Os Comboios de Alta Velocidade da China
Por Larry Romanoff, December 05, 2019
Uma das grandes vantagens de viajar de comboio em comparação com voar é a poupança de tempo desaproveitado. Na maioria dos países, um voo envolve normalmente uma viagem de uma hora até ao aeroporto com a exigência de chegar pelo menos 1,5 horas antes da partida. À chegada, há sempre a queixa de uma longa espera, a longa caminhada até aos locais de entrega da bagagem ou às saídas, depois a viagem de uma hora ou mais, até ao centro da cidade.
Quando tomamos em consideração o trajecto e o tempo necessário que antecede a partida para o check-in e a autorização de segurança e a caminhada de 2 km até à porta de embarque, depois os atrasos após a chegada e o trajecto para o centro da cidade do nosso destino, os comboios são equivalentes a voar em viagens até 1.200 ou mesmo 1.500 Kms, e muito mais rápidos do que voar viagens mais curtas. Não só são muito mais rápidos, mas também menos dispendiosos do que as viagens aéreas. A frequência das partidas – pelo menos entre as cidades principais da China – é espantosa, a rota Shanghai-Pequim com cerca de 75 ou 80 comboios de Alta Velocidade de ida e volta, todos os dias, partindo frequentemente com um intervalo de 10 minutos de distância.
Na China, as estações ferroviárias estão situadas no centro da cidade, pelo que a deslocação é mínima, ao chegar a uma estação com a bagagem de mão apenas a 20 ou 30 minutos antes da partida. Não há processo de “check-in” como nas companhias aéreas, apenas o habitual controlo de segurança e scanners de bagagem ao entrar na estação onde se pode passar o tempo em salas de espera confortáveis, ou simplesmente encontrar a plataforma correcta e embarcar no comboio. Apesar de muitas estações serem enormes, as distâncias a pé são normalmente muito mais curtas do que na maioria dos aeroportos.
Outra vantagem considerável das viagens de comboio é a comodidade e o conforto, sendo os comboios muito superiores em ambas estas categorias sem haver uma constante imposição do tempo. Os comboios eliminam os elementos mais desagradáveis das viagens aéreas, com a vantagem de poder usufruir a paisagem; de um avião, não se vê nada. Num avião, somos obrigados a aderir a um horário rígido: a hora do café ou de uma refeição, a hora de fechar as cortinas das janelas e escurecer a cabine para que o pessoal possa descansar. Se o carrinho da comida estiver no corredor, os passageiro não se podem levantar para passear ou ir à casa de banho. Parece que está tudo controlado e sob pressão. Muitas vezes, o facto de sair do seu lugar é um grande inconveniente.Pelo contrário, num comboio, pode fazer o que quiser. A sua bagagem está acessível em qualquer altura, os carrinhos de comida passam regularmente, o vagão-restaurante está sempre disponível, os assentos têm o dobro do espaço para as pernas, os corredores são suficientemente largos para acomodar os passageiros, é tudo muito mais descontraído, aprazível e agradável.
Os comboios de alta velocidade da China são muito silenciosos, sem o ruído do vento e, felizmente, sem o zumbido incessante dos motores dos aviões. Na última geração de comboios de alta velocidade, com os carris soldados sem falhas, até o suave ruído contínuo dos carris desapareceu. Os assentos são tão largos ou mais largos dos que existem na classe executiva das companhias aéreas, reclinam-se parcialmente (reclinam-se totalmente na classe executiva) e, devido ao conforto e ao silêncio, é muito fácil trabalhar ou dormir num comboio. No destino, visto que essa estação está também no centro da cidade, os táxis e os metropolitanos são completamente acessíveis.
Os comboios de longo curso têm vagões-cama que são perfeitamente confortáveis mesmo nos comboios mais antigos. As gerações mais recentes oferecem edredons confortáveis, uma televisão separada para cada beliche, tomadas eléctricas, luzes, Wi-Fi. Os vagões-cama oferecem uma alternativa agradável às viagens aéreas para as viagens de negócios de um dia, tipicamente breves e sob pressão, por exemplo de Shanghai a Guangzhou, a Shenzhen ou a Hong Kong. Entramos no nosso comboio à noite após o jantar, fazemos um pouco de trabalho ou vemos televisão, e acordamos às 7:00 da manhã, no centro da cidade do nosso destino, com tempo suficiente para o pequeno almoço antes da nossa primeira reunião. Na viagem de regresso, após um dia completo sem pressas, jantamos tranquilamente com amigos, entramos no comboio e acordamos às 7:00 da manhã de regresso a Shanghai. Com duas noites de sono completas, não há ‘jet lag’ nem fadiga residual.
