Ativando um “Brutus” para matar o Elon Musk “César”

Alastair Crooke 09 de setembro de 2024

A guerra foi deflagrada. Não há necessidade de mais pretensões com relação a isso.

No Washington Post de segunda-feira, as manchetes diziam: Musk e Durov estão enfrentando a vingança dos reguladores. O ex-secretário do Trabalho dos EUA, Robert Reich, no jornal britânico Guardian, publicou um artigo sobre como “controlar” Elon Musk, sugerindo que “os órgãos reguladores de todo o mundo deveriam ameaçar Musk com prisão“, nos moldes do que aconteceu com Pavel Durov recentemente em Paris.

Como deve estar claro para todos agora, a “guerra” começou. Não há mais necessidade de fingir sobre isso. Em vez disso, há uma alegria evidente com a perspectiva de uma repressão à “extrema Direita” e seus usuários da Internet, ou seja, aqueles que espalham “desinformação” ou informações erradas que “ameaçam” a ampla “infraestrutura cognitiva” (ou seja, o que as pessoas pensam!).

Não se engane, os estratos dominantes estão furiosos; eles estão furiosos porque seus conhecimentos técnicos e seu consenso sobre “quase tudo” estão sendo desprezados pelos “deploráveis”. Haverá processos, condenações e multas para os “atores” cibernéticos que perturbarem a “alfabetização” digital, alertam os “líderes”.

O professor Frank Furedi observa:

“Há uma aliança profana de líderes ocidentais – o primeiro-ministro Keir Starmer, o presidente francês Emanuel Macron, o chanceler alemão Olaf Scholtz – cujo ódio ao que eles chamam de populismo é indisfarçável. Em suas recentes visitas a Berlim e Paris, Starmer se referiu constantemente à ameaça representada pelo populismo. Durante sua reunião com Scholz em Berlim, em 28 de agosto, Starmer falou sobre a importância de derrotar “o óleo de cobra do populismo e do nacionalismo”

Furedi explicou que, para Starmer, o populismo era uma ameaça ao poder das elites tecnocráticas em toda a Europa:

Falando em Paris, um dia depois, Starmer apontou a extrema Direita como uma “ameaça muito real” e novamente usou o termo “óleo de cobra” do populismo. Starmer nunca parou de falar sobre o ‘óleo de cobra do populismo’. Atualmente, praticamente todos os problemas políticos são atribuídos ao populismo… A associação do termo “óleo de cobra” ao populismo é constantemente usada na propaganda da elite política tecnocrática. De fato, combater e desacreditar os populistas do óleo de cobra é sua prioridade número um”.

Então, qual é a fonte da histeria antipopulista da elite? A resposta é que eles sabem que se afastaram dos valores e do respeito de seu próprio povo e que é apenas uma questão de tempo até que sejam seriamente desafiados, de uma forma ou de outra.

Essa realidade foi bem visível na Alemanha no último fim de semana, quando os partidos “não-convencionais” (ou seja, não Staatsparteien), somados, garantiram 60% dos votos na Turíngia e 46% na Saxônia. Os Staatsparteien (os partidos convencionais) optam por se descrever como “democráticos” e rotular os “outros” como “populistas” ou “extremistas”. A mídia estatal até deu a entender que o que contava mais eram os votos “democráticos”, e não os votos não Staatsparteien, de modo que o partido com mais votos Staatsparteien deveria formar o governo na Turíngia.

Esses partidos conspiram para excluir a AfD (Alternative für Deutschland) e outros partidos não pertencentes ao establishment dos assuntos parlamentares, no limite do legalmente possível – por exemplo, mantendo-os fora dos principais comitês parlamentares e impondo várias formas de ostracismo social.

Isso lembra a história da rejeição do grande poeta Victor Hugo – nada menos que 22 vezes – como membro da Académie Française. Na primeira vez em que se candidatou, ele recebeu 2 votos (de 39) de Lamartine e Chateaubriand, os dois maiores homens de letras de sua época. Uma mulher espirituosa da época comentou: “Se pesássemos os votos, Monsieur Hugo seria eleito; mas estamos contando-os”.

Por que a guerra?

Porque, após a eleição de 2016 nos EUA, as elites políticas dos bastidores dos EUA culparam a democracia e o populismo por produzirem resultados eleitorais ruins. O anti-establishment de Trump havia de fato vencido nos EUA; Bolsonaro também venceu, Farage cresceu, Modi venceu novamente, Brexit etc. etc.

As eleições logo foram proclamadas como fora de controle, produzindo “vencedores” bizarros. Esses resultados indesejáveis ameaçaram as estruturas arraigadas que projetavam e protegiam os interesses oligárquicos dos EUA há muito estabelecidos em todo o mundo, submetendo-os (oh, o horror!) ao escrutínio dos eleitores .

Em 2023, o New York Times estava publicando artigos com o título: “As eleições são ruins para a democracia“.

Rod Blagojevich explicou no WSJ, no início deste ano, a essência do que havia quebrado no sistema:

“Nós [ele e Obama] crescemos na política de Chicago. Entendemos como ela funciona – com os chefes acima do povo. O Sr. Obama aprendeu bem as lições. E o que ele acabou de fazer com o Sr. Biden é o que os chefes políticos vêm fazendo em Chicago desde o incêndio de 1871: Seleções disfarçadas de eleições”.

