenhos explosivos, directa ou indirectamente; compromete-se também a não produzir nem a obter armas nucleares ou engenhos nucleares explosivos, e a não pedir ou receber ajuda para o fabrico de armas nucleares ou de outros engenhos nucleares explosivos». O Tratado obriga os Estados que não possuem armas nucleares a submeter-se às inspecções da Agência Internacional  para a Energia Atómica (IAEA), encarregada de verificar que as instalações nucleares sejam usadas para fins pacíficos e não para a construção de armas nucleares (Art.3).

As potências nucleares comprometem-se, no Tratado da sua promoção, a «processar negociações de boa fé, sobre medidas eficazes para a interrupção da corrida aos armamentos nucleares a curto prazo e ao desarmamento nuclear, e sobre um Tratado que estabeleça o desarmamento geral e completo sob controlo internacional rigoroso e eficaz». (Art. 6) Também se comprometem, como os outros signatários, a «renunciar, nas suas relações internacionais, à ameaça e ao uso da força contra a integridade territorial ou independência política de qualquer Estado». (Preâmbulo). Por outras palavras, as potências nucleares fazem um juramento solene de acabar com o fortalecimento qualitativo e quantitativo dos seus arsenais e, ao mesmo tempo, a reduzi-lo cada vez mais até à eliminação completa e verificada, dos armamentos nucleares à face da Terra.

2.6  Os mísseis balísticos com ogivas múltiplas independentes

Quando as palavras correspondem os factos, demonstram-no os Estados Unidos que, apenas dois anos após ter assinado o TNP, começaram a distribuir os ICBM Minuteman III com ogiva nuclear  MIRV (Multiple indipendently targetable reentry vehicle) : cada míssil transporta três «veículos de retorno», ou seja, três ogivas nucleares que, lançadas no apogeu da trajectória balística, ao tornar a entrar na atmosfera, dirigem-se, independentemente, sobre os respectivos objectivos. Com a tecnologia MIRV, cada míssil está, a partir deste momento, capaz de atingir mais objectivos, distantes uns dos outros, multiplicando assim a sua mortandade. Também a União Soviética lança, pouco depois, mísseis de ogivas MIRV, são os R-36M/SS-18 Satan, cada um armado de 8-10 ogivas nucleares independentes.

Desenvolve-se uma competição análoga no campo dos mísseis balísticos lançados do mar. Já a partir de 1964, os Polaris americanos da terceira geração, chegam armados, cada um, de três ogivas nucleares independentes: isso permite a um único submarino atingir com os seus 16 mísseis, 48 objectivos. Em 1969, a União Soviética reduz a vantagem nos confrontos dos EUA, instalando nos seus próprios submarinos, mísseis mais eficientes, os R-27/SS-N-6 Serb: um submarino nuclear da classe Yankee pode transportar 16 daqueles mísseis e lançá-los quando está submerso. Alguns anos depois, em 1975, são instalados os mísseis R-27 MIRV, cada um com três ogivas independentes. Neste ponto, também um único submarino soviético pode atingir 48 objectivos a mais de 3.000 km de distância.

Entretanto, no início de 1971, os EUA começam a distribuir os novos mísseis SLBM Poseidon C3, aumentando a sua vantagem: cada míssil pode transportar até 14 ogivas nucleares independentes. Isto significa que um único submarino com os seus 16 mísseis, pode atingir 200 objectivos. A URSS responde,  distribuindo em 1974, nos seus submarinos da classe Delta, os mísseis R-29/SS-N-8 Sawfly, com um alcance de 9.000 km, e sucessivamente os R-29 RM/SS-N-23 Skif, cada um com 4-10 ogivas MIRV. Um único submarino soviético pode, assim, atingir, com os seus 16 mísseis, até 160 objectivos. No entanto, os EUA, passam, neste ponto, para uma nova geração de mísseis lançados do mar, os Trident C-4, que começam a instalar nos seus submarinos em 1979. Um único submarino, armado de 24 mísseis Trident com ogivas MIRV, pode atingir 200 objectivos.