O sistema Alta Velocidade da China é construído para para obter uma qualidade de excelência. Os comboios de 300 Kph e 400 Kph circulam em vias especiais elevadas e exclusivas para esse fim, assentes em leitos profundos e reforçados com betão de alta densidade, com desvios verticais e horizontais medidos ao milímetro, sendo estas vias suportadas por pilares maciços de betão de alta resistência com um espaçamento muito próximo. Os carris da Alta Velocidade são, na medida do humanamente e tecnologicamente possível, uma linha recta e nivelada. A China tem os mais altos padrões de estabilização de comboios de alta velocidade nas suas dimensões longitudinal, lateral e vertical, tendo um perito em caminhos-de-ferro afirmado: “Não é exagero dizer que as linhas de caminho de ferro Pequim-Shanghai foram construídas de acordo com os mais altos padrões de qualidade do mundo moderno”, e que a China lidera o mundo em termos de estabilidade ferroviária. Quando viajo de comboio, por vezes coloco uma moeda no parapeito da janela e tenho um vídeo da moeda mantendo-se estável durante quatro ou cinco minutos antes de finalmente cair – e isto é a 300 Kms por hora. Perdi o link, mas há um vídeo no YouTube de uma moeda que permanece no parapeito da janela durante 8 minutos.
A China não sucumbiu à pressão da privatização imposta pelos banqueiros neoconservadores e manteve o controlo das suas infraestruturas, uma enorme bênção para um desenvolvimento rápido e eficiente. O país é capaz de planear e alterar toda a sua infraestrutura de viagens como um todo, considerando os transportes aéreos, ferroviários e rodoviários, tendo em conta apenas os benefícios para todo o país, em vez de ter de apaziguar uma profusão de interesses privados. Os comboios de Alta Velocidade reduziram o tempo de viagem de forma tão significativa que os serviços aéreos de muitas rotas foram suspensos. Não havendo interesses concorrentes, um plano nacional pode ser concebido, examinado, discutido e aprovado num espaço de tempo muito mais curto do que nos países com um sistema diferente, e o tempo de execução desse plano também pode ser muito reduzido.
A nova linha de Alta Velocidade da China, de Shanghai a Pequim, uma distância de cerca de 1.200 Kms, foi uma obra-prima de planeamento e execução acessível. Para a construção, o governo contratou quase 140.000 trabalhadores para construir várias secções em simultâneo, tendo todo o projecto sido concluído em dois anos a um custo inferior a 20 biliões de dólares. Em contraste, nos EUA, o custo de uma linha de Alta Velocidade ao longo da costa leste, com apenas metade dessa distância, foi estimado em 120 biliões de dólares e pode necessitar de 20 anos para ser concluída.
Outro exemplo, a província de Alberta no Canadá está a considerar a construção de uma linha de Alta Velocidade para ligar duas cidades principais – uma rota de apenas 300 Kms, mas espera-se que a fase de planeamento demore 5 anos e custe 50 milhões de dólares; se for aprovada, prevê-se que o processo de construção da mesma exija pelo menos mais 5 anos. As negociações provisórias para o direito de passagem, processos de licitação, tratamento de todos os diversos interesses privados, bem como as cidades envolvidas, deverão acrescentar mais 5 anos a esse processo.
É fundamental notar que o desenvolvimento económico acontece a seguir ao desenvolvimento dos transportes. Países como o Canadá e os EUA nunca se teriam desenvolvido sem que os sistemas de transporte entre esses países estivessem activos. Mas quase de certeza é demasiado tarde, tanto para o Canadá como para os EUA, no que diz respeito ao caminho de ferro de alta velocidade. Décadas de desenvolvimento auto-dependente condenam ambos os países a deficiências irreversíveis de transporte.
As ambições ferroviárias dos transportes de alta velocidade da China já são globais. O China Railway Group está a participar num projecto de comboio de Alta Velocidade na Venezuela.
A China Railway Construction Corp. está a ajudar a construir uma linha ferroviária de alta velocidade na Turquia, ligando Ankara a Istambul.
As empresas chinesas estão a concorrer a contratos no Brasil e a Rússia, a Arábia Saudita e a Polónia manifestaram igualmente o seu interesse.
A China já está a expandir a sua rede ferroviária interna para se ligar a novas rotas no Vietname e planeia estender uma rota até Singapura.
Os funcionários ferroviários chineses também se encontram nas fases de planeamento de uma linha ferroviária de alta velocidade através da China Ocidental e da província de Xinjiang, através do Quirguizistão e outros “adeptos zelosos”, ligando-se às linhas na Turquia e prosseguindo para Ocidente, para a Europa. Em breve, um dia poderá ser possível viajar em comboio de Alta Velocidade desde Shanghai até Londres – a uma fracção do custo do voo, com muito mais conforto e com a capacidade de ver muitos países durante o trajecto.
A Transferência de Tecnologia não é Gratuita
Sempre que surge o tema de transferência de tecnologia, parece verificar-se sempre uma onda de acusações de cópia ou roubo. Os leitores devem notar cuidadosamente que a China não “roubou” a tecnologia ferroviária de ninguém; pelo contrário, foi tudo comprado. A China pagou biliões de dólares por essa transferência de tecnologia. Acontece o mesmo em todas as indústrias importantes actualmente. A China tem dinheiro e está disposta a pagar generosamente pela tecnologia de que necessita para promover o seu desenvolvimento.
O caminho de ferro de alta velocidade foi pioneiro no Japão do pós-guerra nos anos 50 e início dos anos 60 com a construção do “comboio-bala” Shinkansen. A França, Alemanha e outros países europeus seguiram o exemplo nos anos 80. O pensamento sério sobre a construção de caminhos de ferro mais rápidos na China começou nos anos 90 e, para compensar um início tardio, o governo chinês olhou para o estrangeiro. Em 2004, a China assinou acordos com a Alstom e a Kawasaki para cooperar com empresas locais na construção de conjuntos de comboios de Alta Velocidade para a China. A Kawasaki, que concebeu o comboio-bala Hayate original, assinou um acordo com o Ministério dos Caminhos de Ferro da China para a transferência de um espectro completo de tecnologia de Alta Velocidade para um fabricante em Qingdao.
O acordo da China para obter tecnologias europeias e japonesas de comboios de alta velocidade tinha um preço muito elevado. Somente o acordo de 2004 da Kawasaki com o Ministério dos Caminhos de Ferro, que incluiu a transferência de todo o espectro da tecnologia e ‘know-how’ para o comboio-bala, custou à China, na altura, quase 800 milhões de dólares. A Kawasaki fabricava originalmente conjuntos de comboios e exportava-os para a China totalmente montados, depois ajudou os fabricantes chineses a produzir outros 50 conjuntos localmente. A Kawasaki também forneceu à China formação tanto no Japão como na China, e várias actualizações tecnológicas, tendo custado cada nova provisão, muitos milhões de dólares.
A Siemens, a Bombardier e a Alsthom assinaram acordos semelhantes com a China para transferir a tecnologia necessária à produção dos seus conjuntos de comboios. As empresas chinesas também pagaram muitos milhões de dólares em taxas para adquirir actualizações tecnológicas e formação adicional; em muitos casos, os engenheiros chineses foram enviados para a Europa e para o Japão, em estudo, durante períodos prolongados. Mais tarde, as empresas ajudaram a criar instalações de produção na China. Formaram engenheiros chineses enquanto ajudavam o país a desenvolver a sua própria cadeia de fornecimento de componentes dos comboios.
E o Remorso de Alguns Vendedores
As grandes indústrias estrangeiras procuravam há muito, explorar o vasto mercado da China devido às enormes recompensas imaginadas e o caminho de ferro de Alta Velocidade estava na linha da frente. As empresas japonesas e europeias que foram pioneiras nos comboios de Alta Velocidade concordaram vender comboios à China na expectativa do acesso ao sistema ferroviário rápido mais ambicioso da História e de contratos no valor de biliões por ano, indefinidamente, para o futuro. A sua ânsia em concordar com a venda da tecnologia baseou-se nas expectativas de que os chineses precisariam talvez de 30 anos para absorver e executar essa tecnologia antes de estarem prontos para prosseguir por si próprios. A realidade era algo diferente: eles viram-se obrigados a competir com empresas chinesas que adaptaram e melhoraram a sua tecnologia e produziram produtos superiores em apenas três anos.
Passaram muitas décadas desde que os japoneses construíram o primeiro comboio e Alta Velocidade e o desenvolvimento foi relativamente pequeno antes da China ter entrado em cena. Certamente parte da razão de tal acontecer foi que os japoneses acumularam e esconderam a sua tecnologia devido ao orgulho nacional, em vez de a comercializar para todo o mundo. Na altura em que mudaram de atitude, o mundo já os tinha ultrapassado e a sua tecnologia já estava antiquada. O Japão só concordou com a venda da tecnologia muito tarde e reteve a última geração de descobertas. Quando a China provou a sua capacidade de combinar as tecnologias de todas as empresas e criar um produto novo e superior, os japoneses ficaram bastante amargos, a Kawasaki chegou ao ponto de afirmar que os comboios da China eram apenas “versões melhoradas” do seu comboio-bala original, com pequenas variações no esquema da pintura exterior e dos acabamentos interiores. Claro que o verdadeiro problema é que agora, é impossível para o Japão competir com a China nos mercados internacionais, uma vez que eles acumularam a sua tecnologia durante demasiado tempo e foram ultrapassados. A comercialização torna-se difícil quando o único atractivo de venda é que os comboios mais rápidos e baratos de outro tipo são cópias dos seus comboios lentos e caros.
Algo semelhante ocorreu com o comboio Maglev 430 Kph de Shanghai (o único Maglev em funcionamento no mundo), que foi construído pela Siemens. A tecnologia Maglev é, em princípio, simples e de baixa velocidade, mas a suavidade e estabilidade a alta velocidade são excepcionalmente complicadas. Devido ao orgulho de autoria, tal como com os japoneses, a Siemens também se recusou a considerar uma venda da tecnologia, preferindo resistir através de preços do produto acabado surpreendentemente elevados. O resultado foi que os engenheiros chineses voltaram toda a sua atenção de Pesquisa e Desenvolvimento para os Maglev e a Siemens poderá ficar permanentemente fora do mercado. Os engenheiros chineses produziram primeiro Maglevs de baixa velocidade (200 Kph) com muito sucesso, inteiramente da sua Propriedade Intelectual, para serem utilizados em toda a China como comboios urbanos, mas estão agora a iniciar a produção comercial de um fabuloso Maglev de 600 Kph que pode tornar-se um substituto do tradicional comboio de alta velocidade. O custo do Maglev da Siemens para Shanghai foi muito elevado, mas os engenheiros chineses conseguiram, mais uma vez com o seu próprio engenho (Propriedade Intelectual), reduzir o custo deste comboio muito rápido para apenas dois terços do dos comboios regulares de Alta Velocidade.
As empresas ocidentais confundiram o seu avanço com a sua capacidade de Pesquisa e Desenvolvimento, atribuindo ambos à sua superioridade natural, assumindo com confiança que eram mais inovadores em vez de simplesmente terem começado mais cedo. A Kawasaki e a Siemens, em particular, sabiam que os engenheiros chineses queriam produzir comboios inteiramente baseados na tecnologia nacional, por isso, recusaram-se a separar-se dos seus produtos mais avançados e venderam tecnologia ferroviária à China que já tinha duas ou mesmo três gerações. O pressuposto era que a capacidade de Pesquisa e Desenvolvimento japonesa e alemã, juntamente com a sua enorme liderança, manteriam uma lacuna intransponível e permitir-lhes-iam captar todo o mercado chinês.
Dizer que subestimaram o poder da inovação chinesa e a velocidade e qualidade da Pesquisa e do Desenvolvimento da China, é um eufemismo de uma certa magnitude, com a Kawasaki e a Siemens a ficarem à porta de entrada apenas alguns anos mais tarde. As empresas ferroviárias chinesas pagaram biliões de dólares pela tecnologia mais antiga das quatro empresas estabelecidas. Como primeiro passo, desmontaram, avaliaram e combinaram todas essas tecnologias num único comboio com as melhores características de cada uma. O segundo passo foi utilizar as suas formidáveis capacidades de Pesquisa e Desenvolvimento para depois criar comboios inteiramente novos construídos completamente a partir da Propriedade Intelectual chinesa, produzindo comboios mais rápidos, mais suaves, mais silenciosos e menos dispendiosos do que a geração mais recente dos seus antigos fornecedores.
O comboio de Alta Velocidade foi pioneiro na Europa e no Japão, mas não havia mercado fora dessas áreas até a China entrar em cena, tendo esta entrada validado a viabilidade de uma adopção generalizada e uma maior acessibilidade económica. Agora, parece que a China irá dominar o mercado da Alta Velocidade num futuro previsível, mas as empresas estrangeiras continuarão a participar num mercado mundial muito maior. Isto não aconteceu por acidente. O governo chinês planeou há 30 anos, a maior rede de Alta Velocidade em escala do mundo, e investiu grandes somas para financiar o programa. Os engenheiros chineses têm demonstrado enorme engenho e criatividade e continuam a empurrar agressivamente o envelope da tecnologia ferroviária. Os países em desenvolvimento estão particularmente gratos pelo facto da China ter levado o custo da Alta Velocidade para níveis acessíveis.
Vou fazer aqui uma observação sobre segurança. Quando um comboio de Alta Velocidade chinesa teve um acidente em Wenzhou há cerca de dez anos, os meios de comunicação ocidentais estavam tão delirantes com esse infortúnio que ninguém se deu ao trabalho de denunciar a causa. Acontece que cada oportunidade de criticar a China será transformada num fracasso comprovado do governo unipartidário chinês. Ao relatar este acidente ferroviário, em 2011, todos os meios de comunicação social ocidentais atribuíram avidamente a culpa não a uma falha dos sinais, mas ao sistema monopartidário da China. Mas a Wikipedia descreve uma lista de 69 páginas de acidentes ferroviários só nos EUA, acontecendo vários acidentes graves e múltiplos acidentes pequenos todos os anos. Visto que a teologia deve ser universal para ser credível, está claro onde reside a culpa de todos estes desastres terríveis – a democracia provoca acidentes ferroviários.
Mas faço uma pequena paragem para referir outro assunto. Esse acidente ferroviário fez lembrar misteriosamente o 737 Max da Boeing, onde não foi abordado nos manuais de utilização, um grande problema de programação. O sistema ferroviário chinês tem dezenas de instalações em todo o país, onde cada comboio é constantemente monitorizado para muitas funcionalidades tais como velocidade, temperatura dos eixos, condições meteorológicas. Desenvolveu-se um problema com um sistema de sinalização japonês em que os japoneses não queriam que os engenheiros chineses compreendessem completamente o funcionamento do equipamento e, por isso, forneceram documentação defeituosa. Quando a falha ocorreu, os engenheiros chineses souberam imediatamente que algo estava errado e seguiram o manual de instruções, mas em vão, porque o manual estava incompleto. Gostaria ainda de notar que esta não foi, de forma alguma, a primeira vez que os engenheiros chineses foram deliberadamente enganados sobre a função ou sobre o funcionamento da Propriedade Intelectual que tinham comprado e pago.
Ripley’s ‘Believe it or Not’
Este ensaio não ficaria completo sem alguma referência aos EUA.
Em 2012 e 2013, os EUA mergulharam numa angústia criada pela inveja da rede ferroviária de alta velocidade da China, com o sistema ferroviário americano, rico e propenso a acidentes, a sofrer muito em comparação com o chinês. Quando se tornou evidente que os americanos nunca poderiam duplicar o sucesso da China, e confrontados com o fracasso iminente da sua ambição de se juntar ao mundo da alta velocidade ferroviária, os americanos reduziram a definição de “comboios de alta velocidade” de 400 Kph para 250 e depois 150, antes de abandonarem completamente a sua busca. Depois seguiu-se a racionalização através das lentes morais genuinamente americanas, da política e da religião. “A nossa rede ferroviária lenta é o preço que pagamos pelos conceitos fundamentais da América, tais como o nosso sistema político democrático e a nossa liberdade de religião”.
Um leitor de Internet comentou:
“O fracasso americano ao realizar um sistema de Alta Velocidade não se deve ao facto da China ter melhor liderança, visão, planeamento e execução e a sabedoria de sacrificar benefícios a curto prazo e interesses minoritários para atingir o ganho a longo prazo e para o bem maior do país; é porque os americanos têm a democracia e amam a liberdade. As brigas e indecisões, as disputas, as vacilações e a eventual paralisia de todos os níveis do governo dos EUA nesta questão – uma impossibilidade em qualquer país – são, na realidade, um distintivo de mérito na América, prova da sua liberdade virtuosa. Portanto, deixemos que a China construa os seus comboios de alta velocidade. Quanto mais comboios tiverem, menos livres se tornam. Os americanos nunca seriam tão tolos a ponto de sacrificar a liberdade em de troca bons transportes, ou a democracia em troca de estradas e pontes”.
Não conheço o autor desta breve passagem abaixo, mas quero partilhar convosco a citação porque ele captou perfeitamente o espírito americano.
“No final de 2013, a Califórnia ainda esperava construir a primeira linha ferroviária de alta velocidade do país, uma linha de 830 Kms de Los Angeles a São Francisco, que deveria estar concluída em 2029 (mais de 16 anos) e que custaria cerca de 70 biliões de dólares sem incluir os inevitáveis excedentes de custos. Ao contrário, a China construiu a sua linha de Alta Velocidade de 1.320 Kms Shanghai-Pequim em apenas três anos a um custo de 200 biliões de Yuan – cerca de 32 biliões de dólares. Assim, o comboio de alta velocidade dos EUA – se alguma vez for realmente construído – será 60% mais lento do que o da China, levará cinco vezes mais tempo a construir e custará quase cinco vezes mais para uma distância equivalente. Claro que os americanos poderiam simplesmente pedir à China para construir o seu comboio de Alta Velocidade em apenas 18 meses a um custo de somente 20 biliões de dólares, mas significaria admitir a superioridade chinesa e isso revela que os EUA nunca terão um comboio de alta velocidade”.
No entanto, embora desconhecido pelo mundo em geral, a América tem, de facto, um “comboio de alta velocidade”, o novo “Brightline” de Richard Branson, que percorre 100 Kms de Miami a West Palm Beach, na Florida. De acordo com as promoções, são “comboios elegantes, de cor néon amarelo, que viajam a velocidades até 127 Kms/hr (!!!!)”. Para ser justo com os americanos, promoveram inicialmente este comboio como sendo um “comboio de alta velocidade”, uma pequena mas digna concessão à realidade, que rapidamente desapareceu. Para ser justo com o elegante comboio amarelo-néon, é incapaz de atingir a velocidade máxima anunciada e, de facto, raramente atinge sequer 100 Kph, ligeiramente mais rápido do que um comboio de mercadorias, mas não muito mais.
Também é desconhecido do mundo, que esta versão americana do comboio de alta velocidade já teve (em dois ou três anos desde a sua inauguração) numerosos descarrilamentos, dezenas de acidentes, e cerca de 100 mortes – várias das quais ocorreram durante a corrida de ensaio, após o que o comboio foi autorizado a entrar em serviço. Brightline, no entanto, disse que “a segurança continua a ser a principal prioridade da empresa”. Curiosamente, os dados da Administração Federal dos Caminhos de Ferro dos EUA mostram significativamente menos mortes porque (se se pode acreditar nisso) classificam muitas das mortes como “possíveis suicídios”, e depois impõem “restrições de comunicação destinadas a salvaguardar a privacidade”. (1)
De acordo com uma notícia, os comboios da Brightline realizavam testes entre Miami, Fort Lauderdale e West Palm Beach, desde Janeiro de 2017, período durante o qual ocorreram várias mortes. (2) Outro relatório noticioso declarou que, de acordo com a Administração Federal dos Caminhos de Ferro, este comboio teve “o maior número de mortes ao longo do precurso, nesse período de tempo”. (3) A situação é tão má que existem agora, pelo menos, dois escritórios de advogados da Florida, especializados em litígios das vítimas de acidentes da Brightline. (4)
Também, de acordo com a Administração Ferroviária Federal, “uma locomotiva Brightline descarrilou … a quatro milhas por hora …”. O relatório referiu que este foi o segundo descarrilamento no espaço de dois meses, sendo a causa principal o facto deste comboio de alta velocidade norte-americano estar a utilizar carris que foram construídos há mais de 60 anos e destinados apenas a comboios de mercadorias de baixa velocidade. A empresa recusou-se a confirmar o acidente durante quase seis meses, mesmo em testemunho perrante uma Comissão do Senado, tendo então designado o descarrilamento como sendo “menor”, e rejeitou a preocupação dos críticos como sendo uma “táctica de medo sem fundamento”. (5) Outro artigo referia esta pequena notícia: “culpa das pistas, novas, ainda muito ásperas, como se elas se tornassem melhores com a sua utilização. Dez dias mais tarde, esta parte do percurso foi endireitada”. (sic)
Estas questões são dignas de nota sobre vários aspectos. Em primeiro lugar, sobre a segurança: A circulação de comboios de “alta velocidade” através de passagens de nível (ao nível do solo), está a ocasionar a ocorrência de mortes. A circulação de comboios de passageiros em vias dilapidadas e em camas ferroviárias que não são mantidas há 60 anos, tem o mesmo efeito. Um segundo artigo é tão ilustrativo de uma peculiaridade patológica que parece existir somente nos EUA. A partir da página de Brightline na Internet:
“Assentos de couro costurados à mão. Podem sentar-se 2 ou 4 pessoas à mesa. Relaxe antes da partida na nossa sala SELECT da primeira classe com uma rodada sempre em renovada de petiscos e bebidas tentadoras. Serviços comerciais no átrio, que incluiem iPads, um scanner e uma impressora. Acesso a salas de conferência nas nossas estações (um valor de $50/hr). Wi-Fi gratuito a bordo”.
Assentos de couro costurados à mão e uma rodada de petiscos tentadores, sempre renovados, num comboio que descarrila a 4 milhas por hora, que já teve dezenas de acidentes e que já matou cerca de 100 pessoas. Esta é a forma como os americanos concebem os seus carros. A aparência é tudo e a substância não significa nada. Os desenhadores de automóveis americanos realizam testes de mercado frequentes onde apresentam novos automóveis aos cidadãos, com o objectivo de ver se as novas degradações na qualidade e na segurança podem passar os estes testes públicos sem serem detectadas. Um comboio designado como sendo de alta velocidade, que circula em vias perigosas, é posto em evidência pelos assentos de couro e pelo Wi-Fi. Isto só acontece na América. Um comentador da Internet escreveu: “Isto prova que os americanos são demasiado estúpidos para usufruirem o comboio de alta velocidade”.
Este último assunto pode conter investigação digna de uma tese de Mestrado, ao referir o título de um jornal sobre um dos descarrilamentos: “Acidentes trágicos da Brightline, mas será que o caminho de ferro é realmente o culpado?” O artigo afirmava que este “serviço inovador de transporte ferroviário de passageiros de alta velocidade está em funcionamento há apenas cerca de uma semana e meia e já morreram pessoas”, e prosseguia dizendo que a maioria dos leitores atribui a culpa não ao caminho de ferro, mas “às pessoas responsáveis pelas tomadas de decisões”. Havia uma comoção quase irresistível nesta afirmação. Ao ler os relatórios, não consegui afastar a sensação de ouvir uma criança pequena, desapontada com algum fracasso mas sem maturidade para ver a realidade como ela era, arranjando uma desculpa típica de uma mente de 8 anos de idade. Creio que poderíamos argumentar que este é o nível de consciência do típico americano adulto.
*
A obra completa do Snr. Romanoff está traduzida em 32 idiomas e postada em mais de 150 sites de notícias e de política de origem estrangeira, em mais de 30 países, bem como em mais de 100 plataformas em inglês. Larry Romanoff, consultor administrativo e empresário aposentado, exerceu cargos executivos de responsabilidade em empresas de consultoria internacionais e foi detentor de uma empresa internacional de importação e exportação. Exerceu o cargo de Professor Visitante da Universidade Fudan de Shanghai, ministrando casos de estudo sobre assuntos internacionais a turmas avançadas de EMBA. O Snr. Romanoff reside em Shanghai e, de momento, está a escrever uma série de dez livros relacionados com a China e com o Ocidente. Contribuiu para a nova antologia de Cynthia McKinney, ‘When China Sneezes’ com o segundo capítulo, “Lidar com Demónios”.
O seu arquivo completo pode ser consultado em https://www.moonofshanghai.com/ e http://www.bluemoonofshanghai.com/
Pode ser contactado através do email: 2186604556@qq.com
Notes
(1) https://abcnews.go.com/Travel/wireStory/higher-speed-florida-train-highest-us-death-rate-67434427
(2) https://www.injuryattorneyfla.com/brightline-train-accident.html
(3) https://cs.trains.com/trn/f/111/t/267542.aspx?page=2
*
Traduzido em exclusivo para PRVADA PT
Copyright © Larry Romanoff, Moon of Shanghai, Blue Moon of Shanghai, 2021
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com
Website: Moon of Shanghai + Blue Moon of Shanghai
Tags: China, China’s High-Speed Trains, CHINESE, Global Economy, LARRY ROMANOFF, Science, COMBOIOS DE ALTA VELOCIDADE
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