PT — LARRY ROMANOFF — SE A AMÉRICA SE EXTINGUIR… January 31, 2021

As elites do governo dos EUA e a aristocracia empresarial inventaram, e durante 200 anos promulgaram, o conceito do “’manifest destiny” =  destino incontestável”, uma proposta teológica que “combinou a ilusão religiosa com uma hipocrisia e um racismo sem limites” numa teoria popular de que Deus estava a delegar aos americanos o domínio do mundo. Reinhold Niebuhr escreveu que o que prometia um luto sem fim à vista, era a convicção arrogante dos americanos de que “a Providência intimou a América a defender toda a Humanidade na sua peregrinação rumo à perfeição”. (1) Estas ideias de Excepcionalismo Americano e de Destino Manifesto repousam sobre a viga mestra de uma cultura política omnipresente, imbuída do conceito religioso de uma espécie de aliança com Deus.” O acondicionamento das guerras de agressão, de genocídio e de imperialismo sob o disfarce esfarrapado de liberdade e de acordo com uma estratégia dirigida pelo Divino, são truques de propaganda ultrapassados que têm sido usados para iludir as massas americanas ao longo da História do país até ao momento presente”. (2) Até hoje, a maioria dos americanos acredita fervorosamente que todas as guerras injustificadas e criminosas da sua nação foram comandadas para “salvaguardar o mundo a favor da democracia, da soberania do povo”.

Com o objectivo de moldar as percepções e os valores a uma escala maciça, os políticos americanos e os seus aliados no interior das forças armadas, em Hollywood, na comunicação social, nos negócios e na banca, criaram deliberadamente – e depois exploraram – a lealdade nacionalista de um público crédulo e ignorante. Os americanos foram programados durante gerações, com políticas baseadas na religião, sendo condicionados a ver o mundo a preto e branco, bom e mau, a acreditar que só as virtudes e os valores americanos seriam bons para a Humanidade e que triunfariam sempre. Os mitos históricos inventados, ensinaram-lhes que eles, os dirigentes, e a nação eram benfeitores abnegados, justos e íntegros, em relação ao mundo, combatendo o mal onde quer que este fosse encontrado.  Foi tudo distorcido, baseado não só na ignorância, como também numa ilusão ilimitada. A imagem da América de si mesma, e a imagem que ela tinha das nações e dos povos do mundo, foram tragica e superficialmente distorcidas com o propósito de criar a narrativa da superioridade moral americana.

A maioria dos feriados americanos, para além dos obviamente religiosos como o Natal, estão imbuídos de tons políticos e religiosos, muitos deles reforçando os mitos históricos da fundação ou do desenvolvimento da nação. São despertadas memórias históricas adulteradas, assim como emoções patrióticas e convicções espirituais, criando uma espécie de adesivo que origina um sentido ilusório de identidade social. Todo o conceito da nacionalidade americana é baseado nesta política de religião pervertida, criando uma identidade nacional extremamente ideológica que é reforçada quase diariamente, a fim de evitar o seu colapso.

Mas é tudo o que eles têm. Ser americano não é estar ligado por uma raça ou por uma língua comum, nem pela História, nem pela cultura ou pela tradição. Em tudo isto, os americanos estão vazios, desprovidos de cultura e civilização, sem tradições, sem crenças ou história comuns. Os americanos têm apenas a sua religião política de baixo nível para os unir, e não há mais nada para eles, nenhuma comunidade ou pertença além de ser somente um membro desta “equipa”, sendo a sua ideologia política o único adesivo. Toda a sua existência americana assenta nesta falsa narrativa ideológica e todo o regime foi baseado nestes mitos e fábulas moralistas político-religiosas. Se expusermos e destruirmos os mitos, forçando os americanos a enfrentar as verdades nuas e cruas sobre a sua nação, toda a narrativa vai desmoronar-se e, se a narrativa ruir, o regime não pode manter-se.

Alguém escreveu apropriadamente, que o patriotismo americano pode ser melhor compreendido como sendo o maior caso de histeria colectiva da História. Mas mais uma vez, é tudo o que eles têm. Não há mais nada. É tudo o que ampara a vida de cada indiviíduo. Toda a sociedade, a identidade e o próprio núcleo da psique americana, estão todos baseados nesta orgia histérica de uma religião política que inclui tudo. Porque não têm mais nada de substancial como povo ou como nação. Este McCarthyismo moderno é tudo o que impede o colapso da identidade americana. Como alguém assinalou, se a França se desintegrar, o povo francês continua a ser francês. Se a América se extinguir, os americanos não são nada.

Por tudo isto e muito mais, a América é um país extremamente baseado em ideologia, com o nacionalismo americano a formar um poderoso jingoísmo fabricado sobre os pilares gémeos de um sistema político multipartidário, disfuncional e deturpado, e de um capitalismo brutal e de benefício próprio, tudo isto envolvido num sudário de um cristianismo perigosamente primitivo e sacrílego.