“Embora os chefes democratas de hoje possam parecer diferentes dos antigos chefes com charuto e um anel no dedo mindinho, eles operam da mesma maneira: nas sombras dos bastidores. O Sr. Obama, Nancy Pelosi e os doadores ricos – as elites de Hollywood e do Vale do Silício – são os novos chefes do Partido Democrata atual. Eles dão as ordens. Os eleitores, em sua maioria trabalhadores, estão lá para serem enganados, manipulados e controlados”.

“A Convenção Nacional Democrata em Chicago, no próximo mês, será o cenário e o local perfeitos [para indicar um] candidato, não o candidato dos eleitores. Democracia, não. Política de chefes de ala de Chicago, sim”.

O problema foi que a revelação da demência de Biden havia tirado a máscara do sistema.

O modelo de Chicago não é muito diferente de como funciona a democracia da UE. Milhões de pessoas votaram nas recentes eleições parlamentares europeias; os partidos não Staatsparteien obtiveram grandes sucessos. A mensagem enviada foi clara, mas nada mudou.

Guerra cultural

2016 representou o início da guerra cultural, como Mike Benz descreveu em detalhes. Um completo alienigena, Trump havia rompido as grades de proteção do sistema para ganhar a Presidência. O populismo e a “desinformação” foram a causa, segundo se dizia. Em 2017, a OTAN descreveu a “desinformação” como a maior ameaça enfrentada pelas nações ocidentais.

Os movimentos designados como populistas eram vistos não apenas como hostis às políticas de seus oponentes, mas também aos valores da elite.

Para combater essa ameaça, Benz, que até pouco tempo atrás estava diretamente envolvido no projeto como funcionário sênior do Departamento de Estado com foco em questões tecnológicas, explica como os chefes dos bastidores fizeram um extraordinário “truque de mágica”: “Democracia”, disseram eles, não deveria mais ser definida como um consensus gentium, ou seja, uma decisão conjunta entre os governados, mas sim como a “postura” acordada, formada não por indivíduos, mas por instituições que apoiam a democracia.

Uma vez redefinida como “um alinhamento de instituições de apoio”, foi acrescentada a segunda “reviravolta” à reformulação da democracia. O Establishment previu o risco de que, se uma guerra direta contra o populismo fosse levada adiante, eles próprios seriam retratados como autocráticos e impondo censura de cima para baixo.

A solução para o dilema de como prosseguir com a campanha contra o populismo, de acordo com Benz, estava na gênese do conceito de “toda a sociedade”, por meio do qual a mídia, os influenciadores, as instituições públicas, as ONGs e a mídia aliada seriam coagidos e pressionados a aderir a uma coalizão de censura aparentemente orgânica e de baixo para cima, focada no flagelo do populismo e da desinformação.

Essa abordagem, em que o governo fica “distante” do processo de censura, parecia oferecer uma negação plausível do envolvimento direto do governo; das autoridades agindo autocraticamente.

Bilhões de dólares foram gastos na criação desse ecossistema antidesinformação de forma que ele parecesse uma emanação espontânea da sociedade civil, e não a fachada Potemkin que era.

Foram realizados seminários para treinar jornalistas em práticas recomendadas e salvaguardas de desinformação da Segurança Interna – para detectar, mitigar, descartar e distrair. Fundos de pesquisa foram canalizados para cerca de 60 universidades para fundar “laboratórios de desinformação”, revela Benz.

O ponto principal aqui é que a estrutura de “toda a sociedade” poderia facilitar a integração das estruturas de base da política externa, de longo prazo e em grande parte não mencionadas (e, às vezes, secretas), em cuja base muitos interesses financeiros e políticos importantes da elite são alavancados.

Um alinhamento ideológico aparentemente brando, focado em “nossa democracia” e “nossos valores”, permitiria, no entanto, que a reintegração dessas estruturas duradouras à política externa (hostilidade à Rússia, apoio a Israel e antipatia em relação ao Irã) fosse reformulada como o tapa retórico apropriado na cara dos populistas.

A guerra pode escalar; ela pode não terminar com um ecossistema de desinformação. Em julho, o New York Times publicou um artigo argumentando que a Primeira Emenda está fora de controle e, em agosto, outro artigo intitulado “A contituição é sagrada. Será que ela também é perigosa?

A guerra, no momento, tem como alvo os bilionários “irresponsáveis”: Pavel Durov, Elon Musk e sua plataforma “X”. A sobrevivência ou não de Elon Musk será crucial para o curso desse aspecto da guerra: O Digital Service Act da UE sempre foi concebido para servir como “Brutus” para o “Caesar” Musk.

Ao longo da História, as elites que se autoproclamam e se enriquecem tornaram-se perigosamente desdenhosas em relação a seus povos. As repressões têm sido a primeira resposta usual. A fria realidade aqui é que as recentes eleições na França, Alemanha, Grã-Bretanha e para o Europarlamento revelam a profunda desconfiança e a aversão ao establishment:

“A alienação é mundial, contra o Ocidente pós-moderno. A Europa se distanciará dela ou se envolverá na detestação do “ci-devant(*) privilegiado”. O fim do dólar é, de fato, o análogo da abolição dos direitos feudais. É inevitável, mas também custará muito caro aos europeus”.

Um ecossistema de propaganda não restaura a confiança. Ele a corrói.


* Nota da tradutora: Segundo a Wikipedia, a nobreza ci-devant era composta por aqueles nobres que se recusavam a ser reconstituídos na nova ordem social ou a aceitar qualquer mudança política, cultural ou social.

Fonte: https://strategic-culture.su/news/2024/09/09/enabling-a-brutus-to-slay-the-elon-musk-caesar/

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