Perto do fim dos anos setenta, a URSS ultrapassa os EUA em número de armas nucleares: mais de 26.000 em confronto às 24.000 dos Estados Unidos, segundo as estimativas relativas a 1978. A Grã-Bretanha, naquele ano, possui 500 armas nucleares; a França, 230; a China, 190.

De geração em geração, os mísseis balísticos intercontinentais tornam-se cada vez mais precisos: O seu CEP (provável erro circular, dentro do qual caiem metade das ogivas nucleares) restringe-se a 4 km, a menos de 500 metros.

Além dos mísseis balísticos intercontinentais (com um alcance superior a 5.500 km), os EUA e a URSS distribuem mísseis balísticos de menor alcance: alcance intermédio (3.000-5.500 km), alcance médio (1.000-3.000 km) e curto alcance (até 1.000 km). Estes mísseis com ogivas nucleares, quando se avizinham dos objectivos, podem ter efeitos análogos aos dos mísseis intercontinentais.

2.7 A bomba N

Em 1977 os EUA decidem construir a bomba de neutrões, a arma nuclear que provoca menor destruição e contaminação residual, de modo a poder ocupar, sucessivamente a área atingida, mas de mortandade mais elevada, devido à forte emissão de radiações imediatas, constituídas na maior parte por neutrões velozes de modo a penetrar mais profundamente nos materiais.

A possibilidade de desenvolver uma arma táctica nuclear deste tipo, tinha sido identificada pouco depois da invenção da bomba de hidrogénio. Alguns cientistas, empenhados nos estudos das armas nucleares, principalmente no Lawrence Livermore Laboratory, tinham trabalhado dos anos cinquenta aos sessenta, em torno do conceito de uma ogiva de radiação intensificada.

A ogiva nuclear de radiação intensificada ou a bomba de neutrões ou a bomba N, é considerada pelos estrategas americanos, uma arma «mais limpa» e de mais fácil emprego. Por cada quiloton de potência explosiva detonado, esta arma é capaz de matar um número de inimigos superior ao dos outros engenhos nucleares. Ao mesmo tempo, minimiza os danos nos edifícios e nas culturas, permitindo, depois de um certo tempo, a reutilização do território atingido.

Nos planos dos EUA, a bomba N é destinada a ser empregue numa guerra terrestre, na Europa, entre os países da NATO e os do Pacto de Varsóvia. Prevê–se o emprego, sobretudo, contra os soldados no interior de meios couraçados. Os tanques são resistentes, a uma certa distância do hipocentro da explosão, ao calor e à onda de choque. A sua couraça, por sua vez, é penetrada pelo fluxo de neutrões que matam os homens que estão dentro deles. Prevê-se, no entanto, que todos sejam imediatamente postos fora de combate: uma parte, depois de um ataque de náuseas, poderão recuperar as forças durante dias ou semanas antes de morrer, e sabendo que estão no fim, poderão combater até à morte.

Muitos expoentes militares americanos sustentam que o uso destas ogivas de radiações intensificadas, é mais preciso e aperfeiçoado, permitiriam uma «guerra nuclear limitada», circunscrevendo os danos ao campo da batalha.

2.8 Os tratados sobre mísseis anti-balísticos e sobre a limitação das armas estratégicas

É nesta fase que, em 26 de Maio de 1972, os EUA e a União Soviética assinam o Tratado dos Mísseis Anti-Balísticos (ABM),  que proíbe a distribuição de sistemas de mísseis destinados a interceptar os mísseis balísticos intercontinentais. A razão do tratado é clara: se uma das duas partes conseguisse realizar sistemas capazes de interceptar e destruir os mísseis da outra, iria adquirir uma vantagem nítida, pois que, nesse ponto, podia lançar um ataque surpresa, confiante sobre a capacidade dos próprios sistemas anti-míssil de neutralizar ou atenuar os efeitos de uma eventual represália da parte do país atingido. O Tratado, que entra em vigor em 1976, permite, a cada uma das duas partes, instalar uma única bateria de mísseis de intercepção, em volta da capital ou de uma única área onde se encontram as rampas de lançamento dos mísseis balísticos intercontinentais com base em terra (ICBM).

Igualmente, em 26 de Maio de 1972, os EUA e a URSS assinam um acordo, provisoriamente, sobre a limitação das armas ofensivas estratégicas (SALT I) , comprometendo-se a não construir outras rampas de lançamento de ICBM e a limitar as dos mísseis balísticos lançados do mar. Ao SALT I, segue-se o SALT II , assinado em 18 de Junho de 1979, com o qual os EUA e a URSS se empenham a efectuar reduções imediatas. O SALT II não foi ratificado. As duas partes, enquanto nos anos oitenta se acusam, uma à outra, de não respeitar o acordo, mas, comprometem-se, verbalmente, a limitar as suas próprias armas ofensivas.

Como demonstração de quanto valem esses compromissos, em 1982 os EUA aumentam a produção das bombas de neutrões, elevando para 2.200, o seu número global no arsenal dos EUA e na NATO; e, em 1986, começam a distribuir uma nova geração de mísseis balísticos intercontinentais, os Peacekeeper, cada um armado com 10 ogivas nucleares independentes. Dois anos depois, em 1988, a União Soviética começa a distribuir os novos ICBM RT-23/ SS-24 Scalpel (segundo a denominação da NATO), sobre rampas lançadoras móveis que circulam continuamente, ao longo de uma rede ferroviária de 145.000 km.

Em 1986, o arsenal soviético atinge um máximo, superior a 40.000 armas nucleares, em confronto com as 23.000 dos EUA. Naquele momento, a Grã-Bretanha e a França possuem, cada uma, 350. A China tem 220. O arsenal mundial chega assim ao nível máximo de 65.000 armas nucleares. Fazem parte do mesmo, as armas nucleares de um sexto país – Israel – que, sem declará-lo, possui já, em 1986, meia centena de armas nucleares.

 

2.9 A Bomba secreta de Israel

Enquanto os EUA, a Grã-Bretanha e a União Soviética procuram impedir, com o Tratado de Não-Proliferação, que outros países entrem no club nuclear, do qual fazem parte, em 1968, cinco membros, um sexto país infiltra-se no círculo das potências nucleares, conseguindo não só entrar pela porta de serviço, do nuclear civil mas, uma vez lá dentro, a tornar-se oficialmente invisível: o convidado de pedra é Israel. No mesmo momento em que, em 1968, se torna aberto às assinaturas o Tratado de Não-Proliferação, ele está já a distribuir em segredo, as suas primeiras armas nucleares. A história sobre como Israel consegue construí-las, sem nunca revelar a sua existência, desenvolve-se no mundo escuro dos assuntos nucleares. 

O programa nuclear militar começa no mesmo ano do nascimento de Israel; em 1948, sob ordens do Ministro da Defesa, um grupo de cientistas efectua prospecções no deserto do Negev, à procura de urânio. Encontrado um mineral de baixo teor de urânio, aperfeiçoam um processo para extraí-lo e desenvolvem, também, um novo método para extrair água pesada, que serve de moderadora nos reactores nucleares. Neste ponto, Israel tem necessidade de um reactor. Para obtê-lo, volta-se secretamente para a França, com a qual já colabora no sector nuclear: cientistas israelitas participaram, no início dos anos 50, na construção de um reactor de água pesada e num projecto de reprocessamento, em Marcoule.

A resposta de Paris chega, sempre num envelope selado, no Outono de 1956, poucas semanas antes das forças israelitas invadirem o Sinai egípcio, para dar à França e à Grã-Bretanha a maneira de ocupar a zona do Canal do Suez, depois da nacionalização do mesmo, decidida por Nasser. Para recompensar Israel, logo que acaba a crise do Suez, o governo francês envia os seus técnicos para construir, no máximo segredo, um bunker subterrâneo em Dimona, no deserto do Negev, um reactor nuclear de 24 megawatt de potência. Para fazer chegar os componentes ao reactor, em Israel, o governo francês envolve-se em contrabando, declarando à sua própria alfândega, que são partes de uma fábrica de dessalinização, destinada, no quadro da cooperação internacional, a um país da América Latina.

As autoridades israelitas também fazem o seu melhor para esconder a verdadeira natureza dos trabalhos de construção, que são fotografados em 1958, antes que um espião aéreo americano,  sem temer contradizer-se, declarara que se trata de uma fábrica têxtil, depois diz  ser uma estação agrícola, em seguida, um centro de pesquisa metalúrgica. Ao mesmo tempo adquirem da Noruega, por baixo da mesa, 20 toneladas de água pesada com base num contrato, tornado conhecido, 30 anos depois, que vincula a parte que a adquire, a usá-la unicamente para fins pacíficos. O governo norueguês foi verificar só uma vez,quando a água pesada, chegada a Dimona, ainda estava nos bidões, no exterior da fábrica. Depois não foi lá mais, fiando-se na palavra dada em segredo, pelo governo israelita. 

Porém, logo depois, em Maio de 1960, o Presidente De Gaulle, temendo que um eventual escândalo, enfraquecesse a posição internacional da França, no momento delicado em que estava comprometida com a guerra da Argélia, pede ao Primeiro Ministro isrealita, Ben Gurion, para tornar o projecto do conhecimento público. Porém, este recusa. O contencioso resolve-se com um compromisso formal: a França completará o fornecimento dos componentes do reactor e da matéria físsil; em troca, Israel revelará a existência do reactor e empenhar-se-á a usá-lo só para pesquisa nuclear civil. Em Dezembro de 1960, Ben Gurion anuncia ao mundo a existência do reactor, garantindo que será usado para fins exclusivamente pacíficos.

Sobre a cena em que se recita a comédia do nuclear pacífico, entra nesta altura, outro actor, o governo dos EUA, que pede oficialmente a Israel para submeter o reactor de Dimona a inspecções internacionais. O governo israelita aceita, pondo uma única condição; as inspecções devem se efectuadas pelo governo dos EUA, que depois comunicará os resultados aos outros. Assim, entre 1962 e 1969, chegam a Dimona,  em várias ocasiões, os inspectores enviados por Washington. São alguns dos maiores peritos nucleares. No entanto, eles são bastante ignorantes ou desonestos, para não notar que os locais que estão a visitar são uma ‘mise-en-scène’, com instrumentos falsos  que imitam processos inexistentes do nuclear civil, e que sobre o pavimento está um enorme bunker de oito andares onde se constroem armas nucleares. Com base nos resultados das inspecções, quer o Presidente Lyndon Johnson, quer o Presidente De Gaulle, asseguram oficialmente, que a instalação é usada apenas, para fins pacíficos. Entretanto, em 1965, na Nuclear Materials and Equipment Corporation, uma empresa americana com sede em Apollo (Pennsylvania), são «perdidos» 90 kgs de urânio altamente enriquecido, que, com toda a probabilidade, reaparece em Israel.

Deste modo, as instalações de Dimona são completadas e, provavelmente, em 1966, começam a produzir armas nucleares. Para protegê-las, são instalados à sua volta, 25 mísseis antiaéreos Hawk, fornecidos pelos EUA. Em 1967, Israel já tem, pelo menos, duas bombas nucleares, que distribui secretamente na Guerra dos Seis dias. Os vectores que as podem transportar (entre os quais os caças A-4E Skyhawks e o F-4E Phantoms) foram também fornecidos pelos EUA. O Egipto, antes da guerra, procura obter armas nucleares da União Soviética, mas Moscovo não lhas dá.

Israel prepare-se de novo para usar armas nucleares quando, na fase final da Guerra do Kippur, em Outubro de 1973, as suas forças se encontram em dificuldades devido ao ataque egípcio e sírio. A decisão foi tomada secretamente, pela Primeira Ministra, Golda Meir e pelo Ministro da Defesa, Moshe Dayan: ogivas nucleares de 20 kiloton estão prontas a ser lançadas sobre o Egipto e sobre a Síria pelos mísseis Jericho 1 (construídos em Israel sob projectos franceses) e por caça bombardeiros fornecidos pelos EUA. A história completa, compreendendo o número de ogivas nucleares, será, em seguida, voluntariamente vazada pelos serviços secretos israelitas, para advertir os países árabes que Israel tem armas nucleares e que está pronto a usá-as. Depois da guerra do Kippur, o programa nuclear israelita acelera, desenvolvendo um processo  mais rápido para o enriquecimento do urânio e a miniaturização das ogivas nucleares, para poder usá-las também nos canhões 175 e 203 mm, fornecidos pelos EUA.

 

Que Israel possui uma capacidade nuclear militar desenvolvida, embora não o admitindo, nesta altura já não é segredo. No entanto, o governo israelita não se contenta em desenvolver as suas próprias armas nucleares. Procura por todos os meios, conservar o monopólio dessas armas no Médio Oriente, impedindo que os países árabes desenvolvam programas nucleares, com os quais um dia podiam construí-las. Fundamentados nesta estratégia, seguramente concordada por Washington, em 7 de Junho de 1981, Israel lança um ataque contra o reactor Tammuz-1, que está para entrar em funções em Osiraq, no Iraque: 8 caças F-16, acompanhados de 6 F-15, fornecidos pelos EUA e guiados pelo sistema americano de satélites, atingem o reactor com 15 bombas de mais de 900 kgs, destruindo-o. É o primeiro ataque no mundo, contra um reactor nuclear, para mais pertencente a um país, que ao contrário de Israel, aderiu ao Tratado de Não-Proliferação de armas nucleares (O Iraque assinou e, 1968 e ratificou em 1969) e que também pode ser submetido às inspecções da Agência Internacional da Energia Atómica (IAEA).         

                                                                                                                                                                                                                                   

Poucos dias depois, Israel rejeita a resolução 487 com a qual, em 19 de Junho de 1981, o Conselho de Segurança das Nações Unidas lhe ordena, entre outras coisas, de colocar todas as suas instalações nucleares sob a jurisdição da IAEA. Rejeita também as cinco resoluções que a Assembleia Geral emite, entre 1981 e 1989, sobre o armamento nuclear israelita. Na resolução de 15 de Dezembro de 1989  (44/121), a  Assembleia Geral «reitera a sua condenação à recusa de Israel em renunciar à posse de armas nucleares; exprime profunda preocupação pelo facto de Israel continuar a produzir, desenvolver e adquirir armas nucleares e a experimentar os seus transportadores; convida todos os Estados e organizações que não o haviam ainda feito, a não cooperar mais com Israel e a não lhe dar assistência no campo nuclear; pede, mais uma vez, que esse Estado coloque todas as instalações nucleares sob a alçada da jurisdição da Agência Internacional da Energia Atómica; reitera o seu pedido para que a IAEA suspenda toda e qualquer cooperação com Israel, que possa contribuir para a sua capacidade nuclear; pede, mais uma vez, ao conselho de Segurança, para tomar medidas urgentes e eficientes para que Israel se adapte à resolução 487 do mesmo Conselho». Nada disto acontece.

Para abrir uma brecha no muro de silêncio e conivência que esconde os segredos (que agora, na verdade, já não existe) de Dimona, não é uma grande potência mas um pequeno homem. É um técnico israelita, na ocasião com cerca de trinta anos, Mordechai Vanunu, que trabalha de 1976 a 1985, nas instalações nucleares de Dimona. Quando, depois de algum tempo, percebe que se produzem armas nucleares, Vanunu decide recolher provas, conseguindo, também, tirar algumas fotografias. Depois de ter deixado Dimona, em 1986, gradua-se em Filosofia e converte-se à religião anglicana. Decide, então, tornar públicas as provas recolhidas. Vai para Londres, onde contacta o jornal The Sunday Times. A redacção, antes de publicar o testemunho, fá-las examinar por alguns dos maiores peritos de armas nucleares.

Frank Barnaby, um físico nuclear que trabalhou no centro de pesquisas britânico sobre armas nucleares, depois de ter entrevistado Vanunu, na tentativa de encontrar alguma lacuna científica no seu depoimento, concluiu: «O seu testemunho é completamente convincente». Theodore Taylor, que trabalhou no projecto da primeira bomba americana e, em seguida, dirigiu o programa de experiências de armas nucleares do Pentágono, depois de ter examinado as provas de Vanunu, declara: «O programa israelita de armas nucleares é notavelmente mais avançado do que quanto foi indicado em qualquer relatório ou conjectura precedente». Estes e outros peritos calculam que Israel tinha fabricado, até àquele momento, 100-200 armas nucleares, com uma potência global, dez vezes maior, do que a estimada anteriormente.

The Sunday Times decide publicar as provas na edição de 5 de Outubro de 1986. Mas, antes de Vanunu ver o seu testemunho publicado, a mão comprida do Mossad, o serviço secreto israelita, apanha-o em Londres: uma mulher bonita marca-lhe um encontro em Roma, em 30 de Setembro de 1986. Quando, em 5 de Outubro, The Sunday Times  publica com o título «Revelado: os segredos do arsenal nuclear de Israel» e o relatório contendo as provas, Mordechai Vanunu já tinha sido transportado para Israel. Aqui, enquanto estava dentro de um automóvel, consegue escrever na mão «fui raptado em Roma» e, premindo-a contra o vidro da janela, faz ler a mensagem aos jornalistas. O tribunal israelita condena-o, em Março de 1988, a 18 anos de reclusão. Três meses depois, a magistratura italiana encerra o caso do seu rapto em Roma «por falta de provas».

O processo de Mordechai Vanunu é definido como «um dos mais estranhos recordados na jurisdição de um país civil». De facto, ele é acusado e condenado, com base no código penal, por ter revelado a existência de algo que o governo israelita nega que exista: ninguém explica como pode ele ter posto em perigo a segurança do Estado, divulgando informações secretas e ajudando assim um inimigo em guerra com Israel, se a fábrica de armas nucleares não existe.

Tentando justificá-lo sem algum fundamento, o Ministro da Justiça israelita salienta, numa carta datada de 4 de Julho de 1989, que «a lei israelita proíbe a divulgação de qualquer informação que diga respeito à segurança, mesmo que ela seja falsa» e, «segundo quanto declarou o Ministro da Defesa, não pode ser fornecida ao tribunal nenhuma prova à cerca da veracidade ou falsidade da informação dada pelo senhor Vanunu». O verdadeiro crime de Vanunu, escreve A.Cohen, « não consiste no que disse, mas no facto que o disse: a sua verdadeira culpa, foi falar abertamente sobre as armas nucleares de Israel». Ele quebrou, deste modo, a compreensão tácita entre os governantes e a opinião pública de Israel, de não discutir as questões nucleares».

Por tal razão, Mordechai Vanunu é mantido numa cela de isolamento durante 12 anos e, nos primeiros dois anos, com a luz acesa dia e noite e controlado por uma câmara de video vigilância. Pode receber, só uma vez por mês, durante uma hora, visitas de um familiar ou de um sacerdote, com o qual pode falar sob a vigilância de um guarda e separado por uma grade. As suas condições de detenção são definidas pela Amnestia Internacional como “cruéis, desumanas e degradantes». Quando, em Dezembro de 2002, pede para ser solto sob palavra, dois anos antes de terminar a pena, foi-lhe negado com base no parecer dos serviços secretos que «Vanunu, mesmo depois de 16 anos de cárcere, pode ainda possuir segredos nucleares vitais».

Mordechai Vanunu sai da prisão em 2004, mas desde então está submetido a graves restrições à sua liberdade: não pode ter contactos com cidadãos estrangeiros, sem a autorização do Ministro do Interior, não pode aproximar-se das embaixadas e consolados, não pode possuir um telemóvel nem aceder à Internet, não pode deixar o Estado de Israel. Por ter contactado jornalistas e vultos de organizações humanitárias, foi preso outra vez.

No conteúdo desta história de proliferação comum, entrelaçada com mentiras oficiais e cumplicidade escondida, coloca-se o «caso Vanunu»: a escolha de um homem que, consciente dos riscos envolvidos, decide gritar a verdade e infringir o tabu nuclear.

A SEGUIR:

2.10 A introdução da África do Sul, da Índia e do Paquistão entre as potências nucleares

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https://nowarnonato.blogspot.pt/2018/02/pt-guerra-nuclear-210-introducao-da.html

 

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos

 

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