Os americanos também não podem compreender ou sondar conceitos de civilização noutras sociedades. Para eles, as referências de uma nação à sua cultura ou à sua civilização são apenas desculpas baratas para evitar o inevitável, que é tornarem-se clones americanos, adoptando os chamados valores e instituições americanas. Os americanos nada sabem sobre outras nações ou sobre outras culturas, para além da sua suposta vasta inferioridade. Poucos americanos têm capacidade ou inclinação para aprender outra língua e, ainda sabem menos, sobre a História ou a cultura de outras civilizações, milhares de anos mais antigas do que a sua. Compreendem o consumismo e orgulham-se dos seus direitos, usando a beligerância e o darwinismo social (o Sonho Americano) como sendo um substituto da sua falta de civilização, de cultura e de humanidade.

Os americanos têm sido tão sobrecarregados com propaganda, desde nascença e estão  tão imersos na sua superioridade natural e no seu excepcionalismo dado por Deus que, simplesmente, não podem tolerar que qualquer povo seja diferente deles e o seu cristianismo primitivo e violento, impõe que eles convertam ou matem qualquer pessoa que seja diferente. Esta atitude profundamente enraizada afecta todo o espectro da experiência humana, exibida através de um jingoísmo sem sentido onde cada atitude ou crença americana, por mais vazia que seja, é automaticamente convertida num valor universal e num direito humano. Um americano muito conhecido afirmou uma vez, que o direito do seu animal de estimação à comida para cães era um “direito humano” e, portanto, estava incluído na definição de democracia.

Os americanos não só universalizam a maior parte de tudo, como, devido à infusão do cristianismo nas suas crenças políticas, moralizam tudo, o que se traduz em “O vosso caminho não só é diferente, mas está errado” – como sendo moralmente errado. E esta atitude, que lhes permite assenhorear-se do mais elevado terreno moral em todas as questões discutíveis, obtém da sua herança cristã da Direita – a crença de que tudo o que fazem é “correcto” porque Deus está do seu lado. Assim, tomam (na sua mente) uma posição inatacável  de que tudo o que fazem, por mais brutal, repulsivo, desumano ou desonesto que seja, é justificado pela justiça moral inerente, que resulta da aprovação de Deus. Dada a beligerância natural dos americanos, esta atitude manifesta-se numa ânsia alarmante de usar a violência para impor os seus valores, as suas instituições e a sua vontade, a todas as outras nações.

Em parte é por este motivo que os americanos se intrometem tanto, e é a justificação da sua concentração patológica sobre outras formas de governo. Por esta razão é que um editorial de um jornal, se pronunciou recentemente sobre a Síria: “Mesmo que fosse ilegal interferirmos, ainda assim seria correcto”. Portanto, devemos derrubar um governo legítimo simplesmente porque ele não detém os nossos valores americanos – os valores de Deus, e podemos ignorar as leis do Homem, porque respondemos perante uma autoridade superior. Neste contexto, a morte e a miséria infligidas são insignificantes. O povo americano vê a sua intromissão nos assuntos de outras nações como “a coisa certa a fazer”, e é a coisa certa porque é a vontade de Deus.

O povo americano é ingénuo, crédulo e simples de espírito, pelo menos em relação à atitude da sua nação face ao relacionamento da mesma com outros países. O seu governo mente sempre, e eles acreditam sempre nas mentiras. As centenas de intervenções no estrangeiro, as guerras, os golpes e as invasões, foram sempre apresentadas como missões de salvamento de pessoas menos afortunadas, e os americanos aceitam sempre, visivelmente alheios à carnificina e à miséria que infligem. O Presidente norte-americano McKinley afirmou que ia para a guerra contra Cuba, para pôr termo à “opressão à nossa porta”, e eles aplaudiram. O Presidente Taft garantiu que estava a derrubar o governo da Nicarágua para promover o “verdadeiro patriotismo”, e eles festejaram. George Bush destruiu e escravizou o Iraque a fim de “encontrar Armas de Destruição em Massa”, e eles aprovaram. Obama arrasou a Líbia para “libertá-la”, e eles regozijaram-se.

Obtém-se uma aprovação pública idêntica no que diz respeito aos homicídios e assassinatos patrocinados pelo Estado americano. No passado, estas ocorrências eram operações secretas e obscuras, mas hoje são realizadas abertamente e convertidas em circunstâncias de relações públicas. A lei americana foi reescrita para permitir ao Presidente dos EUA ordenar o assassinato de indivíduos em qualquer país sem fornecer qualquer prova a ninguém, e fazê-lo sem acusação ou julgamento. Tal como acontece com a tortura, a máquina de propaganda readaptou os conceitos de “democracia, liberdade e direitos humanos” a fim de incluir estes assassinatos como parte da religião político-cristã americana, certificada pelo Procurador-Geral dos EUA, Eric Holder, ao declarar categoricamente que estes assassinatos levados a cabo pelo governo americano “não são o abandono das nossas leis e dos valores americanos”.

Esta propaganda é infalível. A mesma simplicidade ingénua de gerações de programação intensa criou um apoio público generalizado a estes assassinatos. Bush mandou executar Saddam Hussein através de um enforcamento público e os americanos aplaudiram nas ruas. Moammar Khadaffi foi capturado, sodomizado com uma faca enorme, depois foi alvejado na cabeça, e eles regozijaram-se nas ruas. Obama fingiu o massacre de Osama bin Laden, e eles festejaram nas ruas. Os americanos fabricam a sua História criando mitos populares e tornando até um assassinato criminoso numa ocasião de celebração por pertencerem à equipa vencedora. Só na América é que centenas de milhares de pessoas festejam nas ruas, a notícia de que o seu dirigente máximo acabou de matar, noutro país, alguém de quem ele não gostava.

Neste como em praticamente todos os outros aspectos das relações com países estrangeiros, é necessário nunca esquecer que a democracia é uma moeda somente com uma face. Recordar-se-ão da situação no Iraque, em que os EUA prepararam deliberadamente Saddam Hussein para invadir o Kuwait, e depois traíram-no. No prosseguimento da “libertação” do Kuwait, os EUA propagaram as referências de que Saddam tinha estabelecido um contrato de sucesso com George Bush para conseguir uma traição em duplicado. Não foram apresentadas provas, mas se a acusação fosse verdadeira dificilmente seria uma surpresa. Em resposta, os EUA bombardearam completamente o Iraque porque, segundo o Presidente Clinton dos EUA, o bombardeamento “era essencial para … afirmar a expectativa de um comportamento civilizado entre as nações”. – o bombardeamento de civis inocentes, visivelmente em conformidade com a definição de “comportamento civilizado”. Posso matá-lo, mas você não me pode matar. Adoro a democracia.

Vamos regressar à Líbia, por um momento. Vimos o resumo das verdadeiras razões pelas quais o governo dos EUA destruiu aquela nação e mandou matar o seu dirigente – foi para obter vantagem comercial, militar, política e financeira mas, nas profundezas pouco profundas da mente ingénua americana, o seu governo derrubou um ditador brutal e libertou o povo por razões humanitárias. Ouçam Hillary Clinton: “Sinto orgulho por estar aqui,no solo de uma Líbia livre. Os Estados Unidos orgulham-se de vos apoiar na vossa luta pela liberdade e nós continuaremos a acompanhar-vos nesta viagem. Este é o momento da Líbia. Esta é a vitória da Líbia e o futuro pertence-vos”. O Presidente Obama, o grande cristão americano e Prémio Nobel da Paz, foi igualmente encantador, declarando a morte de Kaddafi como sendo “um dia memorável” e ao dizer, quase sem fôlego, às ovelhas americanas que, devido à destruição total da Líbia, “tinham sido salvas inúmeras vidas”. Mentiras desta gravidade deveriam ser punidas com a forca.

E aqui reside parte da tragédia da América, e a razão pela qual o país acabará por ter de implodir: o enorme desfazamento existente entre a ideologia propagandizada do povo e a realidade brutal da fina camada das elites que dirigem o governo e as forças armadas, o tecido empresarial, os bancos e os meios de comunicação social. Não há outra nação cuja população tenha um fosso tão grande entre o mito e a realidade, entre o que o povo acredita que o seu governo fez e o que realmente fez. Quando o povo um dia juntar as peças, os EUA terão outra revolução; não acredito que nada a possa impedir. Não foi sem motivo que George Bush Sr. disse: “Se o povo soubesse o que estávamos a fazer, enforcar-nos-ia nas ruas”. Talvez o façam muito em breve.

*

A obra do Snr. Romanoff,está traduzida em 30 idiomas e postada em mais de 150 sites de notícias e de política de origem estrangeira, em mais de 30 países, bem como em mais de 100 plataformas em inglês. Larry Romanoff, consultor administrativo e empresário aposentado, exerceu cargos executivos de responsabilidade em empresas de consultoria internacionais e foi detentor de uma empresa internacional de importação e exportação. Exerceu o cargo de Professor Visitante da Universidade Fudan de Shanghai, ministrando casos de estudo sobre assuntos internacionais a turmas avançadas de EMBA. O Snr. Romanoff reside em Shanghai e, de momento, está a escrever uma série de dez livros relacionados com a China e com o Ocidente. Contribuiu com o segundo capítulo, Lidar com Demónios, para a nova antologia de Cynthia McKinney, ‘When China Sneezes’ .

O seu arquivo completo pode ser consultado em

https://www.moonofshanghai.com/ e  

http://www.bluemoonofshanghai.com/

Pode ser contactado através do email: 2186604556@qq.com 

Notas

(1) https://williamblum.org/aer/read/100

(2) Perdi a origem dest citação.

Este artigo foi escrito em exclusivo para o Saker Blog

Copyright © Larry Romanoff, Moon of Shanghai, Blue Moon of Shanghai, 2021

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos

Email: luisavasconcellos2012@gmail.com

Websites: https://www.moonofshanghai.com/

http://www.bluemoonofshanghai.com/